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quinta-feira, 6 de março de 2025

Só à bolachada

A bolacha maria, torrada ou não, apareceu tarde na minha vida. Bolacha era luxo que não entrava lá em casa, e o mais parecido que a nossa mãe nos dava em pequenos era broa ou biju, e o biju já era um mimo. O caso só mudou de figura quando nasceu o nosso Lando. O Lando é o mais novo de quatro irmãos, decerto por isso teve direito a mordomias que os três anteriores nem sequer suspeitávamos, e as bolachas vieram com ele.
Entre outras alcavalas, o Landinho até fazia anos, coisa extraordinária, enquanto a nós só nos era permitido ficarmos mais velhos, somarmos dias, que remédio e a seco. Ao menino, a nossa mãe organizava-lhe uma festinha de aniversário, havia convidadozinhos, e do pequeno lanche constavam, só me lembro disso, umas curiosas sandes de bolacha maria com marmelada dentro, tipo oreos mas melhores e de fabrico caseiro. Eu, já espigadote, metia a mão sorrateira e rápida à passagem pela mesa, e foi assim que ficámos a conhecer-nos pessoalmente, eu e elas. As bolachas. Que estavam contadas, para mal dos meus pecados...
Mas não era de bolachas que eu queria aqui falar. É de bolachos. E o bolacho, faço deste já notar, é pitéu absolutamente indispensável, muito mais do que mero ornamento, nuns rojões à moda do Minho que se pretendam com todos os matadores. O bolacho é, versão curta e grossa, uma espécie de pão cilíndrico feito com farinhas de trigo, milho e centeio, a que se junta sangue de porco, fermento, caldo de carne, pimenta e cominhos. Depois de levedada, a massa é cozida em água temperada com sal, salsa, folha de laranjeira e louro. Cumprida a cozedura, o bolacho é cortado em rodelas e frito em pingue. O bolacho pode também chamar-se farinhato, pilouco, bica e, principalmente, beloura.
Mas também não era deste bolacho que eu queria aqui falar. É do bolacho de trigo. Do pão de cantos. Do pão de quatro cantos. Do trigo de ovelhinha. Do pão de padronelo. Desse. Esse fantástico pão, duro como cornos, que era vendido porta a porta em Fafe por umas senhoras que, dizia-se, vinham de Amarante. As abençoadas senhoras traziam enormes cestas à cabeça e dentro das cestas, carinhosamente envolto em toalhas de linho, o precioso pão. No dia da feira, às quartas, por Cima da Arcada, diversos tipos de pão regional, incluindo o infalível bolacho, eram vendidos também por um senhor que vestia um avental de peito, comprido até aos pés, impecável de branco e de limpeza. O bolacho, um pão de longa duração que a minha querida avó de Basto guardava com todos os cuidados e também toalhas de linho na caixa de madeira que era o cofre e o frigorífico das coisas valiosas e boas numa terra por onde Jesus Cristo ainda não tinha passado e portanto não havia electricidade. Assim acondicionado, o pão aguentava-se bem uma semana ou mais e só era comido com o matinal café, que era cevada, aos domingos, feriados e dias santos. De resto, broa, que era o pãozinho do Senhor.
Leio agora que o bolacho é de ovelhinha porque teve a sua origem no lugar com aquele nome, Ovelhinha, na freguesia de Gondar, Amarante. E de padronelo porque decerto será sobretudo nesta outra freguesia amarantina, Padronelo, que hoje em dia ele é produzido e comercializado. Quanto a bolacho, é-o não sei porquê.

P.S. - O biscoito Oreo foi criado no dia 6 de Março de 1912, em Nova Iorque, pela Nabisco, que é uma divisão do grupo empresarial americano Kraft Foods. Continuando a citar as Efemérides Lusa para este dia, o biscoito consiste em duas bolachas redondas de chocolate e um recheio doce com sabor de baunilha.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Um talho no Largo e outro na Avenida

Uma vez não são vezes: debrucemo-nos então sobre a problemática do redenho. O redenho, que - há que admiti-lo sem tibiezas - não é ingrediente indispensável na confecção de uns rojões honestos e com outros matadores, mas no entanto, se marcar presença, confere ao prato um não sei quê que por acaso sei e que tem a ver com o seu aspecto inusitado, com o sabor rústico mas colaborante (dando-se-lhe as voltas certas) e sobretudo com o crocante da textura.
Que se segue, precisei de fazer uns rojõezinhos para uma gente que andava aí com desejos e fui ao talho. Escolhi a carne, da febra e da barriga, o sangue e as tripas enfarinhadas. Quando pedi o fígado de porco, que na verdade até era para ajeitar uma entrada de iscas de cebolada, o talhante, sem que eu dissesse mais nada, avisa-me "Olhe que não temos redenho". E depois, olhando para um lado e para o outro, chegando-se à frente do balcão à procura do meu ouvido e da minha cumplicidade para revelar-me o quarto segredo de Fátima, diz-me, num sussurro: "Quer-se dizer, haver há, mas é congelado". E, congelado, realmente "Não é a mesma coisa", concordámos eu e ele em coro, como se estivéssemos ensaiados.
Repito: o redenho não é indispensável aos rijões, sim, rijões, como se diz, e bem, na minha terra. Mas a gentileza e a honestidade sim. Sobretudo nestes tempos de desrespeito pelos valores e de aviltamento das pessoas, tempos portugueses de antagonismos sociais, de pobreza imposta, de novos fascismos e de tristeza e azedume generalizados. Soube do redenho e senti a Terra tremer debaixo dos meus pés. Algo mexeu com o equilíbrio estabelecido do Globo. Continuo a acreditar que anda meio mundo a enganar o outro meio, mas naquele momento, à frente dos meus olhos, um homem passou para o lado bom, que eu bem vi.
As coisas não são tão simples assim, é o que estão a pensar? São, são. E Dalila...

