terça-feira, 31 de outubro de 2023

O Dia do Bruxo

Eu parece-me um disparate que Fafe celebre a americanice do Dia das Bruxas, quando tão bem servidos estamos com o produto local, o inestimável Sr. Fernando Nogueira, que tanta fama traz ao nome da nossa terra. E se traz fama, decerto também trará proveito, que o povo vem-lhe de todo o lado e estou em crer que há-de fazer despesa ali pelos estabelecimentos das redondezas, portanto é dinheiro que fica em caixa e, se não me engano, foi mais ou menos assim que Fátima começou...
Para além disso, o Sr. Fernando Nogueira é uma figura nacional, é procurado por gente da alta, do futebol, do poder, até do estrangeiro, trata o diabo por tu, fala aos jornais, aparece na televisão, é entrevistado pelo Manuel Luís Goucha, é assunto da Joana Marques na Rádio Renascença, acerta amiúde no euromilhões, tem sítio oficial na internet e, sendo de Guimarães, porque ninguém é perfeito, podia muito bem escolher o nome que lhe apetecesse, com mais ou menos molho e lantejoulas, mas não, preferiu-nos, faz questão de ser o Bruxo de Fafe, sorte a nossa. Simplesmente Bruxo de Fafe, insistentemente Bruxo de Fafe, e, orgulhoso, dá a esta marca que também nos envolve o indesmentível cunho de garantia: "Eu sou o Bruxo de Fafe, não sou charlatão!", costuma declarar quando interpelado por desconfiados ou incréus, honrando-nos a todos, e eventualmente nem todos o merecemos.
Torno, por isso, à minha. Mas qual Dia das Bruxas, mas qual Halloween, ó meu Deus, ainda por cima Halloween! Em Fafe, não! Estamos servidos. Em vez de encher a noite do Pavilhão e da Biblioteca com bichas cabeçudas, abóboras de plástico, esqueletos desengonçados, teias de aranha a fingir, morcegos em cartolina, rolos de papel higiénico e bruxas desencartadas, tudo à americana, tudo copiado de lá de fora, tudo tão longe das nossas verdadeiras tradições, melhor faria o Município se olhasse para o que tem à mão e declarasse oficialmente o dia 31 de Outubro, hoje mesmo e doravante, Dia do Bruxo. Do Bruxo de Fafe. Era de justiça.

Chamava-se Noite de Reis

Os Reis, já seremos tão poucos a lembrarmo-nos, cantavam-se de porta em porta. Na rua. em Fafe. Fazia um frio de rachar e éramos crianças lamentavelmente em roupa regrada e calçado malpropício, desagasalhadas da vida mas livres e felizes ao menos uma noite em cada ano. As palavras saíam-nos tremidas, vaporosas, condensadas, pedras de gelo às vezes, num bater de dentes que, regra geral, passava muito bem por acompanhamento a trancanholas ou reco-reco (ou requerreque, em fafês), até parecia habilidoso arranjo musical feito de encomenda por um músico das bandas. Éramos portanto crianças, pobres, de porta em porta, na rua gelada, a abençoar a noite dos adultos, se possível burgueses e talvezes. Estão a ver o Halloween? Os nossos Reis eram isso mais ou menos, mas a generosidade morava no lado de fora. E o papel higiénico era um luxo e só limpava o cu dos ricos. O nosso, limpávamo-lo ao jornal...

Cantávamos:
"Do dia cinco prò seis,
nós vimos cantar os Reis..."

Cantávamos:
"Correi, ó pastores,
que a noite está bela,
vinde ver Jesus
na formosa estrela."

Cantávamos:
"Aqui estão os Reis à porta..."

Cantávamos:
"Olhei para o céu,
estava estrelado,
vi o Deus Menino
nas palhas deitado.
Nas palhas deitado,
nas palhas esquecido,
filho duma rosa,
dum cravo nascido."

Cantávamos:
"Pastorinhos, pumpum,
do deserto, pumpum,
vinde todos a Belém.
Pumpum.
Vinde ver, pumpum,
o Menino, pumpum,
que Nossa Senhora tem.
Pumpum."

Cantávamos:
"Quem diremos nós que viva
nas folhinhas do codesso,
viva o dono desta casa
que eu por nome não conheço."

E também cantávamos:
"Vinho na pipa,
couves na horta,
se não nos der nada,
cagamos na porta."

É. Era. Estão a ver o Halloween? O típico Halloween português, essa tradição tão fafense? Os nossos Reis eram isso mais ou menos.

Despesas de manutenção efectivamente

"Despesas de manutenção?", perguntei, desconfiado. "Efectivamente despesas de manutenção, meu caro senhor", respondeu-me o senhor do banco. "Mas qual manutenção e qual efectivamente?", insisti, porque padeço dessa mania tola de insistir. "Efectivamente temos destacado um colega que diariamente e em exclusivo põe a arejar, limpa o pó e passa a ferro as vinte notas de cinquenta euros que o caro senhor em boa hora fez o favor de entregar à nossa guarda. É o gestor de conta de vosselência, assim lhe chamamos...", explicou-me o senhor do banco. "Ah, bom!, nesse caso efectivamente...", disse eu.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Poupança.

domingo, 29 de outubro de 2023

O passeio do idoso

O autocarro de aluguer levava à frente, à mão direita do motorista, uma perspicaz tabuleta que dizia "Passeio do Idoso". Convenhamos: a tabuleta é necessária, é preciso muita tabuleta, porque uma câmara municipal ou uma junta de freguesia não se podem dar ao luxo de organizar um "Passeio do Idoso" e o mundo ficar sem saber que a câmara municipal ou a junta de freguesia organizaram um "Passeio do Idoso", ainda mais agora que estamos praticamente a meio do mandato e todo o cuidado é pouco. Portanto, a tabuleta anunciava "Passeio do Idoso". Olhei com atenção para o interior do autocarro de 56 lugares e, a verdade é só uma, lá no meio ia realmente um velhinho, só um, mais vale só do que mal acompanhado. A tabuleta estava certa - era, com efeito, o passeio do idoso.

sábado, 28 de outubro de 2023

Desenhos assim-assim

Há desenhos realmente animados e há desenhos, digamos assim, um pouco mais aborrecidos. É como tudo.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Animação.

