quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Papando uns e outros

Chegava a época de Natal, por exemplo assim como agora, e ele, entre bombons e bumbuns, levava tudo a eito e sem destrinça. Padecia de uma espécie muito avançada de paronímia, segundo atestado médico, e a mulher desculpava-o, que remédio...

Fafe não gosta da família?

Onze municípios do Minho são amigos da família. Eu não sei o que é que isso quer dizer, mas Fafe não consta dessa lista, o que pode significar, logo à cabeça, que o município de Fafe não é amigo da família. De acordo com o jornal O Minho, de onde recolho esta informação, Amares, Arcos de Valdevez, Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Monção, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Famalicão, Ponte da Barca e Valença tiveram direito este ano à "bandeira verde", atribuída pelo Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis, e Fafe não, o que, por exclusão de partes, parece indiciar que a autarquia fafense não é familiarmente responsável.
Este ano, no total, foram distinguidos 108 municípios por todo o país, mais 13 do que no ano passado, e nem assim Fafe lá chegou. Insisto: eu não sei o que é que isto quer dizer, limito-me a ser eco da notícia, eventualmente omissa na quase sempre faustosa comunicação municipal.

P.S. - Hoje é Dia das Cidades pela Vida e Dia Internacional da Cidade Educadora. Também haverá bandeiras para distribuir? E Fafe tem?

Outono é uma força de expressão

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Brothers in arms

Já restavam poucos, cada vez menos, mas juntavam-se ano após ano, vindos do país inteiro: o Aguiar da Beira, o Ferreira do Alentejo, o Vieira do Minho, o Miranda do Douro, o Castanheira do Ribatejo, o Costa da Caparica, o Nogueira da Maia, o Oliveira de Azeméis, o Vale de Cambra, o Canas de Senhorim, o Leça da Palmeira, o Figueira de Castelo Rodrigo, o Freixo de Numão, o Sobral de Monte Agraço, o Lajes do Pico, o Santiago do Cacém, o Vila Nova de Cerveira e o Antunes de Pevidém, que nem sequer foi à tropa e ninguém sabe como é que começou a aparecer...

P.S. - Hoje é Dia do Soldado Desconhecido.

A representação dos emigrantes

"O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes" é o tema da conferência que se realiza depois de amanhã, quinta-feira, 30 de Novembro, pelas 18 horas, no Salão Nobre do Teatro Cinema de Fafe. Maria Manuel Aguiar, ex-secretária de Estado da Emigração, será a oradora. A entrada é livre.
A quem não puder participar presencialmente, o Museu das Migrações e das Comunidades, promotor do evento, esclarece que será possível fazê-lo online, acedendo ao link:

