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sábado, 16 de novembro de 2024

Delícias do mar, o raio que vos parta

Foto Hernâni Von Doellinger
Areia macia e morna, água, espuma, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, um fino bem tirado, pescadores, peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de nudistas, vagas memórias infantis de uma semana em família na Póvoa de Varzim, a Foz, Matosinhos, a ver navios, os números repetidamente extraordinários do Porto de Leixões, camarão da costa, gambas cozidas e "tigres" grelhados no Peixoto de Fafe que já não é, cracas em São Mateus, alcatra de peixe no Boca Negra, lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas esturricando agosto e areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os bolinhos de bacalhau da Albertininha da Lameira, as patanisca da minha mulher, as sardinhas fritas do Paredes, a punheta de bacalhau do meu cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto, que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de molho-verde, o meu polvo frito, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas assadas da saudosa Dona Dina na Apúlia, o esplêndido rodovalho para "o senhor do rodovalho" que era eu mal entrava a porta, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas malandro, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel, as fanecas do Manel do Campo, biqueirão, marmotinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia frita no Salta o Muro aqui à porta, a lagosta na ilha de São Jorge comida à ganância e à moina, as percebes na ilha do Sal, as bandejas nas rias galegas, fish and chips num velho pub irlandês, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de Setúbal degustadas em Bordéus, a mastodôntica cabeça de pescada que vou cozer para o jantar de hoje, os tremoços da Marrequinha da Recta, as castanhas assadas da Maria Barraca e até bolas de berlim bissextamente compradas na Rua da Junqueira mais famosa do país. Isto são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos empacotados e refrigerados em vácuo e vendidos à babuge nos supermercados não são, por mais que lhes chamem, delícias do mar! Não, não e não! Serão tudo o que quiserem - delícias do mar, não!

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Mar.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

O inexplicável Zé Manel Carriço

O Zé Manel Carriço era um exagerado e provavelmente a pessoa mais extraordinária que conheci em toda a minha vida. O Zé Manel não comprava maços de tabaco, comprava volumes de tabaco, caixotes, camiões inteiros de tabaco, navios da proa à popa! Tradicionalista, conservador, teimoso, megalómano, excêntrico, reaccionariozinho apesar de inventor patenteado, mas também inteligente, polímata, empreendedor, visionário, elegante, disponível, inexplicável enfim, o Zé Manel até comprou um jornal falido que depois publicava uma vez por ano para manter o título, até comprou um cinema por pura vaidade, vejam lá! O Zé Manel comprava tudo, e a dinheiro, não acreditava no valor do plástico e desconfiava da honestidade dos cheques. Por isso ele andava sempre com a carteira grotescamente amarrecada por um enorme molho de notas de conto como se todos os dias tivesse de ir à feira do gado mercar uma junta de bois. Ou duas. Ou três. Ou mais. As notas chegavam e sobravam para começar de raiz uma manada completa. O Zé Manel fazia questão que fosse pública e notória a sua fartura. Ah!, e o Zé Manel Carriço era um homem amiúde generoso, mesmo muito generoso, mas essa parte ele preferia que não se soubesse.
Às vezes o José Manuel, que de baptismo era Rodrigues, levava-me a umas noitadas privadas e filosóficas (ele, o Pimenta e eu) no Peludo antigo, mesmo em frente ao seu atafulhado atelier, o que nos era de uma extrema comodidade. As noitadas entravam pela madrugada dentro, porque o Zé Manel tinha muito que contar e nós gostávamos muito de ouvir. As histórias do Zé Manel eram como as rodadas de cerveja, umas atrás das outras. O Sr. Avelino fechava para nós. Comia-se um marisquito, que àquelas altas horas estava já nas últimas, e sobretudo bebiam-se finos, com tremoços, para fazer boca. Mais do que uma vez esgotámos o stock de copos, enchendo de vasilhame babujado sete ou oito mesas à nossa volta, o café inteiro, porque o Sr. Avelino gostava muito de fazer a conta no fim. Partiam-se alguns copos, o Sr. Avelino afinava, tomava nota para acrescentar ao rol. Mas o pior era o desbaste dado nos tremoços, que pedíamos repetidamente por uma questão de princípio.
Uma noite o Sr. Avelino não aguentou e queixou-se: - Sr. Zé Manel, assim não pode ser, já comeram mais de dez pires de tremoços. É um prejuízo muito grande. Os tremoços custam-me dinheiro, valha-me Deus!...
O Zé Manel foi ao bolso do casaco, sacou da carteira marreca, tirou uma mão-cheia de notas e disse séria, calma e secamente: - Ó Avelino, traz-me cinco contos de tremoços! - e pousou o dinheiro como mão de póquer em cima da única mesa de vago, sem copos, que por acaso era a nossa...