O Mique e a Mine

Foto Hernâni Von Doellinger

Os nossos velhinhos, coitadinhos

Hoje é Dia Mundial da Terceira Idade, dia dos nossos velhinhos, coitadinhos. Levantar cedo, roupinha de domingo, pó de talco e perfume, chá e bolachas e ala para a camioneta, nem que não queiram. Lá vão os nossos velhinhos de cu tremido, cantando bonitas cantigas do Quim Barreiros ditadas ao microfone pela senhora doutora da junta, que até já foi ao Preço Certo. Missinha, santa missinha, um regalo, nem que não queiram, e Quinta da Malafaia para enfartar a mula, nem que não queiram, tantos velhinhos, tantos velhinhos, ó que extraordinário velhódromo, velhinhos de tantos lados, atordoados, perdidos, sem saberem de que terra são, tantos senhores presidentes de câmara, sorridentes e abraçadeiros, de mesa em mesa e o fotógrafo sempre atrás, ai que dinheiro tão bem empregue pela autarquia local! Os velhinhos sobreviventes, nem que não queiram, regressam ao sol-pôr com o saco cheio. De volta à naftalina, à indiferença e ao esquecimento, até de hoje a um ano, se Deus quiser...

Trunfo é paus

Quatro tigres-de-bengala. Jogam sueca e contam antigamentes, na fresquinha do jardim que nunca lhes puseram.

Flores ao solheiro

Um restinho de sol e lá se sentavam elas comparando doenças e façanhas de netos havidos ou inventados. Rosa, Violeta, Hortênsia, Margarida, Dália, Açucena - evidentemente no jardim imaginário, ao entardecer da vida...

Isto das idades realmente

O quarentão é a média de todos nós. O cinquentão começa a desconfiar da vida. O sexagenário passa a constar das notícias. O septuagenário anda em contramão na auto-estrada. O octogenário é porque se safou no acidente. O nonagenário quer que os quarentões, os cinquentões os sexagenários, os septuagenários e os octogenários se fodam e refodam. O centenário só se realiza de cem em cem anos, e está certo.

Eles que venham!...

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Grande momento de televisão

Uma vez à noite, na TVI, Janeiro de 2012, como se fosse ontem. Marcelo Rebelo de Sousa pregava aos peixes, na sua habitual homilia dominical. Ele era ainda apenas comentador ou, vá lá, pitoniso oficial do regime. Falava da troika e de Cavaco Silva, que lhe estava a aquecer o lugar, de Pedro Passos Coelho e de António José Seguro, da UGT e da CGTP, da Grécia e da Alemanha, do Benfica e do Sporting, de carecas e de cabeludos, da fome e da fartura, de tudo e de nada. O costume. De repente, lá atrás no cenário da redacção vazia, passa a dona Alice das limpezas, de aspirador pela trela, logo seguida pela dona Amélia, com um caixote de lixo na mão, e da dona Matilde, que não resiste e acaricia com o pano do pó o tampo de uma das mesas de trabalho por assim dizer. Grande momento de televisão! Esqueci-me da arenga do Professor (na verdade os seus comentários nunca me interessaram realmente), e concentrei-me no desfile em fundo. Fiquei cliente do programa de variedades, mas infelizmente elas nunca mais apareceram...

Isto à conclusão do seguinte. No mundo do audiovisual, a televisão é muito importante porque dá na televisão. E o que dá na televisão só dá na televisão porque é verdadeiramente importante. Às vezes pergunto-me como seria o mundo sem televisão. E acho que provavelmente seria melhor.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Património Audiovisual.

A ver navios

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Desburocracia era com o Sr. Armindo Bristol

Antigamente mandava-se a papelada para baixo, e quem tratava do assunto em Fafe, desburocratizando a vida dos mais pobres, era o Sr. Armindo Bristol, pai do Armindo Cinco-Coroas, príncipes do velho Picotalho e gente do melhor que possa haver em Portugal e no mundo inteiro. Meter os papéis era pedir a reforma. Sim, pedir, como se fosse uma esmola, e era - como se não fosse um direito. O Sr. Armindo pai, homem letrado e bom, vestia fato e sobretudo e despachava na mesa do tasco muito limpa e organizada em envelopes, folhas de papel de 25 linhas, folhas de papel selado, cédulas pessoais, bilhetes de identidade, cartões da Caixa, recibos, atestados médicos, provas de vida, recomendações do presidente da Junta, do regedor e do bufo da Pide, a bênção do senhor abade, selos dos Correios e estampilhas fiscais, uma caneca de verde tinto e quero crer que escrevia com caneta de tinta permanente. O Sr. Armindo, figura excelentíssima que um dia espero contar melhor e mais minuciosamente, passou uma porrada de anos no sanatório e foi lá que se formou em desburocracia e ajuda aos outros. Quando tornou a casa, salvou o resto das vidas de milhares de fafenses desinformados, abandonados, assustados e analfabetos. Serviço prestado a troco de um quartilho, por um punhado de moedas ou por uma nota de vinte, consoante as posses dos desgraçados requerentes e da previsão da tença a haver, ou então por nada, apenas por um obrigado, um Deus lhe pague, uma mãozada, ficamos assim e não se fala mais nisso, porque na nossa terra, naquele tempo, abundava quem não tivesse dinheiro sequer para assobiar em cuecas sem ir preso, e o Sr. Armindo sabia disso, conhecia o povo, um a um, e fazia caso. 

