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domingo, 24 de agosto de 2025

O verdadeiro Artista

O andar de John Wayne
O que ele queria mesmo era ter um andar como o do John Wayne. Aquele andar, estais a ver? O andar inteiro. Doze quartos, duas cozinhas, piscina com escorrega e, evidentemente, marquise.

Vem aí o Dia do Artista e eu não sei dele. Não sei do Artista, quero dizer. O Artista é de Fafe, do meu tempo, morava no Picotalho, à beira da velha casa do Sr. Armindo Bristol e do Carlos Frangueiro, andou comigo na escola, o Carlos também, o Artista é portanto rapaz da nossa idade. O Artista era Artista porque se identificava com os artistas da televisão e do cinema, e estava bem visto, porque os artistas eram os galãs, os protagonistas, os que levavam a rapariga, os que nunca morriam. Por isso, antes de começar a brincadeira, o Artista avisava logo, sem dar vez a mais ninguém: "eu é que sou o Artista". Uns diziam que eram Eusébio, outros que eram Adrião, uns diziam que eram Zorro, outros que eram Daniel Boone. O Artista era o Artista, e estava tudo dito.
Por razões talvez profissionais, o Artista gostava de frequentar a sala de bilhares do Café Império em vez do Peludo, ao contrário de nós todos, vestia sempre com grande categoria e tinha um andar estudado, foi trabalhar para o Porto há quase cinquenta anos, depois disso encontrámo-nos em meia dúzia de fortuitas ocasiões, curiosamente sempre em Fafe, ele cada vez mais impecável, parecia um lorde, invariavelmente apressado, e a seguir perdi-lhe o rasto, nunca mais o vi. Alguém me sabe dizer o que é feito do Artista?

P.S. - Versão revista e aumentada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia do Artista.

terça-feira, 10 de junho de 2025

E Portugal era em Fafe

- Volta a Portugal! Volta a Portugal em bicicleta! - pediu-lhe insistentemente a mulher, num derradeiro telefonema de aflição. E ele voltou. Mas veio de carro.

Portugal era em Fafe e eu, fafense de rebimba o malho, tinha muito orgulho nisso. Portugal era um larguinho e situava-se na Rua José Ribeiro Vieira de Castro, como quem desce, à esquerda, entre a esquina do Toninho Nacor, o tasco antigo, e o Lombo, por assim dizer e com vossa licença. Morava ali gente de categoria, como, por exemplo, a Senhora Felicidade, que costurava ao domicílio nas melhores casas da vila e era uma cerzideira tão perfeita que até passava despercebida. Portugal era um terreiro e tinha uma "cabine". A "cabine", segundo me explicaram, guardava e distribuída electricidade. Era uma espécie de almazém. A importância de Portugal, o país inteiro, ser em Fafe meteu-se-me em mim, em pequeno, e eu tinha a compenetrada mania de que era mais do que os outros, os que não eram de Fafe. Esta minha inclinação notou-se particularmente no meu tempo de seminário, onde eu sempre achei que era mais fino do que os outros. Os meninos das outras terras, e tantas eram, de Melgaço até bem abaixo de Braga, incluindo Vizela, detestavam estas minhas peneiras e, para mal dos seus pecados, só muito tarde da vida é que compreenderam que realmente eu era mais fino do que eles. Mas eles não tinham culpa, coitados, era apenas azar. Ninguém escolhe onde nasce, e a verdade é só uma: eles não nasceram em Fafe e portanto não tinham Portugal.
Pois Portugal ainda lá está, em Fafe, que é o seu sítio. O Largo de Portugal. Volvidos tantos anos, não sei se mantém os seus poderes intocados, os poderes que eu sei que Portugal tinha. A envolvência - isto é, Picotalho, Cavadas e tudo - foi escangalhada pelo progresso, que passa ali ao lado armado em auto-estrada a mais de mil à hora. Questão de urbanismo. Os portugalenses serão também certamente outros, gentes de maiores posses e novos saberes. Mas a "cabine" continua, firme e hirta, como castelo altaneiro, quero crer que ainda e sempre ligada ao negócio do retalho energético, alta tensão, perigo de morte. Viva Portugal! Viva Fafe! Abençoada terra que tem um país inteiro num largo dentro de si.