P.S. - Publicado originalmente aqui no dia 4 de Agosto de 2023.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

As barbas de molho

Até que um dia, de tanto ouvir falar naquilo, ele pôs as barbas de molho. Mas nunca soube para quê. Se ainda fosse bacalhau! Ou, vá lá, pelo menos uns tremoços...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Barba.

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O fabuloso Zé Manel Carriço

O Zé Manel Carriço era um exagerado e provavelmente a pessoa mais extraordinária que conheci em toda a minha vida. O Zé Manel não comprava maços de tabaco, comprava volumes de tabaco, caixotes, camiões inteiros de tabaco, navios da proa à popa! Tradicionalista, conservador, teimoso, megalómano, reaccionariozinho, apesar de inventor patenteado, mas também inteligente, polímata, empreendedor, visionário, elegante, disponível, o Zé Manel até comprou um jornal falido que depois publicava uma vez por ano para manter o título, até comprou um cinema por pura vaidade, vejam lá! O Zé Manel comprava tudo, e a dinheiro, não acreditava no valor do plástico e desconfiava da honestidade dos cheques. Por isso ele andava sempre com a carteira grotescamente amarrecada por um enorme molho de notas de conto como se todos os dias tivesse de ir à feira do gado mercar uma junta de bois. Ou duas. Ou três. Ou mais. As notas chegavam e sobravam para começar de raiz uma manada completa. O Zé Manel fazia questão que fosse pública e notória a sua fartura. Ah!, e o Zé Manel Carriço era um homem amiúde generoso, mesmo muito generoso, mas essa parte ele preferia que não se soubesse.
Às vezes o José Manuel, que de baptismo era Rodrigues, levava-me a umas noitadas privadas e filosóficas (ele, o Pimenta e eu) no Peludo antigo, mesmo em frente ao seu excêntrico atelier, o que nos era de uma extrema comodidade. As noitadas entravam pela madrugada dentro, porque o Zé Manel tinha muito que contar e nós gostávamos muito de ouvir. As histórias do Zé Manel eram como as rodadas de cerveja, umas atrás das outras. O Sr. Avelino fechava para nós. Comia-se um marisquito, que àquelas altas horas estava já nas últimas, e sobretudo bebiam-se finos, com tremoços, para fazer boca. Mais do que uma vez esgotámos o stock de copos, enchendo de vasilhame babujado sete ou oito mesas à nossa volta, o café inteiro, porque o Sr. Avelino gostava muito de fazer a conta no fim. Partiam-se alguns copos, o Sr. Avelino afinava, tomava nota para acrescentar ao rol. Mas o pior era o desbaste dado nos tremoços, que pedíamos repetidamente por uma questão de princípio.
Uma noite o Sr. Avelino não aguentou e queixou-se: - Sr. Zé Manel, assim não pode ser, já comeram mais de dez pires de tremoços. É um prejuízo muito grande. Os tremoços custam-me dinheiro, valha-me Deus!...
O Zé Manel foi ao bolso do casaco, sacou da carteira marreca, tirou uma mão-cheia de notas e disse séria, calma e secamente: - Ó Avelino, traz-me cinco contos de tremoços! - e pousou o dinheiro como mão de póquer em cima da única mesa de vago, que por acaso era a nossa...

Ora bem. Hoje é Dia Internacional da Cerveja. O Dia Internacional da Cerveja é um Dia De tão palerma e desnecessário como a maioria dos outros Dias De e foi inventado por uns maduros americanos de Santa Cruz, na Califórnia, em 2007. A efeméride é assinalada em meia centena de países de todo o mundo, incluindo Portugal. O principal objectivo deste peculiar Dia De é, consta dos estatutos, estar com amigos para saborear a cerveja. Quer-se dizer, Dia Internacional da Cerveja é quando um homem quiser e os amigos tiverem vagar. Ou por outra, o Dia Internacional da Cerveja eram aquelas noites com o Zé Manel e com o Pimenta, mas ainda não tinha sido inventado e eu ainda não sabia.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...