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terça-feira, 26 de agosto de 2025

Quem me dera ser cão

As palavras têm vida, acusam a idade. Há palavras que enrijecem com o tempo e há outras que se amaciam. Cadela, por exemplo. A palavra cadela, antigamente, tinha uma pesada carga pejorativa, era um nome do piorio para se chamar a uma mulher, era um insulto violentíssimo, degradante. Em Fafe, era a bomba atómica das ofensas. Cadela! Queria dizer prostituta, vadia, safada, desavergonhada, traiçoeira, vagabunda, tola, toleirona, má, malvada, crua. Mas hoje em dia, não. Hoje, as meninas e senhoras passeiam os seus cãezinhos e dizem-lhes que são a "mãe", a "mamã", a "mamãe". E dizem-no a toda a gente. Quer-se dizer: as meninas e senhoras reclamam a maternidade canina, apresentam-se como legítimas progenitoras dos seus cães-filhos, apregoam aos quatro ventos esse incontroverso estatuto. E está certo. Neste novo contexto, chamar-lhes cadelas, às meninas e senhoras mães dos cães, só pode ser, agora, um elogio, um simpático reconhecimento.

Três mulheres à mesa na pequena esplanada da confeitaria da moda, gozando uma falsa fresca de fim de tarde no Verão impiedoso da cidadezinha baixo-minhota. São jovens, alegres, morenas, as mulheres, e têm um cão. Um cão pequeno, rechonchudo, de focinho amarrotado, caricatura de um velho boxista na reforma. Será talvez um pug. Leio na Wikipédia que o pug tem "personalidade", que é "encantador, brincalhão, astuto, sociável, arteiro, dócil, afectuoso, teimoso, amoroso, atento, tranquilo, calmo". Pois. Será. O estupor do cão, o sortudo do cão, passeia-se irrequieto de colo em colo, de mama em mama, esfregando-se ao comprido na brancura sedosa de seis seios quase ao léu, lambendo, lambendo e mais não sei quê, e as mordomas ali na rua sem pudores, crescentemente excitadas, vermelhas, aos gritinhos, aos saltinhos, num fuzuê que só visto.
Ora bem. Foi na parte do mais não sei quê - e digo mais não sei quê porque realmente não faço ideia, o assunto interessou-me sobremaneira, eu estava ali concentradíssimo como o Futre, sócios, invejoso, confesso, mas não consegui perceber o que se passava até às últimas consequências -, portanto, foi na parte do mais não sei quê que a mulher menos jovem, com evidente cara de dona, largou os suspiros, ganhou fôlego, esganiçou ainda mais a voz e disse ao cão, imperativa: - Frederico! Não! Não! Não! Mamãe já falou! Isso não, Frederico!
Fiquei fodido! Não tanto por causa da indivídua chamar Frederico ao cão. Também chamo Frederico ao meu filho Kiko e isso nunca me incomodou, antes pelo contrário, até porque é o nome dele. O que me confundiu foi aquilo de ela ser mãe do cão. Estou velho para estas merdas. Fico baralhado com estas modernices sorrateiramente edipianas mas ao contrário. Não consigo acompanhar estes tempos malucos em que a nova ordem parece ser tratar os animais como pessoas, como filhos, e tratar as pessoas como animais. Como animais que não são tratados como pessoas. Como pessoas que não são de estimação. Os portugueses já gastam mais com cães do que com bebés, dizem as notícias de confiança. Não percebo. Estou definitivamente fora de prazo. E fiquei fodido!

P.S. - Versão revista e aumentada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe. Quer-se dizer. Hoje é Dia do Cão e, assinalando a efeméride, o Kiko e a Sara vão de férias e deixam-nos o Amendoim. O Amendoim é o cão deles, porque eles gostam muito de animais. Já eu e os cães é uma desgraça, estou farto de dizer, e é preciso ser-se um bocado sonso para chamar Amendoim a um cão. Aliás, eu sempre defendi que lhe chamassem Evaristo, mas o Kiko e a Sara nessa parte não me ligam, e ainda por cima o estupor do cão gosta de mim e eu também não desfazendo. Ficamos igualmente a olhar pelos três gatos deles, como de costume, porque, repito, eles gostam muito de animais. Portanto estou como quero. E espero que o Kiko e a Sara também.

