A Bó de Basto contava. Já não lembro se era história verdadeira derivada a alguém da família antiga ou apenas diz-que-diz-que a respeito de vizinhos lá da aldeia, liornas às tantas. Sei é que era um casal e que o casal se tratava por você - forma de tratamento muito mais rústica e ancestral do que cuidam as tias e os tios do então-vá e as sobrinhas do então-venha.
Como já aqui expliquei, naquele tempo e pelas nossas bandas, beber vinho era, à falta de outros horizontes, um honrado modo de vida. E, quanto ao casal da nossa história, marido e mulher também bebiam a sua pinguinha, que era uma forma modesta de dizer que passavam todo o santo dia com a malga de americano caseiro enfiada nos queixos. Que se segue: de vez em quando, à noite, o caldo entornava-se. Fosse pelo vinho, fosse pela falta de petróleo na candeia, que se chamava "luz", fosse pelo empurrão traiçoeiro do lume da lareira, o casal desavinha-se. Nada de grave ou físico, apenas desconversa. Ralhava um, ralhava o outro, cada qual ameaçava que: "Caralho que!...", mas nada. Até que uma maré, ele - só podia ter sido ele -, sacramentalmente dono da última palavra e mortinho por ir para a cama, arrumou a questã da melhor maneira que soube e pôde, que foi, virando-se para ela: "Ora meta-me o cu pelo nariz acima". Para logo remendar, coçando as partes com um entusiasmo que só visto: "Ora vá bardamerda, que até me enganei". E depois foram fazer meninos um com o outro, que naquela terra era assim e muito.
Em Basto, no Inverno, no tempo em que havia estações do ano, era noite logo às cinco da tarde ou antes, mas ninguém se queixava e nasciam muitas crianças. Em Portugal era noite há mais de quarenta anos, e outros portugueses noutros sítios estariam ainda em pior situação, suspeitava-se de bico calado lá naquele fim do mundo alumiado a "pitroil", e nunca percebi como é que aquele povo todo não morreu vítima de uma epidemia de incêndios vínicos e domésticos. Já agora: se a "luz" fosse a pilhas, uma novidade que chegou a Passos com o atraso considerado pelas autoridades como o mais conveniente, então chamava-se "foxe", devendo dizer-se "focse". E, sim, escrevi mesmo questã, não lhe falta o ó final...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Tocavam sempre duas vezes
Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A sit...
-
Foto Hernâni Von Doellinger A minha rua era um largo. Santo Velho, como lhe chamavam os antigos, ou apenas Santo, como lhe chamávamos nós os...
-
Vou a Oliveira de Azeméis, por exemplo, e levo uma data de "Ó jovem!", geralmente debitada por pessoas de bandeja na mão e com ida...
-
Isto passou-se na Brecha , palavra de honra, em dia de bolo com sardinhas , portanto num sábado, se não me engano. E as sardinhas eram evid...
Sem comentários:
Enviar um comentário