sexta-feira, 31 de março de 2023

Perder a bola em zona de construção

Perder a bola em zona de construção é uma chatice. São os taipais, os andaimes, a maquinaria, os buracos, a lama, ferros mais ou menos retorcidos, a obrigatoriedade de uso de capacete, colete de sinalização e botas de biqueira de aço, e ainda por cima é "proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço". Mais vale dizer adeus à bola...

P.S. - No dia 31 de Março de 1914 foi criada a União Portuguesa de Football, actual Federação Portuguesa de Futebol.

No fundo do desemprego

Viu um anúncio a pedir idiotas e lá foi ele. Estava no fundo do desemprego e respondia a todos os anúncios.

P.S. - O subsídio de desemprego foi criado no dia 31 de Março de 1975.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Ora meta-me o cu pelo nariz acima!

A Bó de Basto contava. Já não lembro se era história verdadeira derivada a alguém da família antiga ou apenas diz-que-diz-que a respeito de vizinhos lá da aldeia, liornas às tantas. Sei é que era um casal e que o casal se tratava por você - forma de tratamento muito mais rústica e ancestral do que cuidam as tias e os tios do então-vá e as sobrinhas do então-venha.
Como já aqui expliquei, naquele tempo e pelas nossas bandas, beber vinho era, à falta de outros horizontes, um honrado modo de vida. E, quanto ao casal da nossa história, marido e mulher também bebiam a sua pinguinha, que era uma forma modesta de dizer que passavam todo o santo dia com a malga de americano caseiro enfiada nos queixos. Que se segue: de vez em quando, à noite, o caldo entornava-se. Fosse pelo vinho, fosse pela falta de petróleo na candeia, que se chamava "luz", fosse pelo empurrão traiçoeiro do lume da lareira, o casal desavinha-se. Nada de grave ou físico, apenas desconversa. Ralhava um, ralhava o outro, cada qual ameaçava que: "Caralho que!...", mas nada. Até que uma maré, ele - só podia ter sido ele -, sacramentalmente dono da última palavra e mortinho por ir para a cama, arrumou a questã da melhor maneira que soube e pôde, que foi, virando-se para ela: "Ora meta-me o cu pelo nariz acima". Para logo remendar, coçando as partes com um entusiasmo que só visto: "Ora vá bardamerda, que até me enganei". E depois foram fazer meninos um com o outro, que naquela terra era assim e muito.

Em Basto, no Inverno, no tempo em que havia estações do ano, era noite logo às cinco da tarde ou antes, mas ninguém se queixava e nasciam muitas crianças. Em Portugal era noite há mais de quarenta anos, e outros portugueses noutros sítios estariam ainda em pior situação, suspeitava-se de bico calado lá naquele fim do mundo alumiado a "pitroil", e nunca percebi como é que aquele povo todo não morreu vítima de uma epidemia de incêndios vínicos e domésticos. Já agora: se a "luz" fosse a pilhas, uma novidade que chegou a Passos com o atraso considerado pelas autoridades como o mais conveniente, então chamava-se "foxe", devendo dizer-se "focse". E, sim, escrevi mesmo questã, não lhe falta o ó final...

Fogo posto, lareira acesa

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 28 de março de 2023

A diferença

A diferença entre os centros históricos e os centros histéricos está sobretudo na compostura. E na vogal do meio, evidentemente

Marcos históricos

Marco Polo, Marco Aurélio, Marco António, Marco de Canaveses, Marco do Big Brother, Marco dos Apeninos aos Andes, Marco Caneira, Marco Chagas, Marco Pantani, marco miliário, marco quilométrico, marco geodésico, marco temporal, João Simão da Silva, Marco ni e Marco Bellini. Isto apenas por exemplo.

Centros históricos

Os centros históricos são como os chapéus: há muitos. Ljubinko Drulovic que o diga e Mário Jardel que agradeça. Mas calcanhar de Madjer só houve um. O resto são imitações.

P.S. - Hoje é Dia Nacional dos Centros Históricos.

segunda-feira, 27 de março de 2023

sábado, 25 de março de 2023

Descendo ao topo da hora

Ora cá está mais uma interessantíssima problemática. A problemática do "topo da hora", esse escusado e equívoco bordão radiofónico que hoje me proponho dissecar com a seriedade intelectual e a profundidade filosófica do costume.
Na rádio, o "topo da hora" é o sítio onde estão colocados os noticiários. Os noticiários alargados, entenda-se, porque também há as edições apertadinhas, às meias. Doses. "Notícias no topo da hora", costumam dizer-nos os locutores ou jornalistas, remetendo-nos, por exemplo, para as 11 horas, para o noticiário das 11 horas. E aqui é que bate o ponto. Porque (sigam o meu raciocínio, por favor), se o noticiário das 11 horas for no "topo da hora", ele deverá ir para o ar às 11h59m59s, porque aí é que é o topo da hora 11. Isto é: para estarem no "topo da hora", as notícias das 11 só são ao meio-dia; porque, na verdade, as 11 são o topo da hora, mas das 10, da hora 10. O que quer dizer que temos andado estes anos todos com os noticiários trocados.
Que não restem dúvidas: topo, neste contexto, quer dizer a parte mais elevada, o cume. E o cume de uma hora é o último segundo antes de ela entrar na hora seguinte. É certo que topo também pode significar extremidade, mas, se forem por aí, recomenda-se aos senhores locutores, jornalistas e radialistas em geral que apontem sempre as notícias para o topo de baixo.

A que vens, solidão, com teu relógio?

