Sobre a arte de estragar comida. Comecemos pela lampreia, para terminarmos na vitela assada à moda de Fafe. A lampreia é, para mim, o supra-sumo da gastronomia alto-minhota. Uma gastronomia apurada, robusta, variada, generosa, com personalidade, como eu gosto e como é, no geral, toda a honesta cozinha tradicional portuguesa. Há o arroz de lampreia, há a lampreia à bordalesa. E até admito mais duas ou três bem intencionadas variantes (como a lampreia fumada, a lampreia recheada ou a lampreia assada), mas que, não desmerecendo, já não me são a mesma coisa. Eu fico-me pela arrozada a fugir do prato a todo o vapor e pela bordalesa intensa e substancial - embora, como a maioria dos portugueses, já só coma lampreia de memória.
No Alto Minho, a lampreia é justamente considerada "um prato de excelência" e de tradição. Sim, de tradição. "Para confeccionar um produto de qualidade com paixão e arte, nada melhor que as mãos de afamadas cozinheiras que receberam os testemunhos e segredos de gerações passadas, com raízes na ancestral tradição culinária do Vale do Minho", lia-se num opúsculo editado aqui há uns anos pela Adriminho para chamar visitantes e promover o consumo do apreciado ciclóstomo nos melhores restaurantes dos concelhos de Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.
Não percebi com que segunda intenção, a Adriminho resolveu, naquela ocasião, amaricar a apresentação da sua lampreia, bem à moda de Lisboashire ou Cascais County, colocando na capa do dito prospecto a fotografia de um empratamento aguado e triste, obra certamente de um daqueles famosos jovens chefs da televisão que não cozinham nada mas têm muito jeito para as artes plásticas. Resultou assim uma coisa de snack-bar cantineiro, algures entre Nova Iorque e Bogotá, espécie de nouvelle cuisine pretensiosa e escusada que envergonha a velha lampreia e a tradição gastronómica alto-minhota.
Vede bem o retrato que vos apresento: então aquilo ali em cima agora é que é a lampreia do rio Minho? Que mal é que tinha a outra, a verdadeira?
Derivado a estas e a outras é que eu às vezes temo pelo futuro da nossa vitela assada - a vitela assada à moda de Fafe. A existência da confraria respectiva não me sossega e por acaso até me preocupa. Isto é, não sei se a nossa vitela assada está em boas mãos. O circo chegou à cozinha. Lembro-me das Feiras Francas de 2013 e de uma programação toda modernaça que até meteu workshopping, showcasing e showcooking, e esta parte afligiu-me desde logo. Anunciava-se "a tradição e a inovação de mãos dadas", prometia-se a "elaboração de pratos tradicionais recriando com inovação", e eu, à rasca, só pedia aos Céus: - Com a nossa vitela, não! Senhor, fazei com que eles deixem estar tudo como está, que está tão bem, graças a Deus! São Lourenço, padroeiro dos cozinheiros, segundo uns, rogai por nós! São Benedito, padroeiro dos cozinheiros, segundo outros, rogai por nós! Minha rica Senhora de Antime, livrai-nos dos estragadores e salvai a nossa vitela assada, amém!
É. Eu sou muito religioso, embora amiúde não pareça, e levo a comida muito a sério, mas isso já se sabe. A vitela assada à moda de Fafe até poderá ter os dias contados, porque os comedores de rúcula e outros tofus ainda nos vão proibir o consumo de carne, mas, enquanto não é crime, eu faço questão que a deixem em paz.
E por isso digo e redigo: não mexam na nossa vitela assada! A vitela assada à moda de Fafe é o que é. É à moda mas não há modas. É, sem tirar nem pôr. Não tem variações, não admite inovações, dispensa recriações ou até interpretações. É vitela assada à moda de Fafe. Assim.
Agora que estamos entendidos, tomai então nota aí na agenda, com tempo. De 15 a 17 de Março (sexta, sábado e domingo), vinde e Fafe e aproveitai mais um dos Fins de Semana Gastronómicos promovidos pelo Turismo Porto e Norte de Portugal, neste caso um fim de semana integralmente dedicado à nossa vitela assada. "A jóia da coroa gastronómica de Fafe" - informa a Câmara Municipal - poderá ser apreciada nos restaurantes A Cabana, A Desportiva, Adega Popular, Aldeia do Pontido, Casa de Pasto Reis, Desigual, Dom Egas, Feira Velha, Porto Seguro, Quinta das Vinhas e Vice Versa.
Foi também anunciado que estão disponíveis pacotes de oferta turística com alojamentos e experiências incluídas. Isto é, os visitantes têm direito a um desconto de dez por cento em alojamento de duas noites (sexta e sábado) nos seguintes empreendimentos: Aldeia do Pontido, Carvalho Village, Casa de Docim, Casa de Fora, Casa do Gandião, Casas do Ermo, Casa do Vale, Devagar e Devagarinho, Sossego da Lata, Flag Hotel Guimarães-Fafe, Hotel Fafense, Parque de Campismo da Barragem de Queimadela, Quinta do Minhoto e Quinta Lama de Cima.
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