domingo, 17 de agosto de 2025

Rabo escondido com gato de fora

Já aqui contei, mas hoje vem outra vez a propósito. Em Fafe, no meu tempo, as pessoas gostavam muito de animais, como por exemplo gatos. Quase todos os lares tinham o seu gato ou a sua gata de companhia, principalmente derivado aos ratos, que também eram muitos e caseiros, mas recebiam visitas. Evidentemente estou a falar da parte de Fafe que me diz respeito e conheço, Fafe dos pobres. Ora, havendo gatos e gatas, havia também ninhadas, porque as coisas são como são e até os bichinhos gostam. Mas alimentar um ou dois gatos, mesmo com sobras, é uma coisa, outra coisa é sustentar uma família inteira de tarecos, ainda por cima largam pêlo como o caralho e nos primeiros tempos, antes de levarem naquele focinho para aprenderem, coitadinhos, cagam e mijam em todo o lado sem respeito nenhum. Que se segue? As pessoas gostavam muito de animais e pegavam na ninhada, deixavam um gatito de reserva, o mais bonito e esperto, e enfiavam os outros todos numa saca de sarapilheira bem fechada e bem atada a uma pedra bem pesada e pegavam na pedra, na saca e nos gatos e atiravam tudo ao rio, que eram vários mas lingrinhas. Não sei se Fafe conserva esta bonita tradição. E quem diz Fafe, diz Portugal regra geral.

A este respeito, hoje é Dia do Gato Preto, e daí a repetição. Histórias assim, conto-as normalmente no meu blogue Mistérios de Fafe. Devido às superstições em certas culturas, e dizer aqui "culturas" é capaz de ser um exagero, senão um equívoco, o gato preto é muitas vezes associado ao azar. Segundo leio, o gato preto é o mais abandonado, o menos adoptado e o mais rapidamente abatido dos gatos.

P.S. - Hoje é Dia do Gato Preto.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

A montanha pariu um rato

A montanha pariu um rato. Pfff... Que miséria, realmente. Se ainda ao menos parisse um elefante! Ou dois - que incomodam muito mais...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Elefante.

domingo, 29 de junho de 2025

O homem e o cão (e vice-versa)

O melhor amigo do cão
Havia um cão que tinha um dono muito bem mandado. Um dono obediente, brincalhão, carinhoso, esperto - só lhe faltava ladrar.

Todas as manhãs o homem e o cão passeiam pela praia, naquela incerta linha de sobe e desce onde o mar enrola na areia e acaba Portugal. Par pândego, havíeis de ver. O homem atira a velha bola de ténis e o cão, dez-réis de cão, rasteirinho e de raça incerta, corre e salta, como uma bala, como uma mola, abocanhando-a, à bola gasta e sebenta, ainda no ar. Cão danado para a brincadeira. E habilidoso. "Bem, muito bem, espectáculo!", diz o homem. E o cão regressa e larga a bola, e corre e salta à volta do homem, e ladra no verdadeiro ladrar que não morde, e abana o rabo, abana, que quer dizer "Obrigado, estou muito contente, mais, quero mais!...", e põe a língua de fora, que quer dizer "Ainda havemos de fazer isto mas ao contrário".
Um quadro enternecedor. Homem e cão, numa simbiose perfeita. O amigo dos animais e o melhor amigo do homem. Fossem eles polícias, o homem e o cão da bola de ténis, matinais frequentadores de oceanos, e estaríamos na presença de um binómio exemplar e definitivo. Decerto já vistes nas notícias: binómio é um polícia e um cão que são colegas de trabalho. Já um carteiro e um cão, se coincidirem, são um perónio. Um perónio partido e o fundilho das calças esgaçado.

(Lembro-me agora. Aquilo de passear o canídeo à beira-mar, eu bem o tentara em Fafe, nos meus vinte anos, com o Buck, o nosso cão na Rua do Assento. A beira-mar que tínhamos mesmo à mão, e por acaso bem jeitosa, se não fossem as silvas e outro restolho jurássico, eram as bordas do rio de Pardelhas, quando levava água, mas o Buck nunca me deu hipótese. O cão era quase do meu tamanho, muito mais forte do que eu e completamente dono do seu nariz. Saímos apenas uma vez. No seu habitat natural, o Buck era manso para as pessoas de dentro e sobretudo para as crianças. Sim, era lerdinho, porém destrambelhado. Gostava muito de brincar com gatos e galinhas, às vezes matava dois ou três frangos, mas era sem querer, diga-se em abono da verdade, fruto da loucura do momento, no descontrolo e afã da brincadeira. Íamos então passear, eu e o cão. Coloquei-lhe a poderosíssima trela, feita por encomenda e medida, própria para bisontes e elefantes, custou uma fortuna, dei-lhe calmamente a primazia, pus o pé fora de porta, todo lampeiro, e, como um raio ou talvez uma enorme marretada, num safanão sem preliminares nem precedentes, fui imediatamente arrastado de cangalhas para o empedrado, levantei-me como e quando pude, sempre de zorra, o Buck galopava a seu bel-prazer, sem parar sequer para cheirar ou alçar a perna, e eu atrás, agarrado à trela como quem se agarra à vida, aos solavancos, aos repelões, aos trambolhões, contra esquinas, árvores de pequeno e médio porte, tabuletas de trânsito e demais mobiliário urbano, o caralho do cão andou a exibir-me e a enxovalhar-me por onde lhe apeteceu, a vila inteira à janela a rir-se de mim, a fazer pouco do moço tolo, o filho da viúva da Bomba, tornei a casa feito num oito, num cristo, quando sua excelência achou que já chegava, e portanto nunca mais.)