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 24 de março de 2023

A revolução tem dias

Conspiravam. Viviam numa satisfatória clandestinidade, numerados de Um a Doze. Mas tinham as suas fontes. Geralmente bem informadas. Eram os meados da década de setenta do século passado. Na reunião de Março, pela noute, em absoluto respeito pelas cautelas catacumbais religiosamente estabelecidas, desligaram o aparelho de televisão por alturas do TV 7, ligaram a telefonia no relato de um Espanha-Portugal em hóquei em patins para disfarçar, colocaram os óculos e apagaram a luz, esbarraram-se uns nos outros, partiram meia dúzia de chávenas e três copos, e os óculos, juntaram as múltiplas informações recolhidas à socapa no mundo exterior, assopraram-lhes cerimoniosamente o pó, decantaram-nas, apreenderam as entrelinhas, montaram o Puzzle, que era um cavalo malhado que dava para todos, mas à vez, pediram mais uma rodada de finos e quatro pires de tremoços, e concluíram que estavam prontos e imperiosos. "É preciso fazer o 25 de Abril!", anunciou o Número Um. "E para quando é que marcamos isso?", perguntou o Número Dois.

P.S. - A última reunião clandestina da Comissão Coordenadora do MFA, que decidiu o derrube do regime fascista num golpe militar a concretizar entre 20 e 29 de Abril, realizou-se no dia 24 de Março de 1974, faz hoje 49 anos.

Vou-te contar a história verdadeira

Foto Tarrenego!

quinta-feira, 23 de março de 2023

Eu só queria ir à farmácia

Eram para aí 17h15. Fui à farmácia e perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei, "aconteceu-me isto assim assim e queria ver se me podiam dar qualquer coisa para o meu problema". O meu problema era no olho. Direito. "Ora mostre lá o olho", e eu mostrei, "ui, vai ter de ir ao médico", e eu fui. A pé, da Rua Brito Capelo até ao Centro de Saúde de Matosinhos, que é um pedaço acima da Câmara Municipal.
No centro de saúde fui atendido em menos de uma hora. Perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei "aconteceu-me isto assim assim, fui à farmácia, na farmácia mandaram-me ao médico, e eu vim". "Ora mostre lá o olho", e eu mostrei, "vai ter de ir imediatamente ao oftalmologista, mas, como no Hospital Pedro Hispano não temos urgência da especialidade, pegue lá esta carta e vá ao Hospital de Santo António", e eu fui. A pé até à Avenida Serpa Pinto, apanhei o autocarro 500 até ao Castelo do Queijo, esperei uma hora pelo autocarro 200 e lá cheguei ao Santo António, no centro ensarilhado da cidade do Porto, quando o trânsito me deixou.
Na urgência fui atendido em menos de um quarto de hora. Perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei "aconteceu-me isto assim assim, fui à farmácia, na farmácia mandaram-me ao médico, o médico mandou-me aqui, e eu vim". "Ora mostre lá o olho, encoste aí o queixo e olhe para esta luzinha", e eu mostrei, encostei e olhei. "Tome lá esta receita, são umas gotas para colocar de duas em duas horas, vá já à farmácia", e eu fui. Estava de volta à casa de partida, passava pouco das 21h45.
Quatro horas e meia de razoável diversão e salutar convívio. E tudo isto pelos módicos cinco euros da taxa que ainda se pagava no centro de saúde, mais as viagens e os quase catorze euros das gotas, que afinal nem precisavam de receita médica, e que estou a pensar meter como despesas de representação. Vou-me queixar de quê?

P.S. - Infelizmente já não há Quinzinhos da Farmácia. Hoje é Dia Mundial da Optometria, e ninguém diga que está livre...

Os 160 anos do Hospital de Fafe

Foto Hernâni Von Doellinger
A exposição "Hospital de São José: 160 anos ao serviço da comunidade" está patente ao público no Arquivo Municipal de Fafe. A mostra pode ser visitada, com entrada livre, até ao próximo dia 21 de Maio. Mais informação e horários da exposição, aqui.

Eu também tenho histórias do Hospital de Fafe, que podem ser lidas aqui e aqui. E do Sr. Ferreira do Hospital, mais importante ainda, aqui, aqui e aqui, pelo menos.

O mundo do Comendador

Foto Delta Cafés
Falei uma vez com Rui Nabeiro. Pelo telefone. Seriam os finais de 2008 e a Universidade de Évora acabara de anunciar uma parceria com a Delta Cafés para a criação da Cátedra Rui Nabeiro - Biodiversidade. Eu precisava de fazer uma notícia sobre o assunto, e o famoso e certamente atarefado empresário, não me conhecendo de lado nenhum, concedeu-me gentilmente uma dúzia de minutos do seu precioso tempo, logo que consegui ultrapassar a burocraciazinha da ordem, a redoma, nada de mais.
Rui Nabeiro contou-me que a ideia da cátedra nascera de uma conversa com o reitor da universidade, de quem era amigo. Um quase por acaso motivado pela ligação da Delta à academia e, no geral, às questões da biodiversidade, nomeadamente em tudo o que dissesse respeito a café e à sua produção. "Ele achou que era bonito a cátedra ter o meu nome, e eu aceitei", disse-me então, simplesmente.
A relação da Nabeiro com a universidade foi toda a vida apenas esta - ajudar. "Ajudar os outros", como fazia questão de enfatizar. "Sou um sonhador dessa área, gosto que a universidade seja cada vez melhor e que os alunos aprendam cada vez mais", explicava. Ele ficara-se pela velha instrução primária. "Estávamos no interior do interior do país. As condições eram muito difíceis e era preciso ir trabalhar, quanto mais cedo melhor. Mas a 4.ª classe daquele tempo já era um curso", atirou-me, para rematar a chamada, e eu quis-me parecer, assim à distância de 300 quilómetros, que o Sr. Rui se ficou a rir...