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A arte de instagrar

Foto Hernâni Von Doellinger
O jornal Público ensinou-nos aqui atrasado o que se deve fazer quando "um prato absolutamente fenomenal (ou não tão fenomenal assim) chega à mesa." E então o que é que se faz? "Come-se? Não, primeiro fotografa-se." E coloca-se no Instagram. Depois, suponho, pede-se a continha, sai-se de casa ou do restaurante chique, enfia-se o boné e vai-se deglutir duas ou três bifanas e uma avestruz à Conga. Eu não sei o que é o Instagram (aliás cuidava que se chamava Instragam e só mudei de ideias ainda agora, depois do computador me corrigir dezasseis vezes), e nem me aquece nem me arrefece que pensem que estou a mangar. Sei é de cozinha, e de jornalismo também dou uns toques, modéstia à parte.
Quem escreve sobre gastronómicas matérias no jornal da Sonae vê-se que tem inúmeros mestrados e consideráveis doutoramentos em Técnicas de Titulagem, mas também se percebe que é gente que só entra na cozinha para perguntar à mãezinha "o que é o comer". Não nego à partida que estas senhoras e estes senhores jornalistas sejam experts em lasanha pré-cozinhada do Lidl ou em rissóis e alegados bolinhos de bacalhau congelados do Pingo Doce, posto que fazem das tripas coração para que o patrão não saiba. Falta-lhes é o resto, a basezinha, como diria o nosso Eça, que, esse sim, sabia de mesa.
Vamos supor: um prato realmente "absolutamente fenomenal" como, não vamos mais longe, um arrozinho de grelos com fanequinhas fritas, à moda do que se fazia em Fafe e eu faço cá em casa. Chega à mesa e tira-se-lhe fotografias - deste e daquele lado, do direito e do avesso, de ângulo aberto ou fechado, visto de cima ou de baixo, de luz acesa ou com flache - em vez de se lhe garfar com toda a galhardia? Então vou explicar o que se passa entretanto: o malandro do arroz coalha, fica arroz de hospital, argamassa de atirar às paredes, e as fanecas, esse peixinho tão honesto, esfriam, perdem a graça, afeiam-se, desapetitam-nos. Uma calamidade!
E atenção que as fanequinhas frias ainda vá lá, mas no tasco e no Verão. E verão que tenho razão (esta veia poética que não me larga), quando um dia perderem a cabeça e experimentarem, o Verão e o tasco. Já o arroz segue directamente para o balde do lixo, tamanha dor de alma ainda por cima nestes tempos agrestes de cotão nos bolsos e tanta fome na rua.
Também é verdade: há pratos que são como a vingança, devem ser servidos frios, e por isso até se chamam pratos frios - como comprova a orelheirazinha lá de cima. E estes podem ser fotografados à moda das sessões de casamento, quero dizer: entre as oito da manhã e as seis da madrugada do dia seguinte, sempre a dar-lhe. Quanto ao resto, por amor de Deus, fiquem quietos! Creio que posso dizer melhor: respeitosamente, comam fotografias à vontade se, tipo, lhes souber bem, mas, por favor, não me instagrem a comidinha a sério (à séria, se por azar lido em Lisboa)...

Já agora: um tasco é um tasco. Uma tasca ou uma tasquinha são outra coisa...

P.S. - Hoje é Cyber Monday, e é para o que está.

Etiqueta à mesa

Isto devia ser ensinado desde os bancos da escola: o telemóvel ou o tablet não fazem parte do talher e portanto não devem ir à mesa. O talher tradicional, numa família como deve ser, é composto pelo conjunto de garfo, colher, faca e comando de televisão. Mais nada.

