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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O circo chegava e a vila espertava

Foto Hernâni Von Doellinger

Circo que é circo tem nome de circo. Ponto. Nome com pozinhos de perlimpimpim, nomes exóticos, inventados à la minuta, nomes de fazer sonhar. Nomes à antiga: Arena, Brasil, Cardinali, Circolândia, Chen, Cristal, Dallas, Dragon, Eddy, Flic Flac, Império, Leunam, Luftman, Mariani, Mundial, Nederland, Nery Brothers, Oceanika, Soledad, Romero, Torralvo ou Twister. Ou Circo Royal, "com Pierre Ivanoff e os seus leões da Abissínia", ou o meu melhor circo do mundo, Circo Merito, que ia a Fafe todos os anos, sem animais acima de cão, mas com um incrível número de transmissão de pensamento operado pelo senhor Merito em pessoa e sua partenaire, e sobretudo uns palhaços como nunca mais ri na minha vida e que contavam sempre a anedota de que a nossa era a única terra à face da mesma mas com maiúscula onde dormiam dezoito numa cama: o meu avô da Bomba, que era o 17, mais a minha avó. O meu avô afinava e eu achava um piadão.
O senhor Merito, que também era mestre-de-cerimónias do es-tra-or-di-ná-ri-ooo... ex-pe-ctá-cu-looo!!!..., padecia de uns óculos com lentes verdes de fundo de garrafa Carvalhelhos versão 1960 que, aos meus olhos infantis e crentes, justificavam à partida os poderes adivinhatórios de que ele estava evidentemente investido.
Coisas de outro mundo. No circo aprendi palavras sen-sa-ci-o-nais, que gostava de ouvir e de dizer e não sabia o que significavam: funambulista, malabarista, contorcionista, equilibrista, acrobata voador, faquir, trapezista, pirofagista, globista, faquista, mais engolidor de espadas, palhaço e ilusionista - estas três eu ia lá -, e que hoje percebo que todas são afinal meros adereços ou adjectivos para outra palavra do léxico circense que é a palavra... político.
Agora? Agora andam por aí circos com nomes paisanos, insossos, e a magia foi um ar que se lhe deu. Nomes de linha média em quatro-quatro-dois losango: Rúben, Cláudio, Leandro e Walter Dias. Nomes do dia-a-dia, corriqueiros, sem pés nem cabeça, como se fossem nomes de talhos ou retrosarias. Como se fossem: o Circo Ricardo, o Circo Pedro, o Circo Ferreira, o Circo Gomes, o Circo Lopes, o Circo Magalhães, o Circo Antunes. O Circo Maria das Dores. Sem o glamour de um Tony, sem o garbo de um Fredy, sem as lantejoulas de uma Nandy nem as meias de rede de uma Mirita no seu rola-rola, ainda que rotas, as meias, porque no circo é importante trabalhar com rede, posto que sem fio, portanto Wi-Fi.
E ainda haverá palhaços excêntricos musicais? E a profissão está devidamente reconhecida e enquadrada? Tem ordem? Carteira profissional? Tempo de serviço em recuperação?
O circo chegava e a vila espertava. A vila precisava. Fafe vivia intensamente os seus dias de circo, havia assunto, havia mundo, havia vida. Havia emoção, havia sonho, havia riso, havia medo, havia pena, tristeza, saudade antecipada, porque depois só para o ano. Era um deslumbramento vivermos - digo bem, vivermos -, de coração aos saltos e mãos a tapar os olhos, o perigosíssimo trabalho daqueles artistas cheios de is gregos e cabelo empastado, artistas in-tarrr-na-ci-o-nais de Ermesinde e Freamunde - Cuidado, Dany, cuidado! Res-pei-tá-vel público, silêncio, o mais completo silêncio, por favor, peço o silêncio dos senhores ex-pe-cta-do-reeesss... Vamos, Dany, cuidado, upa, ealé, bravo, bravo, Dany, bravo!...
Só o carro com altifalantes sobressaltando as pacatas ruas da vila antiga já era uma festa. "Hoje grátis às damas, damas grátis!", prometia-se ambiguamente na véspera da despedida. O circo era o melhor faz-de-conta de todos os tempos! O famoso Pierre Ivanoff chamava-se Pedro Piloña Reina e era um espanhol de Valência nascido em Casablanca, Marrocos. Na jaula, com os leões, vestia de tribuno romano que eu sabia dos filmes - e ficou-me até hoje. Tinha eu se calhar sete anos quando o Pedro, aliás Pierre, desafiou o meu pai, saxofonista desembaraçado na Banda de Revelhe, a fazer-se ao mundo a bordo da orquestra do Circo Royal, mas o meu pai não foi. Foi para mim um desgosto muito grande, que já me via palhaço, a morar na rulote, a faltar à escola e a rasgar completamente as meias de rede da Mirita...