Vi ao vivo Rui Nabeiro, talvez algum tempo depois, em Paredes de Coura, mas nem eu me apresentei nem ele se apresentou. Ficámos quites. Foi por ocasião do festival de música, de que a Delta seria muito provavelmente um dos principais patrocinadores. O empresário e o seu estado-maior, sobretudo familiar, subiram ao Minho e decerto aproveitaram para fiscalizar no local como é que o seu dinheiro estava a ser gasto. Isto sou eu a dizer.
Nabeiro e os seus fizeram a escolha dos sábios e foram almoçar ao excelentíssimo e infelizmente já desaparecido Restaurante Conselheiro, do meu saudoso e querido amigo Manuel Vilaça Pinto. Eram uma mesa enorme. Eu e a minha mulher já lá estávamos no mesmo, como era costume quase todos os fins-de-semana dos bons tempos, na nossa mesinha, no nosso canto. E então passou-se algo de extraordinário...
Com avanço de cerca de meia hora em relação à hora de chegada prevista do patriarca da família e líder do conglomerado empresarial, uma pequena equipa de executivos da Delta entra tipo comando no restaurante, armada até aos dentes com os seus vinhos, com o seu café, com as suas chávenas e os seus pires. Vinhos do Grupo Nabeiro, café Delta e chávenas e pires Delta. Os operacionais são rápidos e eficientes, vê-se que estão bem treinados. Ao cronómetro. Desencaixam, desembrulham, entregam. Já fizeram isto milhões de vezes. São homens de acção. De boas acções.
Não é daquilo que o Conselheiro gasta, não é aquilo que o Conselheiro serve, mas o impecável amigo Vilaça alinha de boa vontade na ilusão, no mimo, coisa combinada secretamente de véspera. E é aquele vinho que vai para a mesa, e será café Delta em chávenas e pires Delta que encerrará a refeição da família Nabeiro. O patrão e pai virá, enfim, e verá, porventura com renovada satisfação mas sem surpresa, que o seu império chega realmente a todo o lado...

quarta-feira, 22 de março de 2023

É fresca e doce!...

Foto Hernâni Von Doellinger
"Quentes e boas" são as castanhas, assim chamadas derivado à própria cor. Este Inverno por acaso até só foram quentes, às vezes nem isso, de resto apresentaram-se geralmente uma boa merda - secas, bichosas, bolorentas até. Mas ao que interessa: o pregão era, e ainda é, "Quentes e boas!", ou, como se dizia em Fafe, "Castanhas assadas a vapor, ó que boas, ó que boas!..."
No Verão da nossa terra, no Verão antigo, já a conversa era outra. Umas abençoadas senhoras, provavelmente as mesmas das castanhas mas sazonalmente reconvertidas, andavam pela caloraça das feiras e romarias vendendo copos de água de mina adoçada com açúcar amarelo e um remoto gosto a limão. Na vila, às quartas-feiras, pelos 16 de Maio ou pela Senhora de Antime, a "mina" era a bica da poça do Santo, que ficava ali à beira e era só comodidade. Em cima da cabeça, as despachadas senhoras, equilibristas que remédio, levavam uma rodilha e por cima da rodilha, consoante o uso dos sítios, uma bilha de barro ou um cântaro de lata revestido a cortiça. Anunciavam "Fresca e doce!", a água, e desatavam a fugir, de socos na mão e pés descalços, mal se precatavam da presença, ainda que distante e distraída, do perigosíssimo fiscal da Câmara...

Atire-se ao vinho, porra!

Não se iluda com estas chuvadas de molha-tolos! Com o calor e a seca que tivemos todo o ano passado, com Espanha a fechar rios e a desviar caudais, com as barragens quase no sarro, com os canos aos safanões e as torneiras cheias de tosse e catarro, é preciso, é imperioso, é de vida ou morte moderar o consumo da água. Por si, pelos seus, por todos nós, pelo futuro, por favor atire-se ao vinho. Ao vinho, porra!

Fontes & fontes

Fonte baptismal, fonte de vida, fonte luminosa, fonte de alimentação, fonte de ignição, fonte da juventude, fonte de inspiração, fonte de transpiração, Fontes de Onor, Fonte Arcada, Fonte da Telha, Fonte das Sete Bicas, Fonte do Bastardo, Fonte do Santo, Fonte da Cana, José Fonte, Fontes Pereira de Melo, Fontes Rocha, Fontes de Alencar, Adios rios adios fontes.

Cuidado com as constipações

Água vai! Mas vinho ainda vai melhor...

Pedimos desculpa por esta interrupção

Hoje é Dia da Água. Amanhã voltamos ao vinho.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Água. Em Portugal é também Dia do Teatro Amador. Na mitologia grega o dia é consagrado a Hércules ou Herácles.

segunda-feira, 20 de março de 2023

O milagre da máquina de flippers (ou Fafe e o jogo)

Naquele tempo, Quitério chegou-se um pouco mais, encostou a perninha como quem não quer a coisa, e disse: "Se me dá licença, Luisinha, vou contar-lhe uma pequena história a propósito. Uma parábola, que também as sei. Era uma vez um velho pescador muito pobre, muito pobre, tão pobre que nem moscas tinha em casa. A sua amantíssima esposa era muito velhinha, muito velhinha, tão velhinha que sentia a falta das moscas. E não tinham filhos. Certo dia, quando andava na faina à faneca, o paupérrimo pescador foi surpreendido por uma violenta tempestade. Uma tempestade dir-se-ia talvez que dantesca, se não fosse asneira dizê-lo. As ondas eram adamastores, o barco uma casca de noz, uma esfera desgovernada numa máquina de flippers de gás a fundo. - É hoje que me afogo, é hoje que me afogo -, pensou o homem e calçou as galochas, sem fazer ideia do que é uma máquina de flippers. A aflição do velhíssimo pescador era do tamanho da borrasca: medonha. Graças a Deus, lembrou-se do Mártir São Sebastião e fez uma solene promessa: se Nossa Senhora do Leite e do Bom Parto lhe mandasse um filho, meteria imediatamente os sogros num asilo, livrando-os da fome de cão que passavam lá em casa, assim São Pedro o permitisse. Nessa noite de milagre, quando voltou são e salvo ao porto de abrigo do seu modesto porém honrado lar, a sua velhíssima e amantíssima esposa tinha-lhe guardado no borralho mortiço o fundo de uma malga com farinha-de-pau. O pescador despejou as galochas na pia de lavar a louça, para aproveitar, e ceou. Assim se passaram as coisas."
De braços teatralmente abertos, com a mão direita segurando a chávena do café e a esquerda agarrada ao pires, abanando compenetradamente a cabeça, em movimentos curtos, ritmados, de cima para baixo ou vice-versa a partir de uma certa altura, confirmando em absoluto a profundez da mensagem supra, Quitério fixava, inquiridor, num silêncio eloquente, uma estranha Luisinha que o olhava de boca aberta. Cansado de estar calado e de abanar a cabeça, Quitério perguntou finalmente: - Percebeu? - Olhe que não sei bem... - defendeu-se Luisinha, mais confusa era impossível. - Pois aí tem, exactamente a esse ponto é que eu queria chegar - sentenciou Quitério, dando por encerrada a sessão.

