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quinta-feira, 1 de maio de 2025

O Céu, só com marcação!

Foto Hernâni Von Doellinger

Manhã cinzenta de Primavera, a ameaçar chuva. No chão de cimento do pequeno cemitério jaz, abandonada e fria, uma senha de vez. Aos meus pés, o famigerado ticket, ou tiquê, como nos dá muito mais jeito dizer, e dá-nos sempre muito mais jeito dizer mal. Vergo-me e apanho. "Sua vez", avisa a senha número E29, como se soubesse alguma coisa da minha vida que eu não sei. E manda, "Puxe". Puxei, quero dizer, pensei: poderia dar-se o caso de ser esta a solução desenterrada por espertos sepultadores para organizar as dezenas ou centenas de defuntos que diariamente se acotovelam aos portões dos cemitérios sobrelotados, à espera de vez, à espera de vaga. (Os mortos portugueses têm geralmente medo de serem queimados vivos e, como resultado, num país com uns económicos 92 mil quilómetros quadrados, os nossos campos-santos rebentam pelas costuras, as campas não chegam para as encomendas.) Mas não: a coisa não é assim tão terrena, pensei melhor, isto vem, upa, upa, lá de cima. É assunto de almas e não de corpos. É. O Céu está equipado com pelo menos um dispensador de senhas de vez, tive a certeza e tinha a prova na palma da mão. Percebi tudo. Queres a salvação eterna? Tira o número e vai para a fila, essa é que é essa! "Mas que bizarra epifania, mas que desgosto tão grande, lá se me foram os fundamentos" - lamuriei-me, rangendo os dentes. - "Até Tu, meu Deus?! Que tristeza! Onde o negócio e a burocracia já chegaram"...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Senha.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Olhei para o céu, estava estrelado

Foto Hernâni Von Doellinger
O Minho cheira a Natal, sabiam? O Alentejo e Trás-os-Montes decerto também cheiram, as Beiras e o Ribatejo lá terão os seus aromas, mas a mim o que me interessa é o meu Minho e quanto mais alto melhor. E por estes dias o Minho começa a cheirar a Natal. Ao Natal antigo, já posso dizê-lo. Os últimos lavradores do Minho fazem fogueiras nos campos como fizeram os seus pais e os pais dos seus pais, queimando folhas secas e gravetos velhos, emprestando ao ar um perfume doce de lareira. De lar. Dá uma vontade tola de abrir a janela do carro, largar a cabeça ao frio e fechar os olhos. E eu abro e largo e fecho. A janela, a cabeça, os olhos. Sou pendura graças a Deus, não sei conduzir, vamos em segurança.
A memória também vem ao cheiro: a querida avó de Basto, pequerricha, resmungona e bondosa, aquecendo o vinho na infusa fanada que tem dentro uma maçã acabadinha de assar no borralho. O fumo das giestas molhadas e que, apesar, ajudam a espertar o braseiro. Os malabarismos a toque de caixa do testo da velha chocolateira desbordante de café que não passava de cevada. A garrafa da aguardente do avô que bastava aliviar-lhe a rolha para logo sarar constipações e até unhas encravadas. A luz bailarina da candeia fazendo filmes mudos e de terror nas paredes da cozinha, negras de fumo e do luto da vida. E a canela. Sim, as queimadas agrícolas de Novembro e Dezembro, no Minho, são temperadas com canela. Quem disser o contrário, está muito mal informado.
De novo na estrada de um carro só, o fumo, os fumos, aqui, ali, mais adiante, novelos que sobem letra a letra inventando palavras de faz de conta. São os índios a mandar recados, gosto de pensar, e rio-me outra vez moço. Fafe, Moreira, Várzea Cova, Passos, devagar se vai ao longe. O fumo acinzenta o verde que cresce ao abandono e as leiras lavradas e cada vez mais raras. Acinzenta a paisagem mas limpa a alma. Este fumo aconchega-nos, abraça-nos, obriga-nos a abraçarmo-nos. Por causa do fumo, o céu é mais baixo, estamos mais perto do Céu, estamos mais perto uns dos outros, e apetece-me inspirar a plenos pulmões a ver se consigo guardar este fumo e este cheiro, esta paz, para o resto do ano, para o resto da vida. Quem me dera aqui à noite, toda as noites, com este cheiro, com este céu. Este céu cheio de estrelas, que eu bem as sei. Acredito cada vez mais que devia ser proibido morrer sem se ter um céu assim para olhar e depois ir. E eu já ando à procura do meu.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Pegada ecológica

Ele tinha uma pegada realmente ecológica. Fosse aonde fosse, ia sempre em pezinhos de lã.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Ar Limpo para o Céu Azul.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O pecado original

Corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E deu na merda que deu. Até hoje.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...