sábado, 25 de novembro de 2023

Cimeira de alto nível em Fafe

Foto Hernâni Von Doellinger
Portugal ardia no ano de 1975. Em Fafe, o ambiente político e social também se extremava, de uma forma particularmente artificial e burgessa, manobrada à distância, os artífices sem darem a cara e os burgessos na linha da frente, e com consequências tão trágicas, tão localmente desestruturantes, deixando feridas tão a céu aberto, que a nossa terra nunca mais foi a mesma - mas isso, a história dessa irreparável tristeza, fica para outro dia.
O País a ferro e fogo, e Fafe também. Havia ameaças, tiros, atentados, punham-se bombas, assaltavam-se e incendiavam-se sedes partidárias. Sobretudo a Norte. Sobretudo do PCP. Dava na televisão, saía nos jornais, que tomavam posições. No Comércio do Porto, dois jornalistas experientes e com agenda, Ercílio de Azevedo e Fernando Barradas, assinavam uma coluna que viria a dar brado, "Os Cravos na Ferradura", um espaço militante com o seu quê de reaccionário, como então se dizia à esquerda. Essas crónicas, geralmente bem esgalhadas, escritas às vezes com graça, foram o consolo e o farol doutrinário de muito boa e santa gente durante o PREC (Período Revolucionário em Curso) e o Verão Quente, do 11 de Março ao 25 de Novembro, e com tal sucesso entre os leitores mais conservadores ou fascistas recentemente desmamados que as tiragens do Comércio terão subido aos cem mil exemplares, contando-se até que houve jornais, em certos dias, a serem vendidos na candonga a 100 escudos cada um.
O êxito foi tal que alguns daqueles artigos transformaram-se rapidamente em livro, com prefácio de Paradela de Abreu. A obra, com o mesmo título da rubrica original, "Os Cravos na Ferradura", ainda hoje pode ser encontrada por aí, na internet, em diversos sítios de alfarrabistas e simpatizantes, mais ou menos recomendados.
O Comércio do Porto era objecto de culto. No país beato e de direita revanchista, guerrilheira, e em Fafe também. Um dia, 11 de Outubro de 1975, estava eu no tasco do Nacor com o meu tio Américo, eu e os meus 18 anos, na cozinha da Dona Isabel, que era um brinco e um mundo, e o Landinho Bacalhau, o antigo, anunciou que um grupo de ilustres fafenses iria homenagear naquela noite os jornalistas do Comércio. Seria com uma ceia, altas horas, no restaurante do Café Académico, e os homenageados fariam o favor de comparecer.
Eu quis logo saber se admitiam penetras, eu. Eu queria conhecer jornalistas a sério, precisava de ver como é que eles eram. Se eram praticamente como nós, as pessoas normais. O Landinho explicou-me que "a condição sine qua nonpara participar na coisa era ser leitor do Comércio do Porto, e isso eu era, porque o Comércio do Porto era o meu jornal, isto é, o jornal do café, do Peludo, mas que tinha de perguntar ao organizador do evento, que era o Senhor Francisco Oliveira, que disse que sim. Por outro lado, aquela foi a primeira vez na minha vida em que eu ouvi a expressão cagona sine qua non e gostei bastante, embora esta seja também a primeira vez em que a uso motu proprio, e logo duas vezes.
Portanto lá fui. O grupo de ilustres fafenses era composto, se não me engano, pelo vimaranense Fernando Roriz, que foi deputado, presidente do Vitória e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, entre outras encomendas, pelo Dr. Marques Mendes, Dr. Antunes Guimarães, Chiquinho Gonçalves, Manel da Pinta, o Landinho, o Francisco Oliveira, eu a um canto a tirar apontamentos de cabeça, decerto mais alguém ou alguéns de que não me lembro e, não sei porquê, gosto de pensar que o Dalmo Pinto também por lá passou ou esteve, antes, durante ou depois.
Um curioso painel, aparentemente heterogéneo, unido talvez, pelo menos naquela altura, por um certo anticomunismo, mais semântico do que primário, num ou noutro caso, se é possível dizê-lo, gente de alguma forma ligada ao PSD e ao PS locais, e eu, que não era de um nem de outro, antes pelo contrário, lá estava destoando como sempre e ainda hoje me sinto muito bem com isso.
Da parte do Comércio do Porto, o Fernando Barradas primou pela ausência, mas apresentou-se o Ercílio de Azevedo, acompanhado por dois futuros directores do jornal, o Silva Tavares e o Manuel Teixeira, que era então um rapazinho e que viria a ser também administrador da Lusomundo e chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara do Porto, sendo mesmo considerado, ainda hoje, o principal conselheiro do ex-líder do PSD. Não eram os únicos, que nisto, quando é para comer e beber, os jornalistas aparecem sempre, mas varreram-se-me os outros.
A ceia foi a madrugada inteira e os pormenores mais delicados ficam, para já, comigo. Mal eu sabia como é que viria a ser a minha vida alguns anos mais tarde. Comeu-se e bebeu-se bem, isso posso desde já dizer. Falou-se muito. Eu não. O Dr. Guimarães meteu os jornalistas na ordem quando um deles, entusiasmado, se pôs em bicos de pés. Percebemos porque é que Ercílio de Azevedo, autor das famosas "Tripas à moda do Porto", escrevia melhor, segundo nos contaram, quando decilitrava. No centro da mesa havia um bolo que o Senhor Francisco Oliveira mandara fazer na Pastelaria Monumental. O bolo exibia uma ostensiva pena alegórica e decerto alguns dizeres alusivos aos plumitivos convidados. Não sei quem é que pagou a conta, bolo incluído, que deve ter tido uma saída do caraças, não faço sequer ideia se havia preço de inscrição ou multa de presença. Se havia, eu fiquei isento.