As máquinas de flippers chegaram a Fafe creio que pelos finais da década de 70 do século passado e assentaram arraiais na exígua sala de bilhares do velho café Peludo, onde Serafim d'Eiteiro debitada pérolas filosóficas para jogadores momentaneamente ensandecidos. Fafe daquele tempo, sobretudo Fafe fora de horas, era uma terra de jogo, havia muito vício, muita batota. O bom povo de Fafe jogava ao quino, pelo Natal, no Peludo exactamente. Jogavam maus meninos bem, todo o ano, toda a noite, no Club Fafense, desperdiçando sorrateiras fortunas de berço. Jogavam os novos cavalheiros da indústria, desalinhados e ricos a estrear, toda a noite, todo o ano, no Fernando da Sede, de porta respeitosamente fechada. (Para entrar era preciso saber o santo-e-senha. Eu sabia, entrava, mas não jogava.) Jogava-se aos pinhões em casa, jogava-se ao bilhar, ao dominó, à sueca, à lerpa, às copas, ao sete e meio, ao montinho e à malha em todo o lado, a dinheiro, a cerveja ou a vinho, e até se jogava ao pau e à bola, mas isso já era para predestinados. Em Fafe jogava-se forte e feio. A tudo. E até se jogava ao pilas, como oportunamente contarei.
Os flippers chegaram a Fafe e foi uma febre medonha. Medonha, como a tempestade da história, da parábola. Eram sempre os mesmos, os do póquer, que eram os do bilhar, que eram os do dominó, que eram os das copas, agora apanhados pelo pinball, e apostava-se ali à rica e sempre com o dinheiro na mão. Os recordes, sucessivamente batidos, valiam belas maquias. Eram autênticos agarrados, constavam-se lares praticamente desfeitos. Era preciso marcar vez, havia quem pagasse por uma vaga, havia quem se esquecesse de ir trabalhar à tarde, só para não largar a máquina, deixando-a à mercê da concorrência. Não havia vida para além dos flippers, morava-se ali, ao som daquelas campainhas mágicas, sem mulheres, sem filhos, e ao fim da noite talvez também sem um tostão no bolso. Depois as máquinas foram embora, foi a sorte, ou então milagre, e os jogadores tornaram a casa, às mulheres e aos filhos, à vida real. Até que chegaram os telemóveis...

P.S.- Hoje é Dia Internacional do Contador de Histórias, modéstia à parte.

domingo, 19 de março de 2023

Vai haver uma merda, disse ele

Foto Hernâni Von Doellinger
Um considerável pelotão de cicloturistas domingueiros passa em algazarra e desorganizado, atravancando razoavelmente a Rua Brito Capelo, centro decadente da cidade de Matosinhos. O líder do grupo olha para a esquerda, para o lado do mar, e vê uma multidão de milhares de sonoros atletistas domingueiros atravancando razoavelmente o Passeio Atlântico em aquecimento aos magotes cada qual mais pândego para a 19.ª Corrida Dia do Pai. O Passeio Atlântico está já de si razoavelmente atravancado com tralha domingueira despejada pelo Município matosinhense para inglês ver. Mas então, o líder dos cicloturistas, que é português de Rio Tinto, vê os atletistas e grita para trás, para os seus companheiros do pedal, provavelmente surdos:- Vai haver uma merda! Já estamos fodidos!...
E o pelotão, bem mandado e galhofeiro e afinal excelente ouvinte, repete razoavelmente e aos repelões:
- Fodidos!... Fodidos!...
Ah!, mansa vida, as manhãs de domingo na marginal de Matosinhos...

Eu sei que vou levar nas orelhas. O Nestinho - que é cicloturista e ex-ciclista, que é atletista e maratonista bissexto, que é eminente motociclista, mototurista e às vezes motosserrista, que aprendeu comigo a gostar de Fafe, e gosta muito, que é provavelmente uma das cinco melhores pessoas do mundo, e eu nunca soube das outras quatro -, o Nestinho, dizia eu, vai ralhar-me. Mas as coisas passaram-se razoavelmente assim...

sábado, 18 de março de 2023

O rato de biblioteca

Revoltaram-se os ratos. E pudera. Acusados de serem os primeiros a abandonar o navio, atropelando mulheres e crianças, apontados como sinónimo de cobarde, ladrão, manhoso ou vigarista, introduzidos à força em trocadilhos idiotas e em provérbios e ditos amiúde populares, estavam fartos de levar e calar. Os ratos e inclusive as ratas, muito mais doridas e por maioria de razão.
Revoltaram-se portanto os ratos. Organizaram-se. Chegada a horinha, meteram-se na fila, esperaram pela vez respectiva, marcaram o ponto e abandonaram ordeiramente o navio. Foram os últimos a sair. E apagaram a luz. Já em terra firme, os ratos dirigiram-se sem mais delongas à montanha que os pariu e roeram a rolha da garrafa do rei da Rússia. Todos, menos o Alcides, que era um rato de biblioteca.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Fafismos

Como certamente repararam, este blogue passa a chamar-se Fafismos. Apenas uma questão de título. O endereço original mantém-se, porque o orgulho de ser de Fafe também.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Uma casa na padaria

Sou uma pessoa muito antiga.
Eu sou do tempo em que
padaria era uma loja que vendia pão.

