Mostrar mensagens com a etiqueta cultura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cultura. Mostrar todas as mensagens

sábado, 26 de julho de 2025

Sabem a pouco "os saberes" de Fafe

Foto Município de Fafe

"Fafe leva os seus saberes tradicionais à 47.ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde", informa o nosso Município. E explica: "Fafe estará representado com os seus emblemáticos entrançados de palha de Fafe". Mais nada. Quer-se dizer: "os saberes" de Fafe, afinal, é só um.

sábado, 19 de julho de 2025

Folclore internacional em Fafe


De hoje a oito dias, sábado, 26 de Julho, a Arcada acolhe o XXXIX Festival Nacional e Internacional de Folclore, que contará com a participação de oito grupos, de diferentes nacionalidades. Início às 20h30, com entrada livre.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Quando os Tonys eram de Matos

Foto Hernâni Von Doellinger

Sou de Fafe e sou dum tempo. Frequentei os campos de milho do Santo, de Cavadas e do Sabugal, vindimei e pisei uvas, fui a desfolhadas e malhadas, andei em carros de bois e na carroça do Moniz Azeiteiro, fui à merda para selar o forno de cozer broa, ajudei a matar porco, arranquei batatas, depenei frangos, montei jericos, andei aos ninhos e aos pardais, guardei cabras no monte, tínhamos quintal, galinheiro e coelheira, meia dúzia de olhos de couves no tempo delas e um céu com estrelas. Tive feira todas as quartas. Comi gafanhotos, vivos. Fui uma vez ao mar, à pesca da faneca, e trouxe também cavalas e respeito. Eu e a natureza sabemo-nos. Quero campo, montes e rio, se possível com o Atlântico debaixo de olho. Sou um rústico e disto não saio. A cidade é-me modo de vida, mais nada.

Mas nem todos têm a minha sorte. Os lisboetas, por exemplo. Os lisboetas são uns infelizes, uns desgraçados, não sabem da vida, não sabem da terra, não sabem sequer de que terra são. Aqui atrasado, o Continente, esse, o dos supermercados, fazia de velho mestre-escola e, uma vez por ano, tomava conta dos lisboetas, assim ditos, e levava-os em gaiteira excursão de volta às suas raízes mais profundas. Às berças. Aos campos do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo ou dos Algarves de onde eles partiram há duas ou três gerações, com a saca da merenda enfiada no cajado ao ombro, os pés descalços e as chancas nas mãos. Quer-se dizer: embora o ignorem, os lisboetas são tão parolos como os outros parolos todos à volta. Lisboa já não diferencia. Faz cada vez mais parte do resto que é paisagem neste país que não existe.

Naquele dia, os lisboetas, que são parolos mas não se lembram, aprendiam ou reaprendiam, por exemplo, que o leite não nasce em pacotes, que as galinhas estão vivas antes de estarem mortas (a senhora dona Lili Caneças saberá ainda explicar o fenómeno), que os ovos só podem ser produzidos com aquele feitio ou que o bife não é um animal, pelo menos um animal completo. E, com um bocadinho de sorte, até talvez pudessem descobrir o mais extraordinário segredo da vida, que é: a vaca não dá leite. Isso, a vaca não dá leite, ao contrário do que consta. A vaca não dá leite, não dá carne que serve para a nossa alimentação, não dá pele que serve para fazer sapatos nem dá chifres que servem para fazer pentes, como nos exigiam nas redacções da escola primária.  A vaca não dá nada, porque a vida não é de graça. É preciso ir lá, à vaca, e dar-se ao trabalho e tirar e tratar e transformar e fazer - é assim que o Lopes ensina os netos.
Mas então, o Continente oferecia aos lisboetas uma espécie de circo rural onde não faltavam as vacas e os cavalos, os patos e os gansos, as ovelhas e os porcos, as avestruzes e os burros. E enfartava-os com um megapiquenique a que o analfabetismo vigente não se cansava de chamar "Mega Pic Nic". Um arraial dos antigos para recriar, em plena Avenida da Liberdade e no Parque Eduardo VII, o "espírito do campo", o "ambiente de uma grande quinta", com o patriótico desiderato - acrescentava a propaganda do Continente - de "chamar a atenção dos portugueses para a importância do apoio à produção nacional". Pois se calhar.
E os lisboetas juntavam-se aos milhares, aos milhares de milhares, de boca aberta, entusiasmados até mais não com a novidade, fresquinha e ao vivo, das cores, dos sabores e dos aromas do campo, como se o campo fosse aquilo. Mas, sobretudo, os lisboetas do país inteiro, do país que não existe, iam ao cheiro do concerto do Tony Carreira. À borla. Tony Carreira apresentado aos lisboetas como "o melhor da música portuguesa".
Ora bem. Honra lhe seja, Tony Carreira, isto é, António Manuel Mateus Antunes, 61 anos, natural de Pampilhosa da Serra, é um profissionalão, provavelmente o melhor do seu ofício, mas não é "o melhor da música portuguesa". Entendamo-nos: por mais multidões que congregue, por mais corações que despedace, por mais sutiãs ou cuecas de senhora que lhe atirem ao palco, Tony Carreira é apenas um cantor romântico com imeeeeeenso sucesso e acaba de fazer constar que o próximo disco pode ser o último, Deus o ouça. Mas a música portuguesa, desculpem-me a expressão, é outra coisa. E felizmente.