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Bravo!, bravo!, bravo!...

O São Carlos rebentando pelas costuras, o público, conhecedor, finíssimo, profundamente lisboeta, num delírio de palmas compassadas e gritos comedidos (os chamados gritinhos): - Bravo!, bravo!, bravo!...
O touro, um Miura rondando os 650 quilos, assomou à boca de cena e agradeceu, composto e patriótico: - Gracias, muchas gracias!...

Massas para todos os gostos

Ele gostava de uma boa massa à lavrador, de uma boa massa de marisco e sobretudo de uma boa massa de bacalhau. Também concordava com a vacinação em massa. Quanto à massa de ar quente, não é que desgostasse, mas afligia-o sobremaneira a flatulência.

A fressura está de volta

Há pelo menos uma grande superfície do Porto que está a vender fressura às pessoas como se fosse para dar de comer aos cães. Mas é para a mesa das pessoas. Pessoas de pele e osso. As pessoas andam com fome e pedem a fressura. Nas lojas de congelados, as cabeças de pescada foram cortadas ao meio e as caras de bacalhau saem como pãezinhos quentes. As pessoas, que andam com fome e nunca na vida cozinharam (e não sabem cozinhar), agora olham para umas postas esquisitas, perguntam "que peixe é este?, é bom para quê?", os funcionários dos frigoríficos fazem o papel que lhes compete, para isso é que são pagos se também querem comer, inventam no momento um nome qualquer para o peixe em apreço e dizem que "é bom para o forno, para fritar, para a brasa, para estufar, para caldeirada, é bom, muito bom", e o peixe é uma merda mas as pessoas querem acreditar que é bom, muito bom, porque é multifunções e muito mais barato do que peixe a sério e estão com fome. E levam. E são levadas. E está bem: o polvo e as lulas agora são potas. Filhos da puta que nos puseram assim. Nos talhos, o fígado para iscas e os ossos da suã são hits nacionais. Os pescoços de frango também e as asas é um ar que se lhes dá. As pessoas estão sem dinheiro e têm fome. As pessoas não têm emprego e as que têm trabalham para pagar impostos e remédios.
A ver se me faço compreender: sempre fui praticante de asas e pescoços de frango, de ossos da suã, de iscas de fígado, de caras de bacalhau e de cabeça de pescada, se for inteira. Fui e sou. Sei dar-lhes o valor e as voltas: cá em casa são petiscos. Ainda não necessidade. À fressura é que nunca mais tornei. Ainda não precisei de tornar.
E em miúdo até era eu quem ia ao Talho, a mando da minha mãe, comprar "um quarto de fresura" para a massa do almoço, "se faz favor". Só havia um talho na vila, e por isso era com maiúscula, e não há uma mãe como a minha.
Já sabem que éramos pobres. Tão pobres, que a nossa fressura só tinha um esse, não havia dinheiro para mais. Comíamos "fresura" porque era o mais em conta que havia aparentado com carne para comermos à semana. E casava muito bem com massa, que era também comida de quem apenas sobrevivia. Eu aprendi a gostar e gostava sobretudo do rinca-rinca do cano. Já a parte do bofe fazia-me uma certa impressão e ainda hoje sou contra as chiclas. Ao domingo comíamos bife, microbife, é preciso que se note, ainda assim bife, porque a minha mãe tinha artes de ilusionista, truques de economia. A minha mãe fazia comida muito boa e, não vamos mais longe, devia ser ministra das Finanças.

A minha mãe passou por muito e diz que o 25 de Abril foi o melhor que aconteceu em Portugal. Isso e os títulos do FC Porto, que antes eram a bem dizer proibidos. A minha mãe não admite marcha-atrás. "O povo é tolo! Pobreza era no tempo do fascismo", diz a minha mãe, e os títulos do Benfica também eram. A minha mãe defende a democracia com unhas e dentes. Estamos de volta à fressura, mas a minha mãe garante que a democracia não tem culpa. Diz que é preciso ter muita lata para atirar pedras à democracia, com o povo que somos e os políticos que temos. E se a minha mãe o diz...

P.S. - Hoje é Dia Mundial das Massas. Curiosamente, no Brasil é também Dia da Democracia.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Emigração e imigração, em Fafe

"Emigração e Imigração em Portugal no séc. XXI" é o tema da conferência a realizar na próxima sexta-feira, dia 27 de Outubro, pelas 18h30, no Arquivo Municipal de Fafe. Pedro Góis, professor associado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, será o orador, em mais uma iniciativa do Museu das Migrações e das Comunidades. A entrada é livre.