Há uma senhora que mora na minha padaria. Digo que mora na minha padaria porque, seja qual for a hora a que eu lá vá - oito, onze, meio-dia, quatro ou seis da tarde -, a senhora está lá, na mesa do canto, ao lado do balcão, quem vai para os lavabos. É exactamente para esse endereço que as Finanças lhe mandam as contas dos impostos: Dona Fulana de Tal, Mesa do Canto Ao Lado Do Balcão Quem Vai Para Os Lavabos, 4450-275 Matosinhos.
A nossa padaria em Fafe era na Rua Monsenhor Vieira de Castro, lado direito, com o Largo pelas costas e o cruzamento do Santo Velho mesmo à frente do nariz. Ficava por baixo da casa dos pais do Paulinho, que eram os donos do estabelecimento, entre as lojinhas da Dona Vitória capelista, que era uma santa, e da Aurorinha Maia, que era um vulcão, não desfazendo. Depois tivemos de mudar para o Assento e para a Padaria Moura, mas nesse tempo já eu andava por fora a dar água sem caneco. Lembro-me, ainda assim, que as padarias vendiam bijus, bicas e pães-de-leite para os ricos, broa grossa, broa fina, às vezes sêmeas e regueifas ou roscas principalmente pela Páscoa. Enfim, vendiam pão. Isso eram as padarias.
Mas hoje em dia as padarias são tudo: café, salão de chá, pastelaria, cervejaria, restaurante, casa de pasto, tasco, pensão, centro de convívio, sociedade recreativa, quiosque, tabacaria, meeting point, posto de turismo, guiché de informações variadas. E vendem de tudo, até pão, o que é curioso. São os tempos que correm: o meu talho também vende ovos, azeite, queijo, vinho, peixe congelado, feijão, ananás e pêssego enlatados. E a minha farmácia tem sempre a hortaliça mais fresca aqui da zona.
Sendo tudo, a minha padaria tem televisão e, portanto, milhões de opiniões. A campeona do palpite é a cliente residente, cuja, para mal dos meus pecados, padece de uma voz deveras agreste e guinchada uma oitava acima como se fosse o Bruno de Carvalho mas ao contrário. Nunca a apanhei calada...
"Não. O meu filho não gosta de andar!...", anunciava um destes dias a senhora que mora na minha padaria. "Podes ter gosto", dizia eu cá para mim. "Um marmanjo com mais de trinta anos e que não gosta de andar. Está bem, Alfreda! Até eu ando, até eu me rendi à caminhada, ao exercício físico, e que bem que me faz...", continuei com os meus botões.
Mas ela insistia, parecia tola a mulher, cheia de orgulho no calaceiro: - O meu filho não gosta de andar. Não. Não gosta de andar...
"Ai que caralho!", ia eu pensar, quando a senhora que mora na minha padaria rematou: - Não gosta de andar. Uma casa, nem que fosse pequenina, mas com tudo, ele preferia. Uma casinha. Andar, não!

Outros voos

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 14 de março de 2023

Dia do Pi

Hoje é Dia do Pi. Por cá hoje é 14/3, mas se for na América é 3/14, e portanto, como quem manda no mundo é a América, hoje é Dia do Pi para todos e quem tiver umas luzes de matemática sabe porquê. É preciso que se note, porém, que esta ideia não colhe em Fafe. Os fafenses regra geral, mas sobretudo os mais orgulhosos e antigos como eu, consideram que o Dia do Pi não tem nada que ver com a América nem com a matemática e que devia ser celebrado, se não me engano, no dia 27 de Março.

A vocação do Landinho

A propósito do falecimento do Landinho e do meu texto "Excelentíssimo Menino", recebi um comentário-testemunho do Pedro Dantas que, creio, merece ser destacado. Diz o Pedro:

"O Landinho. A maioria das pessoas não sabe, nas durante anos, todos os dias, ele jantava na minha casa. Era parte da família. Durante o dia, ajudava o "Filipe" a distribuir o gás, no fim da tarde vinha para nossa casa com o meu pai. Era uma festa tê-lo em casa. O sonho dele, quiçá o único, era ser padre. Pegava num qualquer livro à mão e sempre vinha o "oh minó bispo, morreu o padre Franciscoooo...", usando aquele tom episcopal que a igreja usa. Não bebia álcool durante o jantar. Nunca. Saía de nossa casa feliz, isso eu, mesmo criança, sentia. Isto acontecia na rua José Cardoso Vieira de Castro. Depois ele sumiu e passei a encontrá-lo esporadicamente. Mas sempre, sempre ele me tratou com deferência, amizade, respeito. Eu guardo o Landinho daquele lado do peito."