Isto à conclusão de quê? Hoje é Dia do Açougueiro. No Brasil, evidentemente. Em Portugal creio que, se tal houvera, ainda se diria, se nos deixarem, Dia do Talhante ou Dia do Magarefe ou, vá lá, Dia do Marchante. O Talho tem lugar cativo, especial, nas minhas memórias fafenses. O Talho Novo, que era, para nós, como se fosse único, mas não, havia ali perto também o Talho Avenida, do Tininho, ou dos do Souto, como então se dizia, e nem tenho a certeza se se chamava mesmo assim, Talho Avenida, mas era na Avenida, logo no princípio, quem saía do Largo em direcção à Estação, do lado e antes do Café Avenida e quase em frente ao Martins da Avenida, portanto, estão a ver, o mais certo é que também fosse da Avenida. Mas adiante. Quando a minha mãe me mandava à fressura, "um quarto", eu tinha de pendurar-me no balcão para ser visto lá em cima. E é curioso: mais de cinquenta anos passados, ainda guardo bem vivas as caras daquela boa gente, que me atendia tão bem, como se eu fosse grande, respeitando com reserva e elegância a nossa pobreza. Caras a que, tenho pena, não sei agora dar nomes, com excepção do Senhor Abreu e, evidentemente, do Senhor Órfo, o Talho em pessoa, mas isso já é outra história...

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Ao menino e ao bolacho

Foto Tarrenego!
A bolacha maria, torrada ou não, apareceu tarde na minha vida. Bolacha era luxo que não entrava lá em casa, e o mais parecido que a nossa mãe nos dava em pequenos era broa ou biju, e o biju já era um mimo. O caso só mudou de figura quando nasceu o nosso Lando. O Lando é o mais novo de quatro irmãos, decerto por isso teve direito a mordomias que os três anteriores nem sequer suspeitávamos, e as bolachas vieram com ele.
Entre outras alcavalas, o Landinho até fazia anos, coisa extraordinária, enquanto a nós só nos era permitido ficarmos mais velhos, somarmos dias, que remédio e a seco. Ao menino, a nossa mãe organizava-lhe uma festinha de aniversário, havia convidadozinhos, e do pequeno lanche constavam, só me lembro disso, umas curiosas sandes de bolacha maria com marmelada dentro, tipo oreos mas melhores e de fabrico caseiro. Eu, já espigadote, metia a mão sorrateira e rápida à passagem pela mesa, e foi assim que ficámos a conhecer-nos pessoalmente, eu e elas. As bolachas. Que estavam contadas, para mal dos meus pecados...
Mas não era de bolachas que eu queria aqui falar. É de bolachos. E o bolacho, faço deste já notar, é pitéu absolutamente indispensável, muito mais do que mero ornamento, nuns rojões à moda do Minho que se pretendam com todos os matadores. O bolacho é, versão curta e grossa, uma espécie de pão cilíndrico feito com farinhas de trigo, milho e centeio, a que se junta sangue de porco, fermento, caldo de carne, pimenta e cominhos. Depois de levedada, a massa é cozida em água temperada com sal, salsa, folha de laranjeira e louro. Cumprida a cozedura, o bolacho é cortado em rodelas e frito em pingue. O bolacho pode também chamar-se farinhato, pilouco, bica e, principalmente, beloura.
Mas também não era deste bolacho que eu queria aqui falar. É do bolacho de trigo. Do pão de cantos. Do pão de quatro cantos. Do trigo de ovelhinha. Do pão de padronelo. Desse. Esse fantástico pão, duro como cornos, que era vendido porta a porta em Fafe por umas senhoras que, dizia-se, vinham de Amarante. As abençoadas senhoras traziam enormes cestas à cabeça e dentro das cestas, carinhosamente envolto em toalhas de linho, o precioso pão. Um pão de longa duração que a minha querida avó de Basto guardava com todos os cuidados e também toalhas de linho na caixa de madeira que era o cofre e o frigorífico das coisas valiosas e boas numa terra por onde Jesus Cristo ainda não tinha passado e portanto não havia electricidade. Assim acondicionado, o pão aguentava-se bem uma semana ou mais e só era comido com o matinal café, que era cevada, aos domingos, feriados e dias santos. De resto, broa, que era o pãozinho do Senhor.
Leio agora que o bolacho é de ovelhinha porque teve a sua origem no lugar com aquele nome, Ovelhinha, na freguesia de Gondar, Amarante. E de padronelo porque decerto será sobretudo nesta outra freguesia amarantina, Padronelo, que hoje em dia ele é produzido e comercializado. Quanto a bolacho, é-o não sei porquê.

P.S. - O nosso Lando faz anos hoje. É por isso que hoje é feriado em Portugal.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...