Depois o Continente trouxe o arraial para o Porto, para os lisboetas do Norte. O estardalhaço chama-se cá em cima Festival da Comida e continua a atafulhar o martirizado Parque da Cidade, aproveitando parte da parafernália montada para o já de si devastador Primavera Sound. E com Tony Carreira sempre!
Este ano é a sétima edição do hecatómbico evento, dias 12 e 13 de Julho, e eu, ferrinho, mais uma vez não ponho lá os pés. Já disse. Sou de Fafe e doutro tempo. Do tempo em que os Tonys eram de Matos.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Piquenique. E Dia Internacional do Sushi. E Dia da Gastronomia Sustentável. E, evidentemente, dia de ouvir Tony de Matos.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Parágrafos e outras passagens de nível

Fafe já teve passagem de nível. Em Santo Ovídio, mesmo no meio da estrada, era a nossa única passagem de nível, magnífica, sem rival, e por isso chamava-se "a" Passagem de Nível, porque Fafe naquele tempo era sobremaneira isso, uma extraordinária terra de antonomásias. No nosso imenso pequeno mundo, tínhamos o Largo, a Avenida, o Monumento, a Recta, o Campo, o Depósito, o Banco, o Talho, os Serviços, a Bomba, o Jardim, o Bairro, a Quelha, o Santo, o Café, o Colégio, a Empresa, o Hotel, o Snack-Bar, o Palacete, o Cinema, a Fábrica, a Senhora, a Procissão e, cá está, a Passagem de Nível.
A singularidade, do resto, nunca me incomodou, antes pelo contrário, simplificava-me a vida, mas esta coisa de Fafe ter só uma passagem de nível na sua história, uminha, e não haver notícia de mais, antes e agora, numa terra tão dada à cultura, às letras e à publicação literária, é que me surpreende. Em Fafe, os livros saem ao ritmo das cerejas, e dos tremoços, uns atrás dos outros, o que é de gabar, e no entanto não se sabe, nunca mais se soube que por aí tivesse aparecido o tal parágrafo perfeito, o trecho extraordinário, a tirada sublime, o fragmento de classe, a amostra de gabarito, quatro linhas de excepção, duas ou três frases lapidares e eternas, dúzia e meia de palavras genialmente concatenadas e dignas de registo, enfim, outra passagem de nível. Não. Nada. Nadinha. E eu, sinceramente, dá-me um certo desgosto...

P.S. - Textinho publicado aqui há uma ano. Hoje é Dia Internacional para a Segurança em Passagens de Nível.

sábado, 31 de maio de 2025

Biblioteca alarga horário


A Biblioteca Municipal de Fafe alarga o seu horário durante o mês de Junho. De segunda a sexta-feira, estará aberta das 9 às 20 horas. Mantendo-se os sábados, das 9h30 às 13 horas.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Orgasmos em Fafe, a 14 de Junho

No Teatro-Cinema de Fafe, dia 14 de Junho, pelas 21h30, sobe à cena a comédia "Orgasmos", com Bruno Cabrerizo e Sandra Celas. Mais informação, aqui.

sábado, 26 de abril de 2025

25 de Abril sempre!