segunda-feira, 13 de março de 2023

Excelentíssimo Menino

Foto Tarrenego!
Avisaram-me ontem ao princípio da tarde, mas eu preferi esperar pelo desmentido. O meu irmão Nelo sabia que me interessava muito, mandou-me uma mensagem para o telemóvel, dizia simplesmente "morreu o nosso Menino", mas a morte do Landinho só podia ser engano. Uma coisa assim um bocado tola, pensei. Primeiro, porque o Landinho faz falta. Quer-se dizer. Como é que vai ser Fafe agora? Quem vai cobrar as cotas? Quem vai passar as multas? Quem vai aos cafés avisar dos funerais? E o Landinho foi avisar da sua morte? Desconfio que vem aí o caos. Segundo, porque a morte do Landinho não interessa a ninguém. Que vantagens? Para quem? Só se for para Deus, que dizem que leva primeiro os que ama, os que mais ama, e eu começo a ficar farto do egoísmo de Deus.
Portanto esperei pelo desmentido.
O Landinho é um dos meus mais excelentíssimos fafenses. Como eu aqui recordava há menos de quatro meses, "o Landinho, o nosso Menino, [estava] sempre presente, particularmente nos momentos solenes e também nos outros, verificando factos e tomando conta da ordem pública. Fafe sem Landinho seria impossível". E é. O Menino fazia parte da paisagem fafense, mas era mais do que paisagem. O Landinho era - penso agora - a mais benévola metáfora do que somos todos nós os que somos de Fafe, os que sentimos Fafe. E Fafe nem sempre o tratou bem, mas ele, o Menino, nunca nos faltou.
Sei muito do Landinho, muito mais do que aqui vou contar. Sei da sua infância, sei da senhora sua mãe, sei da sua juventude, lembro-me de ele ter ido às inspecções, que pelo menos naquela leva foram realizadas no velho quartel dos Bombeiros. Exactamente, o Menino foi às sortes e tenho ideia de que não se livrou à primeira, alguém por ele teve de posteriormente fazer prova das suas singularidades. Safou-se por pouco de ir à guerra, e às tantas ainda tínhamos ali herói. Era. O regime precisava de carne para canhão.
O Landinho gostava de fatos e de "manganésia". Eu sempre achei que o Landinho mandava fazer os seus fatos por medida, personalizados, porque os fatos que vestia assentavam-lhe todos muito mal, mas muito mal sempre da mesma maneira, e por isso ficavam-lhe muito bem, porque o Landinho era assim, aquela era a sua imagem de marca. Irredutível militante das calças à boca de sino pelo tornozelo e da gravata tipo bacalhau de quarto com nó grosso, eu via-o como um verdadeiro gentleman sobretudo aos domingos, feriados e dias santos, e sempre me incomodou que a La Redoute nunca tivesse convidado o nosso Menino para modelo de pelo menos um dos seus pantagruélicos catálogos.
Menino quer dizer muito em Fafe. Quando entrava no antigo Peludo, já no tempo do Peixoto, o Landinho pedia geralmente um pratinho de "manganésia", que era a sua perdição gastronómica. Ou então era só fome e ele saberia que não lhe davam outra coisa. Andava com sorte se lá estivesse o grande Valença, o gozão-mor do reino, inveterado pregador de partidas, mas também portador de um coração de razoáveis dimensões. E então o Valença dizia-lhe: - Pago-te o pratinho mas primeiro tens de dar um beijo aqui ao Bomba! - e o Bomba era eu, e o Landinho chegava-se e abraçava-me e lambia-me a cara com um sonoro e indesmentível beijo. Isto mais do que uma vez, pelo menos três ou quatro. E o nosso Menino ganhava o seu pratinho de maionese, que era o que se chamava àquela travessa de salada-russa, às vezes com um filete de pescada ou um panado em fim de prazo, mais um copinho de vinho, e só um, que já não faltava quem abusasse dele. Do Menino...

Mas o desmentido não veio. O desmentido não vem. O Landinho morreu e é mais que tempo de eu dizer alguma coisa. Disse.

sexta-feira, 10 de março de 2023

O meu sogro vai para a tropa

Depois de um dia particularmente violento, com doze horas na Urgência do Hospital de Santo António e chegada a casa cerca da uma da madrugada, o dia seguinte do meu sogro foi de alguma, lenta e não garantida recuperação. Pela manhã o meu sogro estava provavelmente melhor, bem disposto, disponível para me ajudar ao seu conforto possível. Demos as voltas que foram precisas. Vim almoçar.
Tornei. À tarde, o meu sogro estava de trombas e a fazer de conta que dormia. Quando está zangado com a realidade que lhe passa pela cabeça, o meu sogro faz de conta que dorme, mas, esta parte tem piada, faz de conta muito mal. Disse-lhe, como de costume, "Sr. Carvalho, abra os olhos se faz favor, precisamos de tratar de si, eu sei que o Sr. Carvalho não está a dormir, e o Sr. Carvalho também sabe que não está a dormir, vamos lá, ajude-me".
Que se segue? Bato e rebato à porta do esquecimento, o meu sogro faz de conta que acorda de repente, mas continua a fazer de conta muito mal, o que me faz rir e obriga-me a dar-lhe um abraço e um beijo extra na careca. O meu sogro gosta que eu lhe dê beijos na careca e diz-me obrigado. Pergunto-lhe: - Ó Sr. Carvalho, então estava tão bem de manhã, porque é que está agora tão mal disposto? O meu sogro responde-me, a voz entaramelada e cara de mau: - Como é que eu posso estar bem disposto, se vou para a tropa?
Compreendi-o perfeitamente. Eu próprio ainda não recuperei de vez da minha passagem pelos Comandos, e mais era rapaz e razoavelmente desembaraçado. Imagino, portanto, a angústia do meu sogro, com o comboio a sair de Campanhã dali a um quarto de hora, obrigado a ir para a tropa aos 85 anos e sem sequer conseguir pôr pé fora da cama. Por isso, prometi-lhe solenemente: "Não se preocupe, Sr. Carvalho, no dia do juramento de bandeira lá estarei e levo-lhe um merendeiro como manda a sapatilha". Que sim.
Mais um abraço, e o resto da tarde correu com um belo sorriso nos lábios.

A propósito. No tempo de outras lucidezes, o meu sogro gostava de contar-me que foi "condutor auto" em Vendas Novas e que os anos de tropa foram os melhores anos da sua vida. Neste texto e no texto abaixo dou-me ao luxo de usar o presente do indicativo, mas é apenas para enganar as saudades. Fazíamos uma bela dupla, eu e o meu sogro. Fomos unha com carne naqueles nossos últimos anos, tão difíceis e dolorosos para ele e tão luminosos e redentores para mim. Hoje é Dia do Sogro, e não sei que mais diga.

Doente, graças a Deus!

