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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Ia-se ao Largo ver os retratos

Gravura Município de Fafe

No tempo dos codaques
A câmara Kodak foi registada pelo americano George Eastman em 1888. E alcançou tamanho sucesso que a marca rapidamente se transformou em sinónimo do próprio produto, em substantivo comum. Codaque passou a significar máquina fotográfica. Ainda hoje, para os mais antigos como eu, um codaque é uma máquina fotográfica, seja de que marca for, e uma máquina fotográfica, seja de que marca for, é um codaque. Ou por outra, trabalho é trabalho e codaque é codaque.
Exactamente como se passou com o sumol, o panique, a gilete, a chiclete, o cotonete, o jipe, o caterpílar, o cimbalino, o jacuzi, o taparuer, a vaselina, o velcro, o quispo, a lambreta, a mobilete, a solarine, o botox, a licra, o post-it, o rímel, o sonotone e as crocas - que eram marcas e passaram a ser coisas.
Actualmente os telemóveis também são codaques, e fazem o serviço praticamente sozinhos.

Houve um tempo em que as fotografias eram tiradas por fotógrafos. Fotógrafos profissionais, competentes, conhecedores, eficazes regra geral, artistas às vezes. Por outro lado, nesse tempo ainda não havia telemóveis e portanto, quando era preciso falar com alguém que não estivesse presente, ligava-se da máquina fotográfica, nada mais simples. Os antigos sabiam tudo e antigamente é que era, estou farto de dizer. Só era pena morrerem tão cedo e sem saberem de quê. Naquele tempo tínhamos dois fotógrafos e nevava em Fafe. Não era preciso ir mais longe. Em Fafe, mesmo no centro da vila. Não era necessário alongar vistas para os cumes da Lameira ou da Lagoa e sonhar aventuras mais ou menos (hi)malaicas. Era ali nas nossas mãos, aos nossos pés, a realidade. O nosso Santo Velho pintava-se de branco, contavam-se os centímetros de altura do "nevão", faziam-se bonecos, pelo menos boneco, com nariz de cenoura e tudo, declaravam-se guerras de bolas de neve, ensaiavam-se trambolhões de criar bicho, chorar era proibido, queixinhas, nem pensar, ou ainda levávamos mais quando chegássemos a casa.
Os campos nas nossas traseiras, onde hoje está o Pavilhão Municipal, encontravam-se de vago e enchiam-se de moçarada brincalhona e apressada, porque a neve era efémera e sabia-se lá quantos anos estaríamos depois outra vez à espera que ela tornasse. Lembro-me particularmente de uma ocasião, um verdadeiro acontecimento: o Foto Victor com os filhos a fazerem uma festa tremenda, e o Foto Victor a tirar retratos atrás de retratos, fotografias sorrateiramente alpinas que depois expôs, algumas, nas montras da loja em frente aos Correios. Foi um sucesso.
Fafe também tinha disto, nomes assim, esdrúxulos. O Sr. Victor era fotógrafo com porta aberta e o estabelecimento chamava-se Foto Victor. Portanto o Sr. Victor passou a chamar-se Foto Victor. Aliás, como o Foto Jóia, mas este no Largo, à beira do Talho, do Romeu e do Fernando da Sede, como quem olha para o Mário da Louça e para a Electra. Foto Jóia era simultaneamente o nome do "estúdio" e do seu proprietário. "Vem aí o Foto Jóia!", dizia-se, e era a coisa mais natural do mundo.
Curiosamente, nunca apanhei o Foto Jóia no meio da neve, mas lembro-me de que foi ele quem me fez as fotografias para o meu primeiro bilhete de identidade, que era preciso para irmos para França ter com o nosso pai, mas, já de malas feitas, acabámos por não ir, porque o nosso pai morreu no Natal francês, desgraçadamente na neve, um ou dois meses antes da viagem programada, e a minha vida deu então esta volta que é assim.
Fafe era uma terra compacta e tudo acontecia no Largo. A feira semanal, a feira das cebolas, os 16 de Maio, a Senhora de Antime, a Volta a Portugal, cortejos alegóricos, corsos de carnaval, batalhas de flores, circos de manga curta, robertos, gincanas automóveis, corridas de patins, corridas de jericos, corridas de São Silvestre, passagens de ano, dias dos combatentes, desfiles da Mocidade e da Legião Portuguesa, despedidas e chegadas, encontros, reencontros, partidas para a Ultramar. Era tudo ali. O Largo era o centro, o Largo era Fafe. Nas ruas e nos lugares das redondezas dizia-se "Vou a Fafe", querendo dizer que se ia ao Largo.
As lojas dos dois fotógrafos, os seus escaparates, eram locais sagrados de peregrinação na vila de antanho. Aos finais de tarde ou no fim-de-semana, era à pinha. Era famoso o átrio do Foto Jóia. Ali se ficava a saber quem casou, os padrinhos e convidados, quem baptizou, os padrinhos e convidados, quem tirou retrato novo mais ou menos atiradiço sabe-se lá com que fim, amiúde para mandar para Angola, Moçambique, Guiné. Ali se revelavam namoros a estrear, paulnewmans de trazer por casa, misses universo que nunca seriam. As bodas de ouro, as juras de amor, o fato feito por medida, o carro na rodagem, a filha recém-doutora, o soldadinho condecorado na guerra e que haveria de chegar num caixão, a vida dos outros ali escarrapachada atrás do vidro impenetrável, na arte exigente e discreta do preto e branco ou no exagero quase pornográfico da cor, novidade em folha. A vida retocada à mão, porque o photoshop ainda não tinha sido inventado. Era. Ainda faltavam muitos anos para a javardice dos reality shows e para os despudores de todos os facebooks, mas não estávamos mal servidos, não senhor...
Havia uma certa rivalidade entre o Foto Victor e o Foto Jóia, e, estranhamente, também entre as respectivas clientelas, coisa tola, sem sentido, nós em casa por acaso éramos Foto Jóia! Fazia parte, em Fafe, esta maneira de nos dividirmos por tudo e por nada, uns por uns e outros por outros, como claques de nascença e irremediáveis, por causa dos dois clubes de futebol, das duas bandas de música, da Escola Industrial e do Colégio, da Fábrica do Ferro e do Bugio, do Fredinho Bastos e do Tangerina, dos "Bombeiros Novos" e dos "Bombeiros Velhos" e do mais que se pudesse inventar e sobretudo desse para desunir, disputar, desconversar. Era a trave mestra da boa e velha idiossincrasia fafense, concordar apenas em discordar, sem dúvida um bom princípio democrático, mas muito pouco jeitoso para o lado prático da vida. Uma coisa é certa, porém: Foto Jóia e Foto Victor frequentavam ambos o tasco do Nacor, o que, já agora, só lhes abona a respeito, e não me constam notícias de confrontos ou baixas a registar.