Todas as manhãs, dizia, tornando à praia atlântica. Eu também por ali ando comigo pela trela e por isso é que sei o que estava a contar, mas ninguém me atira a bola, e antes assim. Ontem desatei a rir com o raio do cão, que realmente tem jeito, parece do circo o lingrinhas, um autêntico brinca-na-areia. Entre uma acrobacia e outra, o cão tendia a enfiar-se na água, coisa de cão certamente, e o homem dizia "Sai daí, Rex, anda cá, Rex, já vais levar, Rex!...", nem de propósito Rex, eu seja cão se estou a inventar. O cão chamava-se mesmo Rex, como o cão actor, o cão artista da televisão, e, sem terem nada a ver um como o outro, por acaso até vinha a propósito. O homem, que tomara nota do meu riso, decidiu pôr-me ao corrente, quisesse eu ou não: "É todos os dias isto, a mesma merda, ele gosta, o filhadaputa do cão mete-se no mar e eu depois é que me fodo a dar-lhe banho, secar e escovar, olha, lá vai ele outra vez, ó corno!, ó boi!, não adianta, fode-me sempre..."

O cão resolveu apanhar a última, mas sem boca. Estava-se a armar para mim, eu dei fé, creio que lhe percebi até um certo piscar de olho. Dominou a bola com o peito e, sem deixar cair, rematou em grande estilo e foi golo, palavra de honra que foi golo. Depois colocou o açaime ao homem e levou-o para casa.

P.S. - Versão corrigida e (bastante) aumentada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe.

sábado, 10 de maio de 2025

Fafe, de burro para cavalo

Bons tempos em que o problema de Fafe eram os burros. Sou desse tempo. Agora, pelo que vejo às vezes nas notícias e até, como hoje, em comentários no Facebook do Município, parece que o problema de Fafe são os cavalos. Há quem interprete isto como uma promoção. Eu parece-me, no entanto, que tudo não passa de uma questão semântica, novo-riquismo vocabular.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Os animais da minha infância

Tive uma infância feliz, em Fafe, rodeado de animais de estimação, ditos agora de companhia. Tínhamos um cão chamado Rin Tin Tin, tínhamos uma cadela chamada Lassie, tínhamos um canguru chamado Skippy e até tínhamos um cavalo chamado Mister Ed ao qual nem faltava falar. Eu ia vê-los ao café, porque em casa não tínhamos televisão.

P.S. - Hoje é Dia do Animal de Estimação. E Dia Mundial da Justiça Social.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Antes que seja crime

Foto Município de Fafe
Reuniram-se em segredo - disfarçados, desconfiados, culpados e urgentes. Uma candeia sigilosa e tremelicante alumiava resumidamente o silêncio. Sentaram-se à volta de uma generosa vitela assada à moda de Fafe, clandestinos no fim do tempo. Antes que seja crime.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Veganismo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Os bois chamam-se pelos nomes

O porco é Ruço. A porca Vadia. A vaca Amarela. O boi Barrão. O touro Osborne. A turina Malhada. A vitela À Moda de Fafe. O cão Bobi. O elefante Branco. A cadela Laika. A Santa preguiça. O cachorro Kent. O gato Maltês. A gata Borralheira. A cabra Cega. A ovelha Dolly. O cabrito Montês. O cavalo Silva. O burro Velho. O rato Mique. O coelho Anão. O macaco Adriano. O leopardo Negro. O urso Teddy. O teddy Boy. A chinchila Mila. O furão Furão. A tartaruga Ninja. A cobra Dora. A mulher Alheia. O homem Erecto. O peixe Dourado. O surfista Prateado. A sardinha Biba. A pita Arisca. A periquita Alegre. A parreca Molhada. A pomba Branca. O crocodilo Dundee. A lontra Badocha. O pato Patola. O galo Badalo, a galinha Balbina, o pinto Jacinto e o peru Gluglu.
Assim se chamam os bois pelos nomes.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Animal. E Dia Mundial do Médico Veterinário. Para quem não saiba, O Veterinário, assim mesmo por antonomásia, era em Antime.