O meu sogro foi sempre um homem muito poupado. Não foi ele o inventor da reciclagem nem sequer sabe o que a palavra quer dizer, mas desde que o conheço que o vejo a dar uma segunda, uma terceira e até uma quarta oportunidade às coisas, às ferramentas, às alfaias, aos arames, às folhetas, aos "ferrenchos", aos monos enjeitados, aos tijolos, aos paralelipípedos, aos nadas com que ia topando na rua. Levava-os para casa, adoptava-os. Os anexos da casa do meu sogro são hoje em dia um perigoso ferro-velho, um sucata sem serventia nenhuma senão para os ratos, ou, como eu costumo dizer sem tampouco abrir a boca, uma lixeira que ainda me há-de enterrar em merda até às orelhas. Mas adiante.
Volta não volta, quando despejo para um garrafão de plástico o saquinho colector da urina do meu sogro, ele, num raro instante de lucidez, pergunta-me com todo o interesse, e é das poucas vezes em que usa a boca para falar: - Ó Hernâni, o que é que você faz agora a isso, para que é que serve?
E ora bem: eu não posso mentir ao meu sogro, não lhe vou dizer que a sua própria urina vai servir para medicamento, para detergente, para fertilizante agrícola ou para combustível, essas tangas todas das notícias. Muito menos lhe posso revelar que desperdiço a urina pela sanita abaixo. Digo-lhe, portanto, a verdade. Puxo-o para cima, para que não embarre com os pés no fundo da cama, espreito-lhe a fralda a ver se tenho de o mudar, viro-o com cuidado, ajeito-lhe o tubo da algália, o pijama e as almofadas, aconchego-o sem apertar, dou-lhe um abraço apertado, recebo um sorriso infantil, e conto-lhe toda a verdade, a verdade nua e crua: - A sua urina, Sr. Carvalho, olhe bem para esta cor, olhe-me que categoria, a sua urina segue daqui directamente para engarrafar na cooperativa, e pode crer que é o melhor espadal que anda aí no mercado, a cinco euros e noventa e nove em promoção. A sua doença foi a nossa sorte. É só lucro, Sr. Carvalho, graças a Deus estamos ricos...

Ó Portugal, toca a gaita triste e faz a festa!

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 9 de março de 2023

Bem prega frei Tomás

Tomás era o faz-tudo do convento. Agricultor, apicultor, sacristão, chef de cozinha, porteiro, parteiro, telefonista, copista, contorcionista, iluminador, vendedor de imóveis, disc jockey, picheleiro, Pai Natal, guarda-redes, mas sobretudo era um carpinteiro de mão cheia. Fosse o soalho do refeitório ou empreitada mais modesta, de martelo em riste, pregador como ele não havia.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do DJ.

E também vi o autogolo de Manaca...

Eu estava lá. No velho estádio, em Guimarães. Eu vi ao vivo o autogolo de Manaca que deu o triunfo por 0-1 e o título de campeão ao seu Sporting, sendo ele naquela altura jogador emprestado pelos leões ao Vitória. Foi no dia 25 de Maio de 1980, e eu portista estava lá, mesmo atrás da baliza em questão. Vi tudo, sou testemunha, lembro-me como se fosse ontem. E se querem que lhes diga: não sei, não tenho a certeza do que realmente vi...

O amor espera sentado

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 8 de março de 2023

Eu vi Cubillas!


Eu vi! Eu vi Cubillas. Eu vi Cubillas jogando futebol. Teófilo Juan Cubillas Arizaga, o prodígio peruano, vi-o com os meus próprios olhos, vi-o da minha cor, uma só, azul e branco, vi-o pequeno, delicado, elegante, inesperado, repentista, amiúde sublime, fulminante, Lionel Messi antes de ser inventado, uma brisa ligeira e redolente deslizando quase invisível sobre o relvado. Cubillas era um sorriso em andamento. Sim, um sorriso - genuíno, dir-se-ia que infantil, maroto. Cubillas e a bola estavam-se prometidos desde o princípio dos tempos, sabiam-se de cor e salteado, eram um em dois perfeito, acto de amor consumado, puro gozo, prova viva da bondade dos deuses.
Eu vi Cubillas. Vi-o aqui à porta de casa, em Guimarães, fomos de Fafe o tio Américo, o tio Zé da Bomba e eu, de propósito para ver Cubillas, com merenda aprazada talvez no Batista da Cruz d'Argola. Podia ser que também víssemos o "nosso" Quim na baliza do FC Porto, mas foi Tibi quem tomou conta, se bem me lembro desse mês de Março de 1974, ainda o cravo estava fresco e nunca mais. Deu empate zero-zero e Cubillas falhou um penálti, mas isso o que é que importa?
É. Eu vi jogar Teófilo "Nene" Cubillas! Percebem a grandeza do que digo? Compreendem a minha incontida emoção? Talvez não, infelizes, e é pena. Aos incréus, aos que não tiveram a sorte que eu tive, aos que não viram nem foram ensinados, aos que não sabem do que falo, admito a ignorância e a dúvida: viste o Cubillas, e quê?, pensarão, coitados, e estão no seu direito. Mas mesmo a esses eu gostaria de tentar explicar. Reparem, por favor. Em toda a minha vida fui, por vontade própria e em meu perfeito juízo, a somente quatro concertos: Andràs Schiff (com as Variações Goldberg de Johann Sebastian Bach), Paco de Lucía, Rolling Stones e Bob Dylan. Quatro e apenas quatro, e uma vida inteira: Schiff com Bach, Lucía, Stones e Dylan. E portanto Cubillas.

P.S. - A foto acima tirei-a do jornal digital Maisfutebol, que não refere o autor. Teófilo Juan Cubillas Arizaga nasceu, em Lima, Peru, no dia 8 de Março de 1949. Faz hoje 74 anos. Pois muitos parabéns e muitíssimo obrigadíssimo, Senhor Comendador!

terça-feira, 7 de março de 2023

Segue dentro de momentos

Foto Hernâni Von Doellinger
Há obras para dar casa nova à Justiça de Fafe. Obras e condicionamentos de trânsito. Não sei quando estará tudo pronto e normalizado, nem percebi ainda muito bem o que vai sair dali. Puxo, por isso, de um banco e sento-me. Espero para ver...