O sítio do circo em Fafe era na Feira Velha, encostadinho à antiga escola primária cujas defuntas pedras depois se transformaram, por milagre, em capela de casa particular. E era porreiro o circo ali, porque vocês hoje em dia não fazem ideia dos deslimites do fedor a que pode chegar a jaula de um leão velho, mas eu e os da minha escola sabemos, graças a Deus. O circo creio que frequentou outros lugares da nossa vila, e lembro-me por exemplo de uma vez em que se instalou num terreno convenientemente devoluto ali para os lados da Recta, mas a Feira Velha é que era o sítio. Gosto de dizer, a Feira Velha, gosto de me ouvir dizer. Agora mesmo, escrevo e digo, vêm-me as lágrimas aos olhos por causa de duas palavras de nada, pareço tolo. Feira Velha. A Câmara Municipal, quando se tornou mercearia para não ficar atrás das outras câmaras municipais, meteu lá carros à hora e é o que temos.

Carlos Drummond de Andrade dizia: "Vou ao circo para me sentir em casa com o mundo". E Ferreira Gullar, no poema "Improviso para a moça do circo", do livro "Na Vertigem do Dia", lembrava a infância e contava: "é pouca a vida que a cidade oferece, até que aparece o circo". Por outro lado: o circo somos nós - camelos, ursos, jacarés em camisolas, asnos e leões mansos. Homens-bala de pólvora seca, malabaristas, contorcionistas, ilusionistas, equilibristas, palhaços - somos nós, porque nos mandam e porque somos o único circo a que temos direito. Vivemos na corda bamba e sem rede. Tiraram-nos a rede, esticam-nos a corda, sufocam-nos, caímos que nem tordos sem capacete.

P.S. - Publicado aqui originalmente no dia 29 de Agosto de 2022. Estamos no Natal, meus meninos!...

sábado, 14 de setembro de 2024

O bom ladrão

Fafe, algures pelos finais da década de sessenta do século passado. Na sala de aula da agora desaparecida Escola da Feira Velha, no meio da parede, por cima do quadro negro, um Cristo crucificado. Carmona à direita da cruz, Salazar ironicamente à esquerda. Eu, que naquela altura já tinha umas luzes bíblicas, nunca percebi qual destes dois era o bom ladrão...

P.S. - Hoje é Dia da Santa Cruz.