Coração triste e a saca às costas

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 22 de outubro de 2023

Os missionários

Hoje é Dia Internacional das Missões. E isso traz-me boas memórias. Os missionários fizeram muito parte do meu imaginário infanto-juvenil. Embora o meu seminário fosse rigorosamente diocesano, eu acompanhava-lhes as aventuras através da literatura especializada, nas revistas Além-Mar e Audácia, pelo menos. Os missionários eram também artistas de cinema, heróis e mártires, que eu já conhecia desde Fafe. Isso, os missionários. Pedindo meia dúzia de palavras emprestadas a Emmanuel Carrère, os missionários, quando começaram e durante séculos, foram, por outro lado, umas criaturas que a Igreja mandou por esse mundo fora para baptizar os selvagens sem lhes pedir opinião.

Fábula em 99 caracteres (com espaços)

No tempo em que os animais falavam, o cão disse: ão, ão, ão. E o gato perguntou: és gago ou quê?...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Gaguez. Ou Dia Internacional de Consciencialização para a Gaguez. Ou Dia Internacional para a Atenção à Gagueira.

sábado, 21 de outubro de 2023

Todas no mesmo cesto

Reuniram-se todas. A Golden Delicious, a Gala, as Red Delicious, Starking, Starkrimson, Jonagold e Jonagored, a Bravo de Esmolfe, a John Golden Red, a Spur, a Verde Doncella, a Fuji, a Riscadinha de Palmela, a Casa Nova, a Granny Smith, a Pink Lady e até a Reineta, que não é nada destas coisas, como o próprio nome indica, mas veio. Vieram de todos os lados, de Alcobaça, da Beira Alta, da Cova da Beira e até de Portalegre. Era 21 de Outubro, Dia Internacional da Maçã, e o que é que elas haviam de fazer?...

Low cost e sem bicho

Na beira da estrada, o letreiro em cartão canelado castanho recortado às três pancadas e infantilmente colorido, porém sem erros, avisava, fluentemente bilingue: "Fruta low cost". Era a primeira vez que eu via semelhante. Interessou-me.
Parei. Perguntei:
- Esta fruta é mesmo low cost?
- Lowcostíssima, meu caro senhor. Se encontrar fruta mais low cost, devolvemos-lhe o dinheiro. É o lema da casa...
- Qual casa?
- A carrinha, o toldo...
- E a como é o quilo?
- Da carrinha ou do toldo?
- Da fruta low cost...
- Cinco euros a caixa.
- A caixa?
- A caixa.
- Com fruta?
- Com fruta.
- Com bicho?
- Sem bicho.
- Francamente, não acho lá muito low cost...
- Olhe que mais low cost do que isto não há...
- Por acaso, ali atrás, coisa de quinhentos metros, era mais low cost...
- Mas com bicho...
- Sem bicho.
- Dou isso de low cost, quer-se dizer, mas é preciso ver a qualidade do produto. Como diz o nosso povo: às vezes o low cost sai high cost...
- Que interessante conversa! Agora que já nos entendemos, diga-me lá sinceramente: cinco euros a caixa, com fruta, sem bicho, é mesmo o mais low cost que me pode fazer?
- É preço de tabela, indexado à cotação do Brent, meu caro senhor. Amigos amigos, negócios à parte: se eu lhe levasse mais low cost, entraria em deficit, certamente em default, e estaria outra vez com a troika à perna, isto é, à leg...
- Nesse caso, arrivederci!
- Adeus, ó vai-te embora!...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Maçã.

Vida de cão

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Os penetras

No dia do meu aniversário, mal abre o horário de expediente, o banco, o dentista e o oculista mandam-me pressurosas mensagens de parabéns! Não gosto. Estragam-me logo o dia. Eu não os convidei, não lhes encomendei o sermão, não lhes dei sequer licença, estão a meter o nariz onde não foram chamados. Os meus anos não são segredo de Estado mas também nunca os esparramei na praça pública. São meus e só aceito partilhá-los com a família mais chegada e com os quatro ou cinco amigos que faço questão. Agora: o banco, o dentista e o oculista não são de certeza da família nem lhes tenho amizade, estão portanto a abusar da confiança. Não encontro ponta de simpatia ou bondade no seu gesto automático, que me parece obviamente interesseiro e aproveitador. Oportunista. Sorrateiro. Eles não querem dizer "Lembrámo-nos de si! Está sempre no nosso coração!", não, o que eles dizem é "Não se esqueça de nós! Temo-lo debaixo de olho!", é isso. E eu fico imediatamente com a pulga atrás da orelha. Como se as Finanças ou a agência funerária me ligassem também a dar os parabéns...

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Viva o 19 de Outubro!

Entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, eu festejo o 19 de Outubro. Abstenho-me da discussão idiota que por aí vai, uns que 25 de Abril, outros que 25 de Novembro, os alegados donos das datas apresentando documentação de propriedade, alguns por herança, outros por usucapião, outros ainda por puro e simples assalto, e finalmente uns tantos que, não desfazendo, por acaso até dão para os dois lados. Não. Eu fico-me pelo 19 de Outubro. E nem sequer espero que eles se entendam. Eles não se entendem.

A vida aprende-se de ouvido

Por falar em lengalengas. "Doze, rebaldoze, vinte e quatro com catorze, dezasseis mais vinte e um - faz um cento menos um."
Esta, mais uma, ensinou-ma também assim o meu avô da Bomba. Eu teria sete, oito anos e ainda não sabia de Alves Redol e de "Gaibéus". O inefável Dezassete decerto também não. Quer-se dizer, a vida aprende-se de ouvido.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

O pintor que pintou Ana

"O pintor que pintou Ana também pintou Leanor, pintou a cara da mãe com tinta da mesma cor."
Há outras versões da velha lengalenga, adaptações e até desenvolvimentos, mas foi assim simples que a aprendi do meu avô da Bomba.