P.S. - Versão revista e aumentada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia Mundial da Fotografia. Vivam os nossos velhos fotógrafos! Vivam os retratos e as memórias! Vivam os presentes e os ausentes! Viva Fafe! 

A minha cara

Ofereceram-me um livro, pelo meu aniversário. "É a tua cara", disseram-me. O livro resumia-se a uma fotografia. E era realmente a minha cara.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Fotografia.

Como se fosse mágico

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Gérald Bloncourt e a emigração portuguesa


"Gérald Bloncourt: o fotógrafo da emigração portuguesa" é o tema da conferência agendada para o dia 29 de Outubro, próxima terça-feira, pelas 18 horas, no salão nobre do Teatro-Cinema de Fafe. Intervenção a cargo de Daniel Bastos, historiador da diáspora e autor de obras de referência sobre o trabalho fotográfico de Bloncourt a propósito da emigração e da génese da democracia portuguesa. A entrada é livre.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Memórias da ditadura


O livro "Memórias da Ditadura - Sociedade, Emigração e Resistência" será lançado depois de amanhã, sexta-feira, dia 12 de Abril, pelas 18 horas, na Associação 25 de Abril, em Lisboa. A obra, concebida e realizada por Daniel Bastos, a partir do espólio fotográfico inédito de Fernando Mariano Cardeira, antigo oposicionista, militar desertor, emigrante e exilado político, tem edição bilingue (português e inglês), traduzida por Paulo Teixeira, e é prefaciada pelo historiador e investigador José Pacheco Pereira. A apresentação estará a cargo de Manuel Pedroso Marques, militar, antigo exilado político e presidente da RTP
Escreve Daniel Bastos: "No ano em que se assinala meio século de liberdade e democracia em Portugal, a publicação deste livro, que conta com o apoio institucional da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, constitui uma oportunidade simbólica de revisitar o país como era há 50 anos. Mormente o quotidiano de pobreza e miséria em Lisboa, a efervescência do movimento estudantil português, o embarque de tropas para o Ultramar e os caminhos da deserção, da emigração "a salto" e do exílio, uma estratégia seguida por milhares de portugueses em demanda de melhores condições de vida e para escapar à Guerra Colonial nos anos 60 e 70."

quinta-feira, 14 de março de 2024

A apoteose dos campeões de Limoges

Foto enviada por José Freitas

José Freitas teve a amabilidade de enviar-me esta extraordinária "lembrança de David", assim lhe chamou, provavelmente na sequência das minhas mais recentes publicações sobre guarda-redes, aqui no Fafismos e no meu blogue generalista, Tarrenego!, onde faço questão de enfatizar a personalidade e os ensinamentos do saudoso David Alves. O David, como já contei, fez a sua formação futebolística nos juniores do FC Porto, pelo menos entre 1964 e 1966, acamaradando com craques da categoria de Pavão, Lázaro, Rendeiro, Sérgio Vilarinho, Arlindo, Ernesto, Belo, Alberto, Alípio, se não estou em erro, e Sousa, com quem dividia a baliza, entre outros. Nesta histórica fotografia, de que desconheço o autor e as circunstâncias, mas que agradeço penhoradamente ao José Freitas, o nosso David é o primeiro à esquerda, obviamente de pé.