Reservado o direito de admissão

Foi má ideia aquele letreiro à porta do consultório - "Proibida a entrada de animais". Era um veterinário, valha-me Deus...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Médico Veterinário. E Dia Mundial do Animal. Para quem não saiba, O Veterinário, assim mesmo por antonomásia, era em Antime.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A madama, o cão e o bebé

A madama tinha um cão ao colo e entre as pernas tinha, mas ao nível dos sapatos de tacão altíssimo, uma bolsa em poliéster com rede e design italiano. Era uma madama jovem, bela e produzida, esperável ao volante de um Porsche Cayenne e a lamber o telemóvel, e não ali, no banco do autocarro e a ser lambida pelo cão. O cão era a condizer: sucinto, peludo, de marca, transpirando pedigree por todos os poros. Uma fofura.
Era o expresso Porto-Fafe, praticamente cheio com malta da Universidade e lamentáveis frequentadores do Hospital de São João. Eu nem uma coisa nem outra, ia a Fafe dar um beijo à minha mãe. Portanto a madama e o cão e vice-versa, eu compreendia-os.
Sentia-se-lhes um orgulho mútuo, percebia-se uma relação muito bonita. Que ternura! A madama babada beijava o lingrinhas barbudo e o lingrinhas barbudo e babado beijava a madama babada. Beijavam-se na boca. Lambiam-se, se não me engano. A madama falava xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã e o fraldiqueiro não dizia nada mas apenas por ser cão e por gostar de festas nos genitais e não querer interromper a coisa. Realmente só lhe faltava falar, ao cão, como muito bem observou o autocarro em coro e até eu me comovi, eu que, confesso, mantenho um ancestral e desagradável contencioso com os canídeos de uma forma geral, e cuido que a culpa não é minha. A cena deu-me também um bocado de tesão.

A madama apeou-se na soturna e malcheirenta central de Guimarães, sempre com o cão ao colo, sempre xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã. Com a mão de vago, a madama pousou no passeio a bolsa em poliéster com rede e design italiano, abriu-a e retirou de lá de dentro um bebé de meses. Menino, vestia azul. Também era giro.

Se isto aconteceu mesmo assim? Bem..., podia ter acontecido.

P.S. - Hoje é Dia do Cão.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

O domador

Ele era um desembaraçado domador de camarões-tigres. Até os comia... 

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Tigre. E o Dia Internacional do Tigre, que não sei se já tinha sido inventado, era celebrado, em Fafe, quando calhava, no Peixoto, pela madrugada dentro e já com as portas encerradas e vidros tapados. Íamos do Porto, de propósito, eu e a minha equipa, depois do fecho do jornal, e não podia ser de outra forma. O "meterial" era um bom "meterial", mas o molho secreto do Peixoto fazia-o ainda melhor. Na hora de pagar, lá se ia praticamente a entrada para a compra de uma casa, mas éramos novos e o que é que se havia de fazer?...

terça-feira, 4 de junho de 2024

A invasão das pegas

Lembro-me muito bem. Pegas, se as queria ver, tinha de ir à aldeia, ao campo. Via-as às vezes, uma ou duas, três, sem abusos, nas minhas férias de Verão com a Bó de Basto, em Passos, Cabeceiras, e mais raramente ainda nas bouças de São Gemil e Cavadas, em Fafe, durante o resto do ano. As pegas antigamente eram uma raridade para a vista.
Não sei o que é que aconteceu entretanto, mas hoje em dia as pegas estão em todo o lado, às centenas, e se calhar aos milhares, não estou é para as contar. Decerto derivado ao Parque da Cidade do Porto, o bendito Parque da Cidade do Porto, as pegas instalaram-se de armas e bagagens em todas as redondezas da Invicta e particularmente aqui nesta zona de Matosinhos, que lhe fica mesmo ao lado. A minha rua está agora constantemente cheia de pegas, e eu por acaso gosto de vê-las e até, em dias mais bem dispostos, de ouvi-las, mas não as procuro, nem é preciso.
É realmente uma invasão. A invasão das pegas. Mas também de melros, há que dizê-lo em abono da verdade, e ultimamente de papagaios, que andam por aí aos bandos, desorientados e barulhentos, num falatório que só visto. Pegas, melros e papagaios. Não sei o que é que se passa com o mundo.

