O meu sogro foi sempre um homem muito poupado. Não foi ele o inventor da reciclagem nem sequer sabe o que a palavra quer dizer, mas desde que o conheço que o vejo a dar uma segunda, uma terceira e até uma quarta oportunidade às coisas, às ferramentas, às alfaias, aos arames, às folhetas, aos "ferrenchos", aos monos enjeitados, aos tijolos, aos paralelipípedos, aos nadas com que ia topando na rua. Levava-os para casa, adoptava-os. Os anexos da casa do meu sogro são hoje em dia um perigoso ferro-velho, um sucata sem serventia nenhuma senão para os ratos, ou, como eu costumo dizer sem tampouco abrir a boca, uma lixeira que ainda me há-de enterrar em merda até às orelhas. Mas adiante.
Volta não volta, quando despejo para um garrafão de plástico o saquinho colector da urina do meu sogro, ele, num raro instante de lucidez, pergunta-me com todo o interesse, e é das poucas vezes em que usa a boca para falar: - Ó Hernâni, o que é que você faz agora a isso, para que é que serve?
E ora bem: eu não posso mentir ao meu sogro, não lhe vou dizer que a sua própria urina vai servir para medicamento, para detergente, para fertilizante agrícola ou para combustível, essas tangas todas das notícias. Muito menos lhe posso revelar que desperdiço a urina pela sanita abaixo. Digo-lhe, portanto, a verdade. Puxo-o para cima, para que não embarre com os pés no fundo da cama, espreito-lhe a fralda a ver se tenho de o mudar, viro-o com cuidado, ajeito-lhe o tubo da algália, o pijama e as almofadas, aconchego-o sem apertar, dou-lhe um abraço apertado, recebo um sorriso infantil, e conto-lhe toda a verdade, a verdade nua e crua: - A sua urina, Sr. Carvalho, olhe bem para esta cor, olhe-me que categoria, a sua urina segue daqui directamente para engarrafar na cooperativa, e pode crer que é o melhor espadal que anda aí no mercado, a cinco euros e noventa e nove em promoção. A sua doença foi a nossa sorte. É só lucro, Sr. Carvalho, graças a Deus estamos ricos...
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