O 25 de Abril devia ser todos os dias. Não é, mas devia ser, aproveitando enquanto há. Em Fafe, do mal o menos, o 25 de Abril, que correu ontem muito bem, é mais dois dias: hoje à noite com Capicua e amanhã à tarde com Sérgio Godinho. Na Praça 25 de Abril. Bem bom. Porque 25 de Abril sempre!, nem que seja só às vezes.

P.S. - O Cortejo dos Cravos, que percorreu as ruas da cidade de Fafe, terá sido, estou em crer, a mais bela homenagem que Portugal fez ontem ao 25 de Abril, à Democracia e à Liberdade.

terça-feira, 22 de abril de 2025

António Rebordão quê?...


Uma vez, há catorze ou quinze anos, eu tive a sorte de almoçar com o escritor António Rebordão Navarro. Eu e mais três amigos e velhos camaradas de ofício, dos jornais, num acidental e feliz reencontro à beira-Douro, lá na Ribeira de Gaia. Falámos sobretudo de banalidades risíveis, como convém à mesa, mas era fatal chegarmos aos livros. Meti conversa, como quem não quer a coisa:
- Sabe que fomos praticamente vizinhos durante alguns anos? O senhor doutor ainda mora lá para a nossa Foz?...
O senhor doutor era para mim senhor doutor porque Rebordão Navarro era formado em Direito e chegou a exercer de advogado e de delegado do Ministério Público, antes de se entregar de corpo e alma à escrita, como ficcionista, poeta e editor. Já quanto à resposta, às respostas que eu, molageiro, lhe pedia, disse-me que não e que sim. Que não sabia que fôramos vizinhos, que aliás não me conhecia de lado nenhum nem isso lhe fazia falta, mas que realmente continuava pela Foz, embora já não na Praça de Liège.
Porém era ali que eu queria chegar. Com esta minha notável capacidade para fazer figuras tristes, que já então se manifestava exuberantemente, eu estava mortinho por demonstrar mais uma vez quão sólido é o cuspo com que argamasso os meus pindéricos alicerces culturais. E acrescentei, todo vaidoso:
- Sabe, eu tenho o livro, tenho "A Praça de Liège". Se soubesse que me ia encontrar com o senhor doutor, até o tinha trazido para que me fizesse o favor de uns sarrabiscos, de um autógrafo. Tenho o livro, está lá em casa...
- Ai tem o livro? Mas eu escrevi mais livros, escrevi para aí uns catorze... - cortou Rebordão Navarro, sem disfarçar o sorriso malandro como o arrozinho de feijão e legumes que lhe acompanhava os bolinhos de bacalhau com que se deliciava.
A minha primeira reacção foi largar o meu habitual "Eu sei!" com que tento sair das enrascadas em que por mania me meto, e recitar ali mesmo, de cor e salteado, da trás para a frente e da frente para trás, por ordem alfabética e depois por ordem cronológica, os outros treze títulos do reputado autor que tinha à minha frente de faca em punho, mas a verdade é esta: eu só conhecia "A Praça de Liège". Optei, portanto, por tornar pública a minha segunda reacção, que também me saiu uma boa merda e que foi "Pois faço ideia, mas lamentavelmente não tenho acompanhado a carreira do senhor doutor"...

"A Praça de Liège" foi um sucesso tremendo aquando da sua publicação, em 1988. Era o livro da moda (pois se até eu o comprei!) e ganhou o Prémio Literário Círculo de Leitores. Na altura em que me encontrei com o autor, contou-me o próprio, no Círculo de Leitores já não sabiam quem ele era, quem era o escritor António Rebordão Navarro. Alguém do Círculo contactou a irmã do escritor por uma razão qualquer, a senhora falou do irmão e do famigerado prémio e obteve como resposta um lamentável
- Quem? Rebordão quê? Não conheço...
Pois é: a memória! As empresas enxotam quem sabe da poda, despedem os funcionários pelas mãos dos quais passaram os factos e as pessoas, preferem juniores renováveis e analfabetos, verdes como os recibos, fiam-se no Google e na inteligência artificial mas não vão lá. E depois ninguém sabe nada de nada, por manifesta estupidez natural.
Há anos que está a acontecer o mesmo nas redacções dos jornais portugueses e até se contam algumas saborosas anedotas a esse respeito. São de rir tanto, as anedotas, que às tantas até são verdade.