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia de Portugal.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Portugal era em Fafe

Portugal era em Fafe e eu tinha muito orgulho nisso. Portugal era um largo e situava-se na Rua José Ribeiro Vieira de Castro, como quem desce, à esquerda, entre a esquina do Toninho Nacor, o tasco antigo, e o Lombo, por assim dizer e com vossa licença. Morava ali gente de categoria e até havia uma "cabine". A "cabine", segundo me explicaram, guardava e distribuída electricidade. Era uma espécie de almazém. A importância de Portugal, o país inteiro, ser em Fafe meteu-se-me em mim, em pequeno, e eu tinha a compenetrada mania de que era mais do que os outros, os que não eram de Fafe. Esta minha inclinação notou-se particularmente no meu tempo de seminário, onde eu sempre achei que era mais fino do que os outros. Os meninos das outra terras, e tantas eram, de Viana do Castelo até abaixo de Braga, detestavam este meu armanço e, para mal dos seus pecados, só muito tarde da vida é que compreenderam que realmente eu era mais fino do que eles. Mas eles não tinham culpa, coitados, era apenas azar. Ninguém escolhe onde nasce, e a verdade é só uma: eles não nasceram em Fafe e portanto não tinham Portugal.
Pois Portugal ainda lá está, em Fafe, que é o seu sítio. O Largo de Portugal. Volvidos tantos anos, não sei se mantém os seus poderes intocados, os poderes que eu sei que Portugal tinha. A envolvência - isto é, Picotalho, Cavadas e tudo - foi escangalhada pelo progresso, que passa ali ao lado armado em auto-estrada a mais de mil à hora. Questão de urbanismo. Os portugalenses serão também certamente outros, gentes de maiores posses e novos saberes. Mas a "cabine" continua, firme e hirta, como castelo altaneiro, quero crer que ainda e sempre ligada ao negócio do retalho energético, alta tensão, perigo de morte. Viva Portugal! Viva Fafe! Abençoada terra que tem um país inteiro num largo dentro de si.

Porque hoje é Dia de Portugal. Exactamente. Hoje é Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Ou Dia da Raça, como lhe chamava em 2008, mas ainda à moda fascista, o então Presidente da República, Cavaco Silva, o velho que já era velho quando era novo. Em todo o caso, creio que calha bem meter aqui outra vez o textinho ali de cima, publicado originalmente no dia 14 de Dezembro de 2022. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

E Portugal era em Fafe

Portugal era em Fafe e eu tinha muito orgulho nisso. Portugal era um largo e situava-se na Rua José Ribeiro Vieira de Castro, como quem desce, à esquerda, entre a esquina do Toninho Nacor, o tasco antigo, e o Lombo, por assim dizer e com vossa licença. Morava ali gente de categoria e até havia uma "cabine". A "cabine", segundo me explicaram, guardava e distribuída electricidade. Era uma espécie de almazém. A importância de Portugal, o país inteiro, ser em Fafe meteu-se-me em mim, em pequeno, e eu tinha a compenetrada mania de que era mais do que os outros, os que não eram de Fafe. Esta minha inclinação notou-se particularmente no meu tempo de seminário, onde eu sempre achei que era mais fino do que os outros. Os meninos das outra terras, e tantas eram, de Viana do Castelo até abaixo de Braga, detestavam este meu armanço e, para mal dos seus pecados, só muito tarde da vida é que compreenderam que realmente eu era mais fino do que eles. Mas eles não tinham culpa, coitados, era apenas azar. Ninguém escolhe onde nasce, e a verdade é só uma: eles não nasceram em Fafe e portanto não tinham Portugal.
Pois Portugal ainda lá está, em Fafe, que é o seu sítio. O Largo de Portugal. Volvidos tantos anos, não sei se mantém os seus poderes intocados, os poderes que eu sei que Portugal tinha. A envolvência - isto é, Picotalho, Cavadas e tudo - foi escangalhada pelo progresso, que passa ali ao lado armado em auto-estrada a mais de mil à hora. Questão de urbanismo. Os portugalenses serão também certamente outros, gentes de maiores posses e novos saberes. Mas a "cabine" continua, firme e hirta, como castelo altaneiro, quero crer que ainda e sempre ligada ao negócio do retalho energético, alta tensão, perigo de morte. Viva Portugal! Viva Fafe! Abençoada terra que tem um país inteiro num largo dentro de si.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...