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segunda-feira, 31 de março de 2025

Era o Dia dos Enganos

Quase que passa despercebido, mas amanhã é Dia dos Enganos, como antigamente se chamava em Fafe ao Dia das Mentiras. Mas é assim: com isto das eleições e da guerra, das empresas, obras em casa e comissões de inquérito, das redes sociais, dos jornais e das televisões sensacionalistas, que são todos e todas, a mentira foi sorrateiramente metida a cotio, normalizada, e agora todos os dias são dia das mentiras, embora se chamem fake news para não darem muito nas vistas. Resultado: com tanta mentira e tanto mentiroso, quase nem damos fé da velhinha efeméride residente do primeiro de Abril. Mas quereis saber?
Fafe daquele tempo celebrava entusiasticamente datas assim importantes, como o Dia dos Enganos. Datas patrióticas e etnográficas, civilizacionais. Havia respeito pela História e pela tradição. Brincavam-se brincadeiras educativas, nacionalistas e saudáveis, muito bem aprendidas, éramos a mocidade que passa.
Pregavam-se partidas tão engraçadas! No Dia dos Enganos saíamos para a rua, ali no nosso Santo Velho, estrategicamente colocados entre os tascos do Paredes e do Zé Manco, e dizíamos a quem passava: - Ó senhor, olhe o que lhe caiu!...
E o senhor, que podia muito bem ser uma senhora, mas geralmente era um moço ou uma rapariga mais ou menos da nossa idade, o senhor respondia, rimando: - Foi um peido que me fugiu...
Quer-se dizer: olhe o que lhe caiu - foi um peido que me fugiu. Estais a ver a piada? Estais a ver a categoria? Aquilo é que era, antigamente! Era assim todos os anos, à esquina, que bem que passávamos o Dia dos Enganos! Era de rir. Ríamo-nos muito com divertimentos assim de peidos, biológicos ou engarrafados, ali no nosso cantinho, para que é que precisávamos de brinquedos a sério e de mundo?
Para além disso, tínhamos a velha nota de vinte escudos largada no passeio como que perdida e presa por uma invisível sediela que, escondidos, puxávamos repentinamente e às prestações mal algum transeunte ensaiava o gesto para apanhá-la, em frente à porta envidraçada do novíssimo Café Chinês. Ele a baixar-se e a nota a fugir-lhe à frente dos pés, parava, a baixar-se outra vez e ela a fugir-lhe outra vez, aos saltinhos, como se fosse viva, e outra vez, e outra vez, como num filme do Charlot ou do Pamplinas mas ao vivo e a cores. Ai, era realmente de rir! Claro que também era um risco: os vinte paus deviam ser devolvidos a casa, de onde alguém os desencaminhara como quem não quer a coisa, e às vezes nunca se sabe. Vinte escudos era a nota mais pequena e significavam muito dinheiro para quem não tinha nada. Vintes escudos desaparecidos eram como hoje um desfalque de milhões, davam para muito pão, havia fome e a pobreza morava com a gente.
Ah, o Dia dos Enganos! Era tão bonito! Agora é todos os dias, e já ninguém liga.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

As castanhas são como o próprio nome indica

Foto Hernâni Von Doellinger
As castanhas. As castanhas têm pouco que se lhes diga. Chamam-se castanhas por causa da própria cor, acho eu, e este ano não sei a que preço é que estão à saída do assador. (Eu e os assadores agora saímos à rua em horários descombinados - e é a vida.) As castanhas fazem-me gases e há cinco qualidades de castanhas: castanhas cruas, que sabem a infância e a dor de barriga, castanhas cozidas, que precisam de saber a funcho, castanhas piladas, que são uma pouca-vergonha, castanhas assadas, que são quentes e boas, e castanhas com bicho, que são uma merda. No Verão, as castanhas são tremoços.
As castanhas vêm dos ouriços, que antigamente tinham a mania de cair em cima das cabeças das pessoas. Os ouriços de Fafe eram os piores. Havia um castanheiro nas traseiras do tasco do Senhor Augusto Paredes, encostado ao muro, mesmo em frente ao Palacete, e os ouriços caíam na rua como tordos. Mas esperavam por mim, matreiros e organizados, para me desabarem aos pares ou num indecente mènage à trois mesmo em cheio no cocuruto. E eu sem capacete. Era um cristo.
Para além dos filhos da puta dos ouriços e das castanhas que servem para a nossa alimentação, os castanheiros davam também uma tirinhas muito jeitosas para se fazerem grinaldas e óculos de brincar. Os castanheiros podem ter mais de mil anos, mas o do quintal do Paredes não. O quintal do Paredes era também o quintal do Senhor Jerónimo Barbeiro e do Senhor Lopes Agulheiro, três famílias grandes e boas, e eu tenho saudades daquela gente toda. O castanheiro do Paredes agora é um prédio de rés-do-chão e quatro andares. Mesmo em frente, centenário e ainda elegante e digno, agora é o Palacete que cai. Cai aos bocados, desgostoso com o abandono e a ignorância adjacente.
Derivado às castanhas existem também as castanhadas e as castanholas. As castanhadas quem as sabia explicar muito bem era o Luisão que passou a pasta ao Rúben Dias que passou a pasta ao Otamendi, não desfazendo do Palhinha, ali ao lado, que também era um competência. E as castanholas fazem um papelão nas mãos de Lucero Tena.
Eu gosto muito de castanhas. E afinal as castanhas têm bastante que se lhes diga.

O mar começa em Fafe, devagarinho

O rio Vizela nasce em Fafe, exactamente no Alto de Morgair, antiga freguesia de Gontim. Depois de banhar Fafe, sobretudo na barragem de Quei...