P.S. - Hoje é Dia do Pintor. Pelo menos no Brasil.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

O sem-abrigo e o com-abrigo

O com-abrigo abeirou-se misericordioso do pobre sem-abrigo, coitadinho, levantou-lhe o cobertor que lhe defendia a cara e a dignidade e disse "Bom dia". O sem-abrigo respondeu estremunhado "Boa noite", passava um pouco do meio-dia e, pensei eu, teria sido melhor princípio de conversa se se tivessem entendido acerca de "Boa tarde".
Via-se que o com-abrigo tinha tarimba, tirei-lhe logo a pinta, era um bom-samaritano nas horas vagas e por conta própria.
- Então, companheiro, como é que vai isso? - encarrilou o com-abrigo.
- Ia bem, obrigado, mas esteja quieto no cobertor... - resmungou o sem-abrigo, agarrando-se com unhas e dentes ao calorzinho que lhe roubavam.
- É assim mesmo, companheiro, positivismo acima de tudo, nada de pensamentos suicidas - acrescentou o com-abrigo.
- Pensamentos quê? - interrogou o sem-abrigo.
- Suicidas, companheiro, pensamentos suicidas, vontade de se matar... - explicou o com-abrigo.
- Eu conheço-o de algum lado? - inquiriu o sem-abrigo.
- Não nos conhecemos de lado nenhum, companheiro, mas estou aqui para o ajudar, limpe a cabeça de pensamentos suicidas... - disse o com-abrigo.
- Deixe então aí um ou dois euros, para um copinho de vinho - pediu o sem-abrigo.
- O importante é afastar os pensamentos suicidas, companheiro, não se deixe levar por eles... - disse o com-abrigo.
- E o eurito?... - quis saber o sem-abrigo.
- Os pensamentos suicidas podem ser-lhe fatais, companheiro, é preciso resistir... - disse o com-abrigo.
- Ouve lá - rebentou o sem-abrigo -, porque é que só falas dessa merda? Eu não quero morrer, quero dormir, caralho! Morre tu, se gostas tanto! E, já agora, vai chamar companheiro à puta que te pariu...

E foi assim. Palavra de honra se não foi mesmo assim, ou quase exactamente assim.

P.S.- Hoje é Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e Dia Internacional dos Sem-Abrigo. Sobre o assunto, recomendo a leitura, por exemplo, de "Eram pobres e tinham dono" e "Ser pobre é perigoso e pode até ser fatal". 

Do not disturb, que eu também não

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Os mórreres

Sim, os víveres, evidentemente os víveres. Os víveres, e então neste tempo, são muito importantes. E os mórreres?...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Pão, Dia Mundial da Alimentação e, já agora, Dia Mundial da Coluna, mas isso já é só para gente séria.

...para consumo da casa

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 15 de outubro de 2023

Vai lamber sabão!

Havia o sabão azul, o sabão rosa e o sabão amarelo. O sabão azul era o sabão macaco, para lavar roupa de barba rija, o sabão rosa já naquele tempo era para peças mais delicadas e o sabão amarelo era para lavar as escadas e os soalhos, que, em muitas casas, depois eram encerados. O sabão amarelo era fundamental na preparação da Páscoa em Fafe. E havia também o sabão para lamber, que eu nunca soube de que cor era nem que sabor tinha, mas era o que a minha mãe me mandava fazer, - Vai lamber sabão! -, quando eu andava à roda dela a arengar conversa sem assunto.

sábado, 14 de outubro de 2023

Cabeças brilhantes

Ele tinha ideias. Abriu um cabeleireiro para carecas. Lavava, encerava e puxava o lustro.

Orgulhosamente ao léu

Foto Hernâni Von Doellinger

Meninos, à mesa!

Quando a corneta, ou olifante, tocou para o tacho, eram mais de três mil cavaleiros, de faca e garfo em punho como se fossem para uma justa, mas sentados e com um apetite escancarado e lavajão, posto que estávamos na Idade Média, e higiene e boas maneiras não eram com eles naquele tempo. Manifestamente atónito e arreliado assim assim, o rei Artur fez contas à vida, pelos dedos, apaziguou a algazarra da turba colorida e apenachada com meia dúzia de flechas cirurgicamente colocadas e obviamente fatais, invocou o regimento e colocou um ponto de ordem à mesa. O seguinte: "Embora nunca tenhamos realmente existido, está historicamente provado que vocês não podem ser mais de doze, talvez 24, ou, para não me chamarem unhas de fome, temos sala para 150, fora as crianças, que pagam metade. Agora, famílias inteiras, 3.145 adultos e gordos, menos os seis que eu vindimei, já é uma escandalosa moinice. De onde é que me apareceu esta gente toda, que ainda por cima não traz o Magriço, que até nem dá despesa nenhuma, como o próprio nome indica? Por São Jorge, isto é a Távola Redonda, não é a gamela do PS"...

Moral da história: Por isso é que o Festival da Vitela Assada à Moda de Fafe é comido em mesas geralmente rectangulares. Para evitar confusões.

De chumbo, como os pés

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Ovos de galo, havia-os no Peixoto

A ciência ainda não encontrou uma resposta plausível e, pelo menos, isenta de misoginia: porque é que os ovos de galo são maiores do que os ovos de galinha?

