Sempre gostei da palavra amantes. Desde pequeno. Claro que nesse tempo os amantes eram um senhor numa Florett que se encontrava com uma senhora, já fora da vila, e depois iam os dois para uma quelha fazer o que tinha de ser feito, de preferência na furtiva Quelha do Santo Velho, que agora é uma bem frequentada rua de cafés e escolas. O senhor e a senhora eram casados, mas não reciprocamente. Naquele antigamente não era recomendado e muito menos obrigatório o uso do capacete. Derivado a isso a senhora às vezes tinha filhos que não eram parecidos com o pai.
O senhor da Florett e a senhora malsatisfeita eram amantes, estavam amantizados. Toda a gente da terra sabia. Fafe ainda hoje é uma terra pequena. Cochichava-se, mexericava-se, emprenhava-se também pelos ouvidos. Num misto de recriminação e inveja, os amantizados eram olhados de esguelha, havia quem mudasse de passeio, quem baixasse os olhos, quem deixasse de os salvar. Isto era com as mulheres. Às amantes, a religião chamava-lhes pecadoras, adúlteras. Com eles, parecia que havia uma espécie de respeito, de admiração: aos homens, o povo chamava-lhes pinantes, verrumadores.
Mas o que havia sobretudo era muita dor de... cotovelo.
As mulheres falavam com orgulho no "meu amante" e batiam no peito, nos peitos, com toda a força do corpo, sem vergonha e sem vergonhas, reclamando o que lhes pertencia de direito a troco do que davam. Os homens faziam de conta. Os cornos não eram os últimos a saber. Se calhar eram os primeiros. Só podia dar para o torto. E dava.
Lembro-me muito bem, de uma vez, exactamente no Santo: houve uma espera, pancadaria da velha entre mulher legítima e a outra, na disputa por um lingrinhas que se ria como um perdido e era feio como um calhau - outras competências teria. Parecia as festas da vila, eram girândolas de sapatos, brincos e cabelos pelo ar, orelhas esgaçadas, saias arregaçadas, blusas esventradas, recíprocas recomendações de higiene íntima guinchadas (parecia nos altifalantes do Baptista) com indicações precisas sobre os locais do corpo que careceriam de arejo, mais arranhões e bofetadas, encontrões e apalpões, tropeções e tudo ao molho, tudo a aproveitar, tudo a aplaudir.
Foi mesmo assim, palavra de honra. A amásia deu parte de fraca e deixou-se ficar no chão. Espumava por todos os lados. O rosto passava-lhe do vermelho ao verde, que até parecia um semáforo. Nós em Fafe ainda não sabíamos o que era um semáforo, mas era aquilo. A ofendida batia no ar e falava ao mesmo tempo - "A badalhoca enche-o de gemadas para ele não lhe sair de cima". E, perante a robustez do argumento, à outra deu-lhe o fanico, cheia de vergonha e ranho, esparrando-se ao comprido...
Acorreu o senhor Zé Manco, que tinha um tasco-mercearia, A Primorosa, e era muito jeitoso para dar injecções. Para além disso, o molageiro gostava também de pôr a mãozinha no sopeirame local. "É afastar, faz favor, é dar espaço, para ela respirar", dizia o senhor Zé Manco nos seus domínios, abrindo de vez a blusa da amantizada, baixando-lhe um quase nada o sutiã e expondo um quase tudo de uns seios brancos como a neve, coisa linda de se ver. Depois, uma caneca de água fresca cabeça abaixo da desmaiada, "para a mulher espertar". E a mulher espertou.
E eu fiquei ali a gostar ainda mais da palavra amantes.
Por essa altura, a extraordinária e breve Janis Joplin berrava desalmadamente por um Mercedes Benz. Eu, na minha equívoca inocência, só pedia muito baixinho a Deus Nosso Senhor que me desse uma Florett. Uma Florett! E, se não fosse abuso, se não fosse pedir demais, que me desse também muitas gemadas e a correspondente força na verga...
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