domingo, 5 de março de 2023

Um ano negro para os artistas

O mundo estremeceu de comoção. E, se o mundo estremece, Portugal abana e cai. Que tragédia, que cataclismo, que ano negro! Morreram, entre outros famosos certificados, Prince, David Bowie, Leonard Cohen, George Michael, a Princesa Leia, e Bob Dylan ganhou o Prémio Nobel da Literatura. Foi em 2016.
A comunicação social portuguesa ficou em choque: um annus horribilis para os artistas, sim os artistas, uma desgraça para a arte, sim a arte. Deus nos abençoe, proteja e guarde! E escreveu-se, e escreveu-se, e escreveu-se. Os nossos jornalistas iam falecendo também, esparramados de desgosto...
Ora, artistas - em bom e antigo português - são igualmente e por maioria de razão os nossos trolhas, os nossos pedreiros e os nossos carpinteiros, por exemplo. Artistas, assim se dizia em Fafe e eu continuo a dizer. Quanto mais não seja, em memória do meu querido avô de Basto, mestre pedreiro de categoria, e em homenagem ao meu querido tio Zé de Basto, filho do avô do Basto, competente fazedor de casas e anexos. Artistas, os dois, como os admiro! Conversei na ocasião com Albano Ribeiro, o eterno presidente do Sindicato da Construção de Portugal, que me contou o seguinte:
Trinta e nove (39) operários da construção civil morreram a trabalhar, em Portugal, naquele ano. E, em quatro meses, morreram seis (6) trabalhadores portugueses em obras por essa Europa fora, número grande em tempo de drástica redução de empreitadas e ainda sem estádios para construir no Catar.
Albano Ribeiro queria falar com os senhores jornalistas acerca deste e de outros assuntos relativos aos nossos artistas. Convidou a comunicação social portuguesa para uma conferência de imprensa que deveria realizar-se numa sexta-feira a uma hora cómoda. Ninguém apareceu. Os senhores jornalistas tinham mais que fazer...

P.S. - A Academia Nacional de Belas-Artes foi criada no dia 5 de Março de 1932, a partir das academias de Lisboa e Porto.

A obra-prima

Os especialistas dividem-se e a opinião pública também. Há quem defenda que o melhor trabalho de Miguel Ângelo são os frescos da Capela Sistina. Outros preferem a Baía de Cascais...

Eram quatro e formavam um excelente trio

Eram quatro pessoas em palco: um senhor à viola, uma senhora no clarinete, um senhor ao piano e outro senhor virando-lhe as páginas da partitura. Procurei-lhes os nomes enquanto tocavam Brahms e Mozart com assinalável competência. Os quatro formavam o famoso Trio Tomter, Kam & Ihle Hadland. Isto é: são o senhor Lars Anders Tomter, a senhora Sharon Kam e o senhor Christian Ihle Hadland, por ordem de instrumentos. O mudador de páginas, posto que exímio executante, era provavelmente o rapaz, como o moço das obras que vai ao tasco buscar as minis para os artistas, e portanto não tem direito a nome...

Pianíssimo...

Estou como diz o outro: Bach leve, levemente...

P.S. - Hoje é Dia da Música Clássica.

Concerto para cinco pés e dois violinos

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 3 de março de 2023

Campos de férias

Todos os meses de Julho de todos os anos, o aviso lá estava bem visível à porta de entrada, para orientação de pessoal, clientes e público em geral: "Campos de férias!", dizia o letreiro. E fazia todo o sentido, porque a verdade é só uma - o Campos era a alma daquela empresa, passava-lhe tudo pelas mãos. Na ausência do Campos, o serviço ressentia-se, era como se estivessem fechados, o próprio Campos não se cansava de o repetir.
Lembram-se daquele ilustre industrial fafense que veio de férias do Ultramar e a guerra teve de parar até que ele regressasse à mata? O Campos também era assim, essencial e insubstituível. E um bocado mentiroso. 

Terno e fofinho como um menino, como uma menina...

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 2 de março de 2023

O ferrencho e a folheta

Entendamo-nos. Folheta é pequena folha, folha muito delgada que se põe debaixo do engaste das pedras preciosas, palheta, folha-de-flandres, folha de latão, lata, chapa. Se a folheta for velha, muito velha, ferrugenta, escangalhada e mínima, então também é ferrencho. Porque ferrencho é ferro pequeno e ordinário, qualquer ferro, pedaço de metal ou lata estragado e imprestável. Isto é: ferrencho, com o "é" bem aberto e o "ch" reforçado, é ferrancho se pensado e dito em Fafe. Ferrencho velho.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Há oras felizes e aliás também

Foto Hernâni Von Doellinger
Mero pretexto. A primeira colecção de doze relógios Swatch foi lançada no dia 1 de Março de 1983, em Zurique. Faz hoje 40 anos.

A fingir somos nós bons

Numa espectacular operação de apenas três dias - quarta, quinta e sexta-feira, que depois metia-se o fim-de-semana e já se sabe -, unidades especiais da nossa GNR e da Guardia Civil espanhola conseguiram "deter um grupo de seis terroristas que praticava o tráfico de armamento, operando nos dois lados da fronteira, estando estes homens a preparar uma acção terrorista na zona de Lisboa", segundo fontes oficiais. Tinha de ser em Lisboa, é preciso salvar Lisboa, Portugal tem tempo...
Isto aconteceu há meia dúzia de anos, mas era a mangar. Era um faz-de-conta, um exercício transfronteiriço, como se diz, programado, com guião, e os terroristas não eram a sério. Os terroristas, que também eram da GNR e da Guardia Civil, suponho, tinham um papel a cumprir e cumpriram: depois de meia dúzia de tiros de pólvora seca, entregaram-se aos bons ou morreram de enfarte, isso não ficou muito claro.
Eu sempre gostei de simulacros. Desde pequenino. Primeiro dos simulacros dos Bombeiros de Fafe, na fachada do Club Fafense, depois dos simulacros da Protecção Civil, que são sempre uma enorme confusão e uma inesgotável poça de sangue, e agora também gosto dos simulacros das chamadas "operações especiais". Porque nos simulacros, na hora do balanço, correu sempre tudo bem. O sucesso do simulacro dá na televisão e ficamos todos muito mais descansados e seguros, incluindo os verdadeiros terroristas, que assim, um dia que se resolvam, já sabem como se devem precatar.

Hoje é Dia Mundial da Protecção Civil. Em Fafe, o Dia Mundial da Protecção Civil é hoje, amanhã, sexta, sábado e no próximo dia 18, encerrando com um "exercício à escala total e exercício parcial", isto é, dois simulacros, que de certeza vão ser uma primeirinha. O programa completo pode ser consultado aqui

Pilas a sério era em Fafe

No tempo em que Fafe era o Largo com árvores e os fafenses eram todos bons rapazes, "os" 16 de Maio e a Senhora de Antime eram fes...