sexta-feira, 28 de junho de 2024

As orelhas andam geralmente aos pares

As orelhas. As orelhas são muito úteis. E andam geralmente aos pares, como as luvas, as calças, as meias, as botas, os patins, as jarras, os estalos e os cornos. As orelhas servem para segurar o lápis, o cigarro de preferência apagado e o raminho de alfádega, que já ninguém sabe o que é mas que se usava muito em Fafe, sobretudo nas tardadas de romaria. As orelhas ficam muito bem com brincos, argolas e outros tipos de piercing. De acordo com a banda desenhada antiga, os pigmeus e outras tribos mais ou menos canibais usavam ossos espetados nas orelhas. Era a moda. As orelhas centram muito bem a cabeça e estão no sítio certo para se puxar as orelhas, que era um método de ensino muito recomendado, praticado com todo o zelo e com provas dadas. Hoje em dia é proibido puxar as orelhas nas escolas, só se for aos professores. Os puxões de orelhas aos professores são gravados no telemóvel e mandados, com uma grande risota, para as chamadas redes sociais. Das escolas saem cada vez mais orelhudos. E entram nas chamadas redes sociais.
As orelhas produzem cera, cotão e pêlos, materiais altamente combustíveis. As orelhas ardem: se for a orelha direita, é porque estão a dizer bem de nós; se for a orelha esquerda, é porque nos estão a rogar na pele. É o que diz o povo. Se arderem as duas orelhas ao mesmo tempo, o melhor é chamar os bombeiros. As orelhas também deitam fumo sem fogo, pelo menos nos desenhos animados.
Existem várias qualidades de orelhas, como por exemplo orelhas de elfo, orelhas de abano, orelhas de rato, orelhas de gato, orelhas-de-lebre, orelhas-de-ovelha, orelhas de macaco, orelhas-de-abade, orelhas-de-judas, orelhas moucas, orelhas-de-mula e, passando à política, orelhas de burro.
As orelhas doem e quando doem chamam-se ouvidos e muitos nomes feios. As orelhas são vizinhas de porta do esternocleidomastóideo, que é o músculo mais famoso do mundo à pala do Vasquinho da Anatomia. As orelhas, em situações extremas, servem também para a nossa alimentação. Neste caso, para disfarçar, chamam-se orelheira. Em tempos de crise como os que vivemos, e agora com a entrada do Verão, é preferível que se sirva fria, como a vingança, mas com molho-verde.
Às vezes as orelhas dão jeito para ouvir. Ouvir é geralmente bom e é derivado às orelhas. Eu gosto muito de orelhas e tenho duas. De momento.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Piercing Corporal.

domingo, 3 de março de 2024

As orelhas

As orelhas. As orelhas são muito úteis. As orelhas servem para segurar o lápis, o cigarro de preferência apagado e o raminho de alfádega, que já ninguém sabe o que é mas que se usava muito em Fafe, sobretudo nas tardadas de romaria. As orelhas centram muito bem a cabeça e estão no sítio certo para se puxar as orelhas, que era um método de ensino muito recomendado, praticado com todo o zelo e com provas dadas. Hoje em dia é proibido puxar as orelhas nas escolas, só se for aos professores. Os puxões de orelhas aos professores são gravados no telemóvel e mandados, com uma grande risota, para as chamadas redes sociais. Das escolas saem cada vez mais orelhudos. E entram nas chamadas redes sociais.
As orelhas produzem cera, cotão e pêlos, materiais altamente combustíveis. As orelhas ardem: se for a orelha direita, é porque estão a dizer bem de nós; se for a orelha esquerda, é porque nos estão a rogar na pele. Se arderem as duas orelhas ao mesmo tempo, o melhor é chamar os bombeiros. As orelhas também deitam fumo sem fogo, pelo menos nos desenhos animados antigos.
Existem várias qualidades de orelhas, como por exemplo orelhas de elfo, orelhas de abano, orelhas de rato, orelhas de gato, orelhas-de-lebre, orelhas-de-ovelha, orelhas de macaco, orelhas-de-abade, orelhas-de-judas, orelhas moucas, orelhas-de-mula e, passando à política, orelhas de burro.
As orelhas doem e quando doem chamam-se ouvidos e muitos nomes feios. As orelhas são vizinhas de porta do esternocleidomastóideo, que é o músculo mais famoso do mundo à pala do Vasquinho da Anatomia. As orelhas, em casos extremos, servem também para a nossa alimentação. Em tempos de crise como os que vivemos, e em plena época de Carnaval, sugere-se com molho-verde.
Às vezes as orelhas dão jeito para ouvir. Ouvir é geralmente bom e é derivado às orelhas. Eu gosto muito de orelhas e tenho duas. De momento.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Audição.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Às armas, às armas

Foto Tarrenego!
"Às armas, às armas! / Sobre a terra, sobre o mar, / Às armas, às armas! / Pela Pátria lutar! / Contra os canhões marchar, marchar!", aprende-se no Hino Nacional. Assim.

Há anos que ando a chamar a atenção para o disparate, mas ninguém me liga e fazem todos muito bem. Lembraram-se no outro dia e apenas derivado ao Dino D'Santiago, mais vale tarde que nunca e se uma gaivota viesse cada duas são um par. Hoje é Dia Escolar da Não Violência e da Paz. Não sei é se há aulas ou sequer professores...
Quanto à fotografia, e isso é que é importante, reporta à Guerra Colonial e pertence ao arquivo pessoal do pára-quedista fafense Álvaro Magalhães, meu saudoso cunhado.

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...