A esse respeito, hoje é Dia Mundial do Ovo. O Peixoto, em Fafe, o grande Peixoto, para além de confeccionar as melhores moelas de coelho do mundo, tinha às vezes uns ovos de galo, cozidos e nada mais, que também eram uma especialidade. Na semana da Páscoa, derivado à tradição, os ovos eram evidentemente de coelha. Entretanto o Peixoto passou o negócio, adeus ovos, adeus moelas, e acabou-se o que era bom. É assim. Fafe vai-se perdendo...

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Vendo pontos de vista para o mar

Eu tenho uma certa maneira de ver as coisas, isso é verdade. Mas não possuo aquilo a que se possa chamar um prisma, uma óptica, um enfoque, sequer um ângulo que se diga. Tivesse-os eu, e vendia-os...

Um bocado palerma

Os óculos são como as luvas, as calças, as meias, as botas, os patins, as jarras, os estalos, os cornos e outras coisas boas da vida - vêm aos pares. Ocorreu-me este acutilante pensamento porque precisei de mudar de óculos. E então: "Estes óculos fazem-me um bocado palerma", disse eu à menina da loja, mirando-me no espelho enganador. "Não diga um coisa dessas, por acaso até lhe ficam muito bem", disse-me a menina da loja, cumprindo a sua obrigação. "Exactamente, é isso que eu quero dizer: estes óculos favorecem-me. Normalmente sou palerma completo", esclareci.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Visão.

Óculos, evidentemente...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Ai rapariga, rapariga, rapariga

A jovem mãe aproveitou o inesperado bocanho da manhã farrusca e incerta para descer até ao passeio da praia com a filhinha pela mão. Que bonitas, as duas, tão frescas e mimosas! A jovem mãe apontou o areal e disse naquela maneira pateta de falar às criancinhas, como se as criancinhas fossem atrasadas mentais ou, vá lá, cãezinhos de estimação:
- Ei!, tantas pombinhas, tantas pombinhas! Eeeiii! Ó pombinhas, ó pombinhas!...
A menina, pouco convencida porém obediente, correspondeu com um económico e timorato:
- Ei.
Tinha razão a pequena. Já suficientemente grande para saber a verdade das coisas. Eram gaivotas.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Rapariga. Ou da Menina, no Brasil.

A hora delas

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 10 de outubro de 2023

É muito triste não poder ver...

Havia um cego que tinha olho. Era de fora, o cego, não me lembro de onde é que vinha nem quem o trazia, mas ele fazia a feira de Fafe, todas as semanas, e safava-se mais ou menos, segundo me parecia. Às quartas-feiras, sem falta, parava à beira da minha rua, o Santo Velho, entre o tasco do Zé Manco e a loja das Turicas, na Rua Monsenhor Vieira de Castro, encostado à parede das casas sem passeio, decerto para aproveitar também as revoadas de povo da Fábrica de Ferro que por ali passava obrigatoriamente nas horas de troca de turnos. Eu bem disse, o homem era cego, mas tinha olho.
Vinha o cego e a mobília, isto é, a bengala de madeira pintada às listas brancas e vermelhas como a camisola do Leixões, mas na horizontal, um banco velho e o acordeão. Era um cego cantor. Cantor, pobre e pedinte, como a maioria dos cegos portugueses daquele tempo. O nosso prodigioso Augusto Fera era uma honrosa excepção. E o nosso Belinho, outro que tal. De resto, as saídas profissionais dos cegos, naquela altura, resumiam-se, regra geral e lotarias à parte, às esquinas e às cantigas, de preferência acompanhadas à sanfona. O acordeão fazia parte do curso de cego. O cego das nossas quartas-feiras cantava em tons trágicos e rima fácil aquelas estórias de amor e ciúme, faca e alguidar, que anos mais tarde são agora o ganha-pão das nossas televisões e dos nossos jornais. E, se bem me lembro, vendia folhetos impressos com os tenebrosos versos das tragédias reveladas e ainda com mais pormenores, mais desenvolvimento, a papelada presa por alfinetes ao casaco remendado e grande. Era o cordel, como ainda hoje se usa no Brasil.
Muito gostava eu de o ouvir! Éramos praticamente amigos, eu e o cego. Falávamos. Sabia-lhe as cantorias todas de cor, menos as novas, sempre dependentes da mais recente e escabrosa actividade criminal. O cego era, à sua maneira e para meu enlevo, mais uma atracção de feira, um espectáculo, Deus me perdoe. E apreciava-lhe também os intervalos repentinos, cirúrgicos, mal se precatava de passos à distância, e então, teatralmente, estendia a mão à caridade e declamava em voz arrastada, dramática, pungente, martelando sílaba a sílaba, e com potência de megafone: - Uma esmolinha ao ceguinho! Uma esmolinha!! Senhor! Senhora! Olhe que é muito triste não poder ver...
Caía a esmola ou não, o cego às vezes não sabia, por razão de força maior, mas rematava sempre, num golpe de mestre: - Muito obrigado, senhor! Muito obrigado, senhora! Deus lhe conserve a vistinha!
Eu apetecia-me aplaudir. E, mais, já tinha visto Laurence Olivier no cinema e na televisão.
Ceguinho. Isso. O cego dizia "olhe", molageiro. Castigador. A minha mãe tinha razão. A minha mãe tinha sempre razão, e agora ainda tem mais, derivado à idade, e a minha irmã Nanda é que aguenta. Mas então. A minha mãe não me deixava chamar cego ao cego, era O Ceguinho, olha o respeito!, e quem for de Fafe sabe muito bem a estima que colocamos no sufixo inho/inha, que tão amiúde utilizamos ou pelos menos utilizávamos. Até O Ceguinho, coitadinho, dizia que era cego, ceguinho, mas hoje em dia estaria enganado e seria severamente corrigido, parece tolo o raio do cego! Não. Pessoas de bem, modernas, civilizadas, cultas, vigilantes, palavristas, dir-lhe-iam que agora é invisual, não há cá cegos nem ceguinhos, isso só para os árbitros de futebol e devagarinho.
Dizem-me que o cego é invisual, e eu não me acredito. Ou então, se o cego é invisual, o surdo é insonoro, sim, insonoro. E o manco é impodal e o maneta é imanual. É! Uma geral, nem mais nem menos. Aqui não há filhos e enteados. Esta terra de invisuais e quem possui um olho é monarca, já foi chão que deu uvas. Ou há moralidade ou comem todos. E só não vê isto quem não quer. Mas lá está, como diz o povo e com razão, o pior invisual é aquele que se recusa a vislumbrar...