No que me diz respeito, e como penitência pela minha ignorância àquela data quanto à dimensão da obra literária de António Rebordão Navarro, que afinal era qualquer coisinha mais do que catorze títulos, aqui deixo o registo essencial, com sinceros votos de que faça também bom proveito à rapaziada do Círculo de Leitores: poesia - "Longínquas Romãs e Alguns Animais Humildes", 2005; "A Condição Reflexa", 1989; "27 Poemas", 1988; "Aqui e Agora", 1961; teatro - "Sonho, Paixão, Mistério do Infante D. Henrique", 1995; "O Ser Sepulto", 1972; crónica - "Estados Gerais", 1991; ensaio - "Juro Que Sou Suspeito", 2007; conto "Dante Exilado em Ravena", 1989; romance - "As Ruas Presas às Rodas", 2011; "A Cama do Gato", 2010; "Romance com o Teu Nome", 2004; "Todos os Tons da Penumbra", 2000; "Amêndoas, Doces, Venenos", 1998; "A Parábola do Passeio Alegre", 1995; "As Portas do Cerco", 1992; "Mesopotâmia", 1984; "A Praça de Liège", 1988; "O Parque dos Lagartos", 1981; "O Discurso da Desordem", 1972; "Um Infinito Silêncio", 1970; "Romagem a Creta", 1964.

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Tarrenego! O escritor e editor António Rebordão Navarro morreu no dia 22 de Abril de 2015, aos 82 anos. E Portugal adormecido parece que já não sabe quem é que ele foi, quem é que ele é, o que significa. Actualmente, acho isso mal. Para ignorante, bastava eu.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Cadê a rua João Ubaldo Ribeiro?

Foto Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

João Ubaldo Ribeiro nasceu na Baía, mas optou-se carioca. Autor de "Sargento Getúlio", "Viva o Povo Brasileiro", "O Sorriso do Lagarto" e "A Casa dos Budas Ditosos", entre outros tantos títulos igualmente notáveis, venceu o Prémio Camões 2008. O seu avô paterno era natural de Fafe, e Ubaldo considerava-se dos nossos. É, para todos os efeitos, um fafense excelentíssimo. "[Fafe] é efectivamente minha terra, pois terra dos meus ancestrais paternos, [uma terra] da qual, de certa forma, nunca saí", afirmou um dia o famoso escritor brasileiro. E eu, à pala, enchi-me de orgulho, esbordei de vaidade.
A esse respeito. Em 2008, no foguetório pós-Prémio Camões, a Câmara de Fafe, então presidida por José Ribeiro, prometeu "futuramente" uma rua ao nome de João Ubaldo Ribeiro e ao próprio, que teve a amabilidade de agradecer antecipadamente o rapapé a haver. Sinceramente, não sei se a autarquia fafense já cumpriu a promessa, passados estes anos todos. Isto é, eu procurei a rua e não a encontrei. Procurei rua, avenida, praça, praceta, alameda, travessa, viela, bairro, urbanização, rotunda, campo, jardim e até sala e auditório, mas nada! Melhor dizendo, encontrei realmente a Rua João Ubaldo Ribeiro, mas em Aracaju, no Brasil, que não me dá jeito nenhum. Estarei a procurar mal? Alguém me pode ajudar? A rua estará mesmo à minha frente e eu não a vejo?
João Ubaldo Ribeiro nasceu no dia 23 de Janeiro de 1941. Faria amanhã anos. Morreu no dia 18 de Julho de 2014. E, entretanto, o "futuramente" ainda não chegou...

domingo, 12 de janeiro de 2025

De tudo, como... no Teatro-Cinema

Foto Município de Fafe

Música, canto, dança, cinema, teatro, humor, conferências, exposições e o que mais se verá. O programa cultural do Teatro-Cinema de Fafe para 2025 foi anunciado, e promete. Toda a informação, com eventos, artistas e datas, aqui.

domingo, 14 de abril de 2024

Um filme que dava um livro...