Agora. O Senhor Francisco Oliveira (1928-2021) era um querido amigo. Não naquela altura, mas nos últimos anos. Ligava-me de vez em quando, avisava-me que vinha ao Porto, a tratamento, mas só nos pudemos encontrar uma vez. Passámos um pedaço de tarde à conversa na Rua Sampaio Bruno, falou-me do livro que queria escrever, tirei-lhe o retrato que pus lá em cima, visitámos a Feira do Livro, que era ali ao lado, na Avenida dos Aliados. Ele comprou e eu não. Também ia sabendo dele pelo Bertinho Dantas.
O Senhor Oliveira, Francisco Oliveira Alves, era um homem bom, generoso, às vezes de uma desarmante pureza, e esforçava-se por fazer parte da História. Fez. Houve quem o usasse, e ele queixava-se. É um fafense excelentíssimo, certamente um dos melhores da sua geração. Para além disso, era pai do Chico, meu colega de escola e amigo de infância, mas isso já seriam outros quinhentos.
Só hoje, entre parágrafos deste texto, é que apaguei do meu telemóvel o número do Senhor Francisco Oliveira. Era assim que lá estava: Senhor Francisco Oliveira. Apaguei e, caramba, agora parece-me que perdi alguma coisa e não sei o que hei-de fazer ao velho cartão-de-visita corrigido à mão...

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Deixe-se estar, que está quentinho

Hoje é Black Friday e é Dia de Não Comprar Nada. Confuso? Como o tolo no meio da ponte e sem saber para onde se virar, ainda por cima com uma grande superfície ao pé de cada porta? Então vá por mim, fique em casa, não saia sequer da cama. Está um frio do caraças e é dinheiro que poupa.

Vai uma setinha, ó jeitoso?

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O sapo como animal doméstico

Tínhamos também um sapo. Isto é, uma vez à noite tivemos um sapo, mesmo nosso, nem foi preciso ir ao café ver televisão, se o Sr. Avelino por acaso a ligasse, mas não lhe pusemos nome. Eu conto a história do sapo.
A porta da nossa casa no Santo Velho tinha, em baixo, junto ao chão, um bocadinho de folheta levantada, e era ali que se deixava a chave, de uns para outros, éramos pelo menos seis, como, por exemplo, à noite, quando a nossa mãe já nos dava licença de saída até às 22 horas, ao Nelo e a mim, e depois no regresso a gente metia a mão no buraco, tirava a chave, que era digna de São Pedro, há que dizê-lo, abria a porta em câmara lenta, a monumental chave de bico calado, bem oleada, e entrávamos em casa com os pés debaixo dos braços para não fazermos barulho, a nossa mãe fazia de conta que estava a dormir e portanto só de manhã é que nos acertava o passo por termos chegado às 22h01.
Acontece que. Uma noite, findo o serão, estamos à porta, e o Nelo, que é mais velho, manda-me apanhar a chave. Eu meto a mão no vazio da folheta e, em vez da chave, agarro um enorme sapo que lá se tinha metido, filho da puta, e apanhei um susto que me ia mijando todo, estremeci-me até hoje, argh!, enchi-me de nojo, arranquei a mão como se a tirasse do fogo e rasguei-me na chapa ferrugenta, gani, vomitei, cocei-me antecipando verrugas para toda a vida, palavra de honra, e o caralho do sapo, como se não fosse nada com ele, saiu nas calmas felizmente para o lado da rua, caso contrário eu nunca mais entraria em casa. Entrámos, a nossa mãe a pé, à nossa espera, e a hora de picar o ponto já não interessava para nada. Levámos logo ali, por causa do sapo, da ferida, do vomitado, do barulho, quer-se dizer, do "espectáculo", que a nossa mãe não tolerava, fosse em que circunstância fosse. Tudo por minha culpa. Ainda por cima eu tinha dito "argh!" e em nossa casa, que era muito pobre, estavam terminantemente proibidas as onomatopeias, sobremaneira as derivadas dos livros aos quadradinhos...

Os sapos à porta realmente incomodam-me. E metem-me nojo sobretudo os sapos à porta dos restaurantes ou de outros estabelecimentos comerciais. É. Como sou um bocado cigano, recuso-me também a entrar.