A minha rua era um largo...

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Redenho e honestidade

Uma vez não são vezes: debrucemo-nos então sobre a problemática do redenho. O redenho, que - há que admiti-lo sem tibiezas - não é ingrediente indispensável na confecção de uns rojões honestos e com outros matadores, mas no entanto, se marcar presença, confere ao prato um não sei quê que por acaso sei e que tem a ver com o seu aspecto inusitado, com o sabor rústico mas colaborante (dando-se-lhe as voltas certas) e sobretudo com o crocante da textura.
Que se segue, precisei de fazer uns rojõezinhos para uma gente que andava aí com desejos e fui ao talho. Escolhi a carne, da febra e da barriga, o sangue e as tripas enfarinhadas. Quando pedi o fígado de porco, que na verdade até era para ajeitar uma entrada de iscas de cebolada, o talhante, sem que eu dissesse mais nada, avisa-me "Olhe que não temos redenho". E depois, olhando para um lado e para o outro, chegando-se à frente do balcão à procura do meu ouvido e da minha cumplicidade para revelar-me o quarto segredo de Fátima, diz-me, num sussurro: "Quer-se dizer, haver há, mas é congelado". E, congelado, realmente "Não é a mesma coisa", concordámos eu e ele em coro, como se estivéssemos ensaiados.
Repito: o redenho não é indispensável aos rijões, sim, rijões, como se diz, e bem, na minha terra. Mas a gentileza e a honestidade sim. Sobretudo nestes tempos de desrespeito pelos valores e de aviltamento das pessoas, tempos portugueses de antagonismos sociais, de pobreza imposta, de novos fascismos e de tristeza e azedume generalizados. Soube do redenho e senti a Terra tremer debaixo dos meus pés. Algo mexeu com o equilíbrio estabelecido do Globo. Continuo a acreditar que anda meio mundo a enganar o outro meio, mas naquele momento, à frente dos meus olhos, um homem passou para o lado bom, que eu bem vi.
As coisas não são tão simples assim, é o que estão a pensar? São, são. E Dalila...

Isto à conclusão de quê? Hoje é Dia do Açougueiro. No Brasil, evidentemente. Em Portugal creio que, se tal houvera, ainda se diria, se nos deixarem, Dia do Talhante ou Dia do Magarefe ou, vá lá, Dia do Marchante. O Talho tem lugar cativo, especial, nas minhas memórias fafenses. Quando a minha mãe me mandava à fressura, "um quarto", eu tinha de pendurar-me no balcão para ser visto lá em cima. E é curioso: mais de cinquenta anos passados, ainda guardo bem vivas as caras daquela boa gente, que me atendia tão bem, como se eu fosse grande, respeitando com reserva e elegância a nossa pobreza. Caras a que, tenho pena, não sei agora dar nomes, com excepção do Senhor Abreu e, evidentemente, do Senhor Órfo, o Talho em pessoa, mas isso já é outra história...

Enquanto há força no braço que vinga

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 8 de outubro de 2023

O Nobel de Lobo Antunes

Este ano também não. Era na quinta-feira, andava a roda do Prémio Nobel da Literatura 2023, número sem bissextices, fácil, tão ao nosso feitio comum, mas nem assim. António Lobo Antunes, nada, nem sequer a terminação, e nós com o feriado já em andamento. Um desperdício. Cada vez mais acredito que os membros da Academia Sueca jogam muito bem às cartas mas não lêem, consomem briefings de modas políticas e tendências sociológicas, emborcam uns brännvins, e depois - bêbados, de olhos vendados e de costas - atiram um dardo ao mapa-múndi e onde calhar calhou. Já disse que cada vez mais, não disse? Pois então repito: cada vez mais estou como o nosso Lobo Antunes - quero que o Nobel se foda. E se a puta da seta com o prémio, para o ano, acertar aos trambolhões na minha casa ou em alguma das propriedades que eu por acaso não tenho em Fafe, eu não estou, eu não quero. E em Fafe não falta quem realmente mereça...

Mal comparando

O polvo é um octópode. Duas burras do Reigrilo também.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Polvo.

sábado, 7 de outubro de 2023

Armado em Bond

Ele tinha realmente a mania. Fosse aonde fosse, entrasse aonde entrasse, chegava ao balcão e pedia um "martini seco, agitado, não mexido". Nem que estivesse na repartição de Finanças. E acrescentava, cheio de classe e charme: - O meu nome é Quim, Joa Quim.