Até aqui, já nós sabíamos. O texto acima contei-o há dias, sob o título "Lembrando David Alves". Mas há mais. Mais a dizer sobre esta icónica fotografia, que eterniza a equipa de juniores do FC Porto que venceu o prestigiado Torneiro Internacional de Limoges, França, em Maio de 1966, e que foi oferecida pelo próprio David, com dedicatória, "ao devotado portista e amigo Calvelos", isto é, ao nosso Zeca Calvelos, que é nada mais nada menos que o José Freitas que agora, quase 58 anos depois, teve a feliz ideia de no-la enviar. Ali estão, creio não haver engano, da esquerda para a direita, de pé: David, Orlando, Alberto, Bastos, Almeida, Lourenço e Sousa. E em primeiro plano, no mesmo sentido, de joelhos: Luís Pereira, Ricardo, Zé Carlos, Miranda e Lázaro. O treinador seria certamente, por aquela altura, o mítico Artur Baeta.
O FC Porto sagrou-se campeão da quinta edição do famoso torneio francês após vencer, na final, o FC Barcelona. Foi a primeira grande conquista internacional do clube no futebol de formação, e a cidade recebeu os seus rapazes como heróis. Em autêntica apoteose. Como que adivinhando o que haveria de ser o futuro normal, a Baixa encheu-se de uma multidão de adeptos portistas em delírio.
"No dia do regresso a casa, o triunfo valeu uma grande recepção na Estação de São Bento, um cortejo na Avenida dos Aliados e uma cerimónia na antiga sede do clube, onde hoje se localiza o Axis Porto Club Hotel. Tamanha celebração sublinhou ainda mais a importância da conquista dos jovens futebolistas, a quem a organização da prova complicou bastante a vida", faz notar, actualmente, a informação oficial do FC Porto. A taça arrecadada, que por acaso é um jarro certamente da mais fina porcelana, ou não fosse de Limoges o torneio, é bem bonita e pode ser visitada no museu.

(Publicado originalmente, ontem, no meu blogue Tarrenego!)

quarta-feira, 6 de março de 2024

Lembrando David Alves

Foto enviada por José Freitas
José Freitas teve a amabilidade de enviar-me esta extraordinária "lembrança de David", assim lhe chamou, provavelmente na sequência das minhas mais recentes publicações sobre guarda-redes, aqui no Fafismos e no meu blogue generalista, Tarrenego!, onde faço questão de enfatizar a personalidade e os ensinamentos do saudoso David Alves. O David, como já contei, fez a sua formação futebolística nos juniores do FC Porto, pelo menos entre 1964 e 1966, acamaradando com craques da categoria de Pavão, Lázaro, Rendeiro, Sérgio Vilarinho, Arlindo, Ernesto, Belo, Alberto, Alípio, se não estou em erro, e Sousa, com quem dividia a baliza, entre outros. Nesta histórica fotografia, de que desconheço o autor e as circunstâncias, mas que agradeço penhoradamente ao José Freitas, o nosso David é o primeiro à esquerda, obviamente de pé.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O senhor da câmara

Foto Hernâni Von Doellinger

No tempo dos codaques

A câmara Kodak foi registada pelo americano George Eastman no dia 4 de Dezembro de 1888, fez agora 135 anos. E alcançou tamanho sucesso que a marca rapidamente se transformou em sinónimo do próprio produto, em substantivo comum. Codaque passou a significar máquina fotográfica. Ainda hoje, para os mais antigos como eu, os fafenses do tempo da admirável rivalidade Foto Victor-Foto Jóia, um codaque é uma máquina fotográfica, seja de que marca for, e uma máquina fotográfica, seja de que marca for, é um codaque.
Exactamente como se passou com o sumol, o panique, a gilete, a chiclete, o cotonete, o jipe, o caterpílar, o cimbalino, o jacuzi, o taparuer, a vaselina, o velcro, o quispo, a lambreta, a mobilete, a solarine, o botox, a licra, o post-it, o rímel, o sonotone e as crocas, só por exemplo e para dar uma ideia, socorrendo-me apenas do português do lado de cá.
Hoje em dia os telemóveis também são codaques, e fazem o serviço praticamente sozinhos.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...