(Publicado originalmente no meu blogue Tarrenego!)

sábado, 1 de junho de 2024

O rato de biblioteca

Revoltaram-se os ratos. E pudera. Acusados de serem os primeiros a abandonar o navio, atropelando mulheres e crianças, apontados como sinónimo de cobarde, ladrão, manhoso ou vigarista, introduzidos à força em trocadilhos idiotas e em provérbios e ditos amiúde populares, estavam fartos de levar e calar. Os ratos e inclusive as ratas, muito mais doridas e por maioria de razão.
Revoltaram-se portanto os ratos. Organizaram-se. Chegada a horinha, meteram-se na fila, esperaram pela vez respectiva, marcaram o ponto e abandonaram ordeiramente o navio. Foram os últimos a sair. E apagaram a luz. Já em terra firme, os ratos dirigiram-se sem mais delongas à montanha que os pariu e roeram a rolha da garrafa do rei da Rússia. Todos, menos o Alcides, que era um rato de biblioteca e foi para o Café Avenida ler "A Saga/Fuga de J.B.", de Gonzalo Torrente Ballester.

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Sobreiro e da Cortiça.

domingo, 28 de abril de 2024

Cada macaco no seu galho

"Em que ramo é que trabalhas?", perguntaram-lhe. E o macaco respondeu: "No de baixo, derivado às vertigens..."

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Entre gatos e gaivotas

A minha rua adoptiva, em Matosinhos-sur-Mer, é sítio de vadiagem animal, território de gatos e gaivotas. De umas pombas, vá lá, de uns pardejos lingrinhas, de um ou dois episódicos pintassilvos-comuns ou de uns cães abundantemente cagões e felizmente sem asas. Mas sobretudo, e historicamente, a minha rua é território de gatos e gaivotas, que vêm ao cheiro da comida que a minha vizinha lhes manda da varanda, besuntando de espinhas, patas de frango, gorduras várias e nojo extremo a estrada e o passeio mesmo por baixo do meu nariz. A minha vizinha foi quem chamou as gaivotas, mas entretanto enxota-as a baldes de água fria, porque, não sei se mudou de religião, agora só quer conversa com os gatos.
Ora bem: há mais de trinta anos que moro na minha rua e foram precisos mais de trinta anos para que me aparecesse na rua um melro. Sim, um melro efectivamente, e apresentava-se todas as manhãs. Melro cantor que dava gosto, e lambão benza-o Deus, também ia à marmita dos gatos da vizinha, até que um dia.

Na minha rua passa bissextamente a procissão do Senhor de Matosinhos e naquela altura, isto é, no tempo do melro, estava aqui estabelecido, mesmo na porta ao lado, o Núcleo do Sporting, assiduamente visitado pelo então presidente Bruno de Carvalho, que também é um senhor, não desfazendo, e teve igualmente a sua cruz, ninguém pode dizer o contrário. Exigia-se portanto outro asseio.
Não sei se era para meter raiva aos sportinguistas locais ou se derivado a outro insondável motivo, a verdade é que o melro da minha rua, o meu melro, cantava sem parar o hino do FC Porto. E juro que não fui eu a ensiná-lo, eu seja ceguinho. Os melros, é o que têm, já nascem ensinados.

E eu, perante isto? Eu, que vim de Fafe habituado a melros com fartura, aos gatos em casa e à rede dos caça-cães que vinha do Matadouro e varria o terreiro do Santo Velho de uma ponta à outra, eu, dizia, gostei muito que o estupor do melro tivesse dado com a minha rua adoptiva e com a frente da minha casa. Grande melro! Foi porreiro, porque assim já éramos dois. Mas quê? De repente o melro foi-se embora e Bruno de Carvalho também. Ao Bruno ainda o vejo de vez em quando a fazer figuras na televisão e leio-lhe os amores e os humores na imprensa cor-de-rosa, que é hoje em dia toda a comunicação social portuguesa. Ao outro melro é que nunca mais. Hoje em dia sou só eu. Eu e as pegas. As pegas, que vêm decerto do Parque da Cidade, onde o negócio já deu o que tinha a dar, e são mais do que as mães. Não sei se é do aquecimento global, mas me largam a porta, o raio das pegas, e só me fazem passar vergonhas. A minha rua, quer-se dizer, parece agora um lunapário...

P.S. - Hoje é Dia Mundial dos Animais de Rua.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...