Homem de cultura, presença assídua em verbenas poéticas e chás-dançantes, organizador de bienais e torneios de futebol de salão, colaborador em jornais e televisões digitais, presidente de cineclubes diversos, nome com assinatura reconhecida nos melhores suplementos de artes e letras, inclusive blogues, Bonifácio de Montalvar foi ao cinema de reprise. Viu "Guerra e Paz", de King Vidor, com Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer e o italiano Vittorio Gassman, mais uns tantos. Gostou do enredo, ou da estória, como preferia dizescrever. E declarou no foyer da despedida, alto e bom som, para que ficasse lavrado em acta: - Isto, sim, dava um belo livro...

sexta-feira, 9 de junho de 2023

FanfArt, uma promessa a acompanhar

Há uma nova associação em Fafe. Chama-se FanfArt, apresenta-se como ambiciosa e avisa que veio para "criar e promover uma nova cultura tanto a nível musical como na arte em geral". "Vamos lutar para que Fafe seja uma terra com cultura e sobretudo interesse!", promete. A FanfArt pode, e deve, ser seguida em FanfArt | Facebook.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Atrás de Mário Soares

Uma vez era campanha eleitoral e saí do trabalho, na tripeiríssima Rua de Santa Catarina, para apanhar o autocarro 37 no Largo dos Lóios. E quando cheguei à Avenida dos Aliados, que é a meio caminho, esbarrei num enorme ajuntamento que rodeava e seguia um Carocha de tecto de abrir. Era muito povo, agitando bandeiras e gritando palavras de ordem tão desordenadas que eu não percebia o que as pessoas diziam. Aproximei-me, chamado pela curiosidade ou não sei mais por quê, furei pelo meio daquele fervor todo e consegui chegar ao carro. Quem é que lá estava de cabeça de fora e braço pré-presidencial em aceno à multidão? Mário Soares em pessoa. Era ele!
Eu fiquei a um metro do homem. E deixei-me ficar. O Volkswagen careca andava devagar. E eu deixei-me ir. Mas só percebi depois, muito depois. O cortejo desceu à Praça, subiu a Rua dos Clérigos, passou pelos Leões e pelo Hospital de Santo António, entrou na Rua D. Manuel II e quando dou fé Mário Soares está em frente ao Palácio de Cristal. O esquisito, o inexplicável, é que eu também lá estava. A um metro do homem. Eu fui atrás dele e não sabia.
Foi no ano de 1986 e é a história que eu costumo contar quando quero explicar o que é o carisma. Carisma é aquilo: aquele íman, aquele poder sobre as massas, mesmo sem abrir a boca, aquela força invisível que uns poucos têm de aglutinar e empolgar tudo e todos à sua volta, até a mim, que sou um cínico e já tinha andado atrás de Soares pelo menos outra vez, em Fafe, do Largo para o Grémio da Lavoura e, por falta de espaço para tanta gente, do Grémio novamente para o Largo.

A Vida, que me tem sido tão boa, concedeu-me vinte anos mais tarde, nas Presidenciais de 2006, a prenda extraordinária de poder acompanhar no terreno, profissionalmente, a última verdadeira campanha eleitoral de que Portugal deve ter memória. E com Mário Soares, que se borrifava cada vez mais para os soundbites, para os assessores de imprensa e até para o seu ausente director de campanha, que ele frequentemente não sabia muito bem quem era. Em vez de apelar ao voto, em vez de criticar a concorrência, Soares contava histórias, contava História em pequenos auditórios vagamente frequentados, falava de António Sérgio, de Álvaro Cunhal, de Agostinho da Silva, de Camilo Castelo Branco (lembro-me, em Famalicão), de Antero de Quental. Contava Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Irene Lisboa, José Gomes Ferreira, José Régio, Almada Negreiros, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Carlos Queiroz, Adolfo Casais Monteiro, Manuel da Fonseca, Sophia de Mello Breyner Andresen, Carlos Oliveira, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Natália Correia, Alexandre O'Neill, David Mourão-Ferreira, Alberto Lacerda, Ruy Belo, amigos ou conhecidos em graus diversos. E eu regalado. O meu jornal, que era o estrambólico 24horas, mandara-me à procura das proverbiais gafes e partes gagas do velho leão, então já com uns bem vividos 82 anos. Eu consolei-me com o resto.

P.S. - Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu no dia 7 de Dezembro de 1924.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...