Os sapos às vezes são de engolir, como aconteceu com Álvaro Cunhal e o PCP na segunda volta das eleições presidenciais de 1986, para derrotar Freitas do Amaral, candidato da direita, e, só por isso, eleger Mário Soares. "Vamos ter de engolir um sapo. Se for preciso, tapem a cara [de Soares] com uma mão e votem com a outra", recomendou Cunhal aos comunistas. Para se distinguirem dos faquires, que engolem facas, os engolidores de sapos chamam-se sapires.

No velho tasco do Toninho Nacor havia um sapo que era um jogo, na zona cimentada do quintal logo depois da cozinha, por baixo do sombroso caramanchão, ao lado das famosas gaiolas dos pássaros e do forno de cozer vitela e bolo. O sapo era um jogo tradicional e de taberna, um jogo de mesa em forma de armário aberto com inúmeras ranhuras correspondentes a outras tantas gavetas. Jogava-se com pequenas patelas, que se lançavam para o "armário" e cada entrada correspondia a uma certa pontuação. A boca do sapo era o máximo, se não me engano. Servia para matar o tempo enquanto se esperava pela hora da merenda e dali poderia sair também "multa" aos perdedores para próximas quartilhadas.

Sobre este interessante assunto, os sapos, apraz-me finalmente registar que o Sapo, primeiro motor de busca português, foi criado por cinco estudantes da Universidade de Aveiro em 1995. Antes disso, mas em Penafiel, já era um famoso restaurante de enfarta-brutos e conceituado estabelecimento de compra e venda de árbitros de futebol.

sábado, 18 de novembro de 2023

Vai vir charters!

A notícia saiu no insuspeito tablóide inglês The Sun e portanto só pode ser verdade: para turistas, Fafe é a cidade mais barata de Portugal. Isto é, a nossa terra ficou em primeiro lugar num certo e determinado ranking, embora só para estrangeiros, e não percebo como é que ainda não rebentámos pelas costuras com tanto camone. Quem me contou a magnífica novidade foi o Pedro Dantas, que está lá na Velha Albion e sempre atento a estas extraordinarices. Uma coisa é certa: com tamanha performance, o novo aeroporto de Lisboa só pode ser em Fafe! Vai vir charters...

O espanto pode e deve ser consultado aqui: 
https://www.thesun.co.uk/travel/24722483/fafe-portugal-cheapest-city-break/?utm_campaign=native_share&utm_source=sharebar_native&utm_medium=sharebar_native

E agora as mamoas de São Jorge

Palavra de honra, eu não fazia ideia de que São Jorge também tinha mamoas. Sabia do pionono, mas a minha ignorância era completa a respeito das mamoas. Portanto, mamoas e pionono, São Jorge era realmente um monte muito bem apetrechado, hoje em dia faria um figuraço nos jornais e na televisão, e no entanto conseguiram dar cabo dele, desfazendo-o quase até às profundezas do terrapleno, ao nível da insignificância horizontal, com toda a propriedade. Que desplante!
O assunto das mamoas foi agora levantado pelo PCP fafense, que, segundo leio no Expresso de Fafe, pretende saber o que é que a Câmara está ou vai fazer com aquele património arqueológico há quem diga que com mais de quatro mil anos e descoberto em 2014 no lugar da Regedoura, limites administrativos das freguesias de Armil, Cepães e Fareja.
Eu também fico a aguardar pela resposta, que foi solicitada no início de Outubro por Maria do Carmo Cunha, eleita comunista na Assembleia Municipal, e até ontem ainda nada.
Espero que não se passe com as mamoas o que infelizmente aconteceu ao pionono. Isto é, o desaparecimento puro e simples, como já aqui lamentei no meu texto "Fafe já não tem piononos" e que era assim:

No monte de São Jorge havia um pionono. E constava que havia outro no monte de Castelhão. Fui testemunha de ambos, embora o segundo possa jamais ter existido. O pionono, para mim, era uma espécie de meco que ajudava montes de pouca monta a porem-se em bicos de pés, a chegarem-se a uma certa altura, a uma altura certa, a um número redondo que desse jeito falar. Quero dizer: era uma espécie de sapato de salto alto para caga-tacos complexados, porém ao contrário, com o