P.S. - O escritor americano Edgar Allan Poe, presumível criador do modelo moderno de romance policial, morreu no dia 7 de Outubro de 1849.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Na catedral da vitela assada


É já amanhã e domingo. O Festival da Vitela Assada à Moda de Fafe está de volta, com a sua oitava edição. De regresso ao formato inicial, em tenda, o certame assenta arraiais na Praça das Comunidades (espaço da feira semanal), com a participação de quatro restaurantes do concelho - Adega Popular, Casa de Pasto Reis, Desigual e Dom Egas.
A famosa vitela assada em forno de lenha, vinho verde, pão-de-ló e doces de gema, num menu de degustação a módicos 15 euros por pessoa. Mostra de artesanato e produtos regionais, muita música e animação. Mais informação sobre o evento, aqui. E mais sobre a vitela assada à moda de Fafe, sob o meu ponto de vista, aqui, aqui, aqui e aqui.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Uma república das bananas

A questão foi pertinentemente colocada numa reportagem televisiva que passou por aí. Que República queremos ter? Não me interessaram as respostas, devo confessar. Se me perguntassem a mim - mas a mim só me perguntam o caminho para o IKEA de Matosinhos -, se me perguntassem a mim, eu tinha a resposta na ponta da língua: quero uma república das bananas. E das maçãs e dos pêssegos, do pão e do carapau, do frango de aviário e do leite, da massa de cotovelo e da água. Uma república republicana, com comida na mesa, até na mesa dos trabalhadores. E com trabalho para os trabalhadores. E com casas para as pessoas. E com professores para os alunos. E com médicos para os doentes. E com ar para respirar. E com gente honesta no Governo. E com um presidente que seja da República.
É decerto por eu ter estas ideias malucas que ninguém me pergunta nada, a não ser o caminho para o IKEA de Matosinhos. É. Só os galegos desorientados é que querem saber a minha opinião...

Viva a República! Viva Portugal!

Viva a República! Das bananas, das lagostas, dos camarões, dos tubarões, das tapas, das tipas, da cerveja, do café, da música, do livro, das letras, das tretas, dos bifes, dos camones, do reggae, de emaús, do churrasco, das francesinhas, da pequenada, das mamãs, da quarta geração, das flores, da saudade, dos sabores, do medo, do se7e, do oito, do direito, do esquerdo, da mafia, da glória, da carne, do petisco, dos cachorros, dos cucos, dos kágados e de todos os animais em geral. Viva! Viva a República! Vivam O Século Ilustrado, A Capital, o Diário Popular, o Diário de Lisboa, O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro! Vivam! Vivam!, Vivam! Três vezes vivam!, e paz às respectivas almas...

Por outro lado: a Wikipédia faz notar que neste dia 5 de Outubro, em 1910, "Em uma revolução em Portugal, a monarquia é derrubada e uma república é declarada."
Portanto: viva também o autoproclamado acordo ortográfico! E viva a nossa língua brasileira!

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Jogava-se ao tene

Jogava-se ao tene, no nosso largo. Tene, esclareça-se desde já, não é singular de ténis. Nem é sapatilha desirmanada nem nome que se dê ao jogo de ténis quando jogado por uma pessoa só. Nesse caso chama-se squash. Não. O tene era um jogo universal, de recreio, de rua, de pobres, envolvendo quantos mais miúdos melhor, sem necessidade de outros apetrechos ou equipamentos senão o próprio corpo e muita corda nos sapatos. Embora também se jogasse descalço. Ou de chancas. Ou, vá lá, de galochas...
As regras são simples. O objectivo do jogo é fugir ou tenir, conforme o ponto de vista. Escolhe-se à sorte um desgraçado, que deve tentar apanhar, isto é, tocar com a mão, os outros participantes. Um deles. E, uma vez conseguido, troca-se de posição. Quem foi apanhado, isto é, tocado, assume então a função de apanhador, o ex-apanhador passa a normal fugidor e assim sucessivamente.
Dir-me-ão então: ora, mas isso é o jogo da apanhada, ou o pega-pega ou pique-pega, se for no Brasil. Nada disso. Era o tene, o nosso tene. Porque, lá está, basta tenir, tocar levemente com a mão, com o dedo. Quem toca levemente, tene. Básico e inofensivo. O tene. Já o arranca-cebolas, por exemplo, implicava outra, por assim dizer, dinâmica e não raras visitas ao hospital.
Dir-me-ão então, e já estão a chatear: ora, mas não é tenir, é tinir, o verbo tenir não existe na língua portuguesa. Existe, existe, basta ir a Fafe e ouvir alguém que seja do falar antigo e que se lembre, claro que se lembra, do velho jogo e deste precioso regionalismo talvez baixo-minhoto e que pegou de estaca pelo menos ali na nossa zona. Ou onde é que cuidam que o bom do Costeado foi buscar o "Nem lhe teni, senhor árbitro!"?...

E ficou pedra sobre pedra

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 1 de outubro de 2023

O idoso

Chegou aos 66 anos e quatro meses... e reformou-se. Tirou o passe de terceira idade, comprou um capacete, um par de botas de biqueira de aço e um colete reflector, pôs as mãos atrás das costas e foi para o pé das obras mandar palpites.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Idoso.

Que seja infinito enquanto dure

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu seja ceguinho, disse o invisual

Havia um cego que tinha olho. Era de fora, o cego, não me lembro de onde é que vinha nem quem o trazia, mas ele fazia a feira de Fafe, todas...