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sexta-feira, 7 de março de 2025

Campos de férias

Todos os meses de Julho de todos os anos, o aviso lá estava bem visível à porta de entrada, para orientação de pessoal, clientes e público em geral: "Campos de férias!", dizia o letreiro. E fazia todo o sentido, porque a verdade é só uma - o Campos era a alma daquela empresa, passava-lhe tudo pelas mãos. Na ausência do Campos, o serviço ressentia-se, era como se estivessem fechados, o próprio Campos não se cansava de o repetir.
Lembram-se daquele ilustre industrial fafense que veio de férias do Ultramar e a guerra teve de parar até que ele regressasse ao mato? O Campos também era assim, essencial e insubstituível. E um bocado mentiroso. 

P.S. - Publicado no dia 3 de Março de 2023. Hoje é Dia de Apreciação do Empregado.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Não batas mais no mouquinho

Sabem, uma daqueles carrinhas tipo rulote transformada em consultório para testes auditivos? Era uma dessas, logo pela manhã, e cá fora um jovem técnico vestindo bata branca, telemóvel na mão esquerda e papeleta na mão direita, afanava-se à procura de insonoros candidatos, mas sem sorte nenhuma. Eu terminava o meu footing diário e o meu caminho habitual até passava pelas traseiras da carrinha, mas de repente resolvi fazer um desvio para alegrar o dia ao diligente porém desanimado funcionário.
Fui-me a ele. Mal me viu assim nesta idade, até os olhos se lhe riram, abeirando-se-me imediata e decididamente:
- Bom dia. Então como é que estamos de audição? - perguntou ele.
- Faz favor de dizer... - disse eu.
- A audição como está? - perguntou ele.
- Desculpe, eu não... - disse eu.
- A audição. Ouve bem? - perguntou ele.
- Como disse?... - perguntei eu.
- A audição! - disse ele.
- Hã? O quê?... - perguntei eu.
- Tem uma boa audição? - perguntou ele.
Não é que eu estivesse com pressa, mas desisti, sorrindo:
- Não ligue, eu estava a brincar. O amigo não percebeu?...
- Percebi. E a audição como é que está?

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Audição.

domingo, 6 de outubro de 2024

O algodão não engana

Foto retirada do blogue Restos de Colecção
Ultimamente dá-me para sonhar com pessoas que já morreram. Pessoas de quem gosto - familiares e amigos, sobretudo amigos, povo do meu antigamente, gente de Fafe. Sou um simples, acho que são saudades. Mas dizem-me que não, que o assunto é muito mais complicado, especialistas em correntes de ar, astrologia e afins garantem-me que os sonhos querem dizer coisas, significam, e que não enganam. Os sonhos são como o algodão, hidrófilos. Como o algodão do Sonasol. Nos sonhos está lá tudo, e tudo acaba por bater certo. Limpinho.
Sonhar com pessoas amigas que já morreram, falar com elas no sonho, explicam-me que é o melhor que me podia acontecer. É o pré-aviso de que está aí a rebentar-me nas mãos uma fartura de boas notícias, um mar de felicidade e saúde como o aço para mim e para os meus. O que é preciso é estar atento aos recados que os defuntos da corda me querem segredar. Isto é a regra geral, científica, embora possa parecer o horóscopo.
Não sei se esta tão conveniente interpretação dos sonhos com mortos também vale para Portugal e para vivos chamados Hernâni Von Doellinger naturais de Fafe e residentes em Matosinhos-sur-Mer. Pela miséria que me tem saído na rifa nos últimos tempos, suspeito que não, mas cá fico à espera de melhores dias.
Tenho alguma pressa, confesso, porque se uma coisa sei de certeza é que os sonhos padecem de prazo de validade. Um gajo deita-se uma noite moço e convencido de que os sonhos molhados até são um acontecimento, vá lá, engraçaaaaado..., e acorda de manhã ancião e alagado em mijo derivado à incontinência urinária. A vida é tão breve, não foi?
Entretanto, gostaria de aproveitar a oportunidade para comunicar aos meus sonhos que, uma vez que desdenho a Raspadinha, o que me convinha mesmo era o Euromilhões. O jackpot do jackpot, se fazem favor. Agora vou dormir e passo à escuta.

Por falar nisso: sonhar com algodão dizem que é muito bom para a saúde e que traz uma vida cheia de dinheiro e de felicidade. Bem empregue. É preciso ser-se mesmo muito desgraçado para sonhar com algodão. Se ainda fosse com merda... e depois pisá-la. Pisar merda, isso é que é certo, diz que dá sorte, dinheiro.

A memória é tramada. Amanhã é Dia Mundial do Algodão. E também é Dia Mundial do Trabalho Digno. O algodão, esse símbolo branco da escravatura negra, passava quase todos os dias por mim, em fardos, em camiões, a caminho da Fábrica do Ferro, Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe, onde depois havia milhares de operários a trabalhar, entre os quais o meu pai e a minha irmã, e variados chefes a roubar, deu no que deu. Ia daqui de Matosinhos, o algodão, do Porto de Leixões, agora mesmo à beirinha de onde moro com vista para o mar se me puser de lado. Quer-se dizer: por mais voltas que a vida dê, estamos sempre no mesmo.

sábado, 22 de junho de 2024

Não praticante

Ele costumava dizer convictamente: - A minha religião é o trabalho. Quando se reformou é ficou um bocado desorientado...

P.S. - Hoje é Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso.

domingo, 28 de abril de 2024

Cada macaco no seu galho

"Em que ramo é que trabalhas?", perguntaram-lhe. E o macaco respondeu: "No de baixo, derivado às vertigens..."

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Mais valia

Ele era o Mais-valia da empresa. Chamavam pelo Mais-valia e o Mais-valia vinha. E ia. E ia e vinha. E vinha e ia. E tornava a ir e tornava a vir. Chamavam-no a toda a hora e momento, por tudo e por nada, era Mais-valia para aqui, Mais-valia para ali, e ele, que acreditava no poder dos hífens, andava vaidoso e feliz. O trabalho do Mais-valia era ir e vir, vir e ir, o que lhe ocupava sobremaneira o dia. Sentia-se tão necessário! Ele não sabia que a alcunha lhe ficara porque toda a gente do emprego dizia que mais valia despedi-lo.

P.S. - Hoje é Dia de Apreciação do Empregado.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Chegou a vez deles, e é uma chatice...

Foto Hernâni Von Doellinger

Começava o ano de 2009 e o grupo Controlinveste, de Joaquim Oliveira, perpetrou o despedimento colectivo de 122 trabalhadores, mais de 50 dos quais eram jornalistas. A Controlinveste era dona do Diário de Notícias (DN), do Jornal de Notícias (JN), do 24horas e do desportivo O Jogo, além da rádio TSF, da revista Volta ao Mundo e dos canais televisivos SportTV. Desde os anos oitenta que não acontecia uma razia assim em Portugal, quando fecharam títulos como O Diário, o Diário Popular e o Diário de Lisboa.
Em Janeiro de 2009 eu era jornalista do 24horas no Porto e o 24horas no Porto acabou. O DN no Porto ficou reduzido ao osso e o JN passou mais ou menos incólume pelos pingos da chuva, fora o azar de uns poucos que decerto tinham a mania de desagradar às chefias, as quais, nestas coisas do salve-se quem puder, geralmente são piores do que os patrões.
Fez-se greve. Uma greve coitadinha, isto é, fizeram greve os que iam morrer, e poucos mais, embora tenha sido tentada uma coisa em grande, testicular, greve geral do grupo, num plenário que foi uma desgraça. Os jornalistas do JN, sobretudo os promissores jornalistas do JN, evidentemente na rampa de lançamento para voos que afinal nunca alcançaram, avisaram logo que não, que era preciso ver o quadro completo, não vamos agora prejudicar uns por causa dos outros, que já estão condenados e estão, as coisas são como são, sejamos realistas, é uma chatice, isso é, pá, acontece, solidariedade, sim, obviamente, para isso cá estamos, força!, mas uma palmadinha nas costas também já chega.
Eu disse: "para palermas não estais nada mal, meus refinados filhosdeputa, e ainda me vou rir quando chegar a vossa vez", e vim-me embora a meio da coisa. Vim-me mesmo embora. Literalmente. Definitivamente. Tiveram de me procurar, se quiseram "despedir-me"...
Termina o ano de 2023. A Controlinveste, de Joaquim de Oliveira, chama-se agora Global Media Group (GMG), detém os títulos JN, DN, TSF, O Jogo, Dinheiro Vivo, Notícias Magazine, Delas, N-TV, Motor24, Men's Health, Women's Health e Açoriano Oriental, e vai desempregar mais 150 trabalhadores, parece que 40 só na redacção do JN. Ó caralho! Aqui-d'el-rei, que isto agora é connosco, gritou-se ali para os lados do Monte dos Burgos, que a Torre foi vendida para hotel, o JN fez mesmo greve, e logo dois dias, viva o luxo!, não saiu à rua "pela primeira vez em 35 anos" e foi um sucesso.
Ou por outra, chegou a vez dos palermas de 2009 e eu, devo confessar, afinal não acho piada nenhuma...

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Tarrenego! As direcções da TSF, do JN e de O Jogo, entretanto, demitiram-se.)

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Trabalhador de 72 anos...

Vejo nas notícias sobre a nossa terra que um trabalhador de 72 anos morreu "em acidente de trabalho", numa obra. "Um cilindro que capotou e o trabalhador ficou por baixo", explicou ao JN o comandante dos Bombeiros de Fafe. Um trabalhador de 72 anos. Nas obras. Mas que raio de país somos?...

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Era de abraços

Abraçou o desemprego com o mesmo entusiasmo com que abraçara a profissão. Era realmente uma pessoa muito abraçadeira...

sexta-feira, 31 de março de 2023

No fundo do desemprego

Viu um anúncio a pedir idiotas e lá foi ele. Estava no fundo do desemprego e respondia a todos os anúncios.

P.S. - O subsídio de desemprego foi criado no dia 31 de Março de 1975.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Operário di qualità, di qualità

Hoje é Dia Mundial da Qualidade, e eu acho justo. É preciso que se note que o meu primeiro emprego com descontos para a Caixa foi exactamente como "controlador de qualidade", que era o nome que deram ao meu trabalho de "fiel de armazém", que era o nome que não deram ao meu trabalho de faz-tudo, isto é, moço de recados, na Estamparia Marigam, em Fafe. Sei portanto do que falo e não sei se estão a ver que, sendo eu o operário que fui, estou plenamente capacitado para ser secretário-geral do PCP, tal e qual como o bom do Paulo Raimundo, que uma vez também foi operário. E no entanto desconheço a que qualidade de qualidade diz respeito o Dia Mundial da Qualidade. Isto é: estamos a falar de boa qualidade ou de má qualidade? De qualidade de vida ou de qualidade de morte? Afirmar-se apenas "da Qualidade" é muito pouco, é abstracto, é obscuro. Em última análise, até podemos estar a celebrar uma qualidade sem qualidade nenhuma. Pelo menos é o que eu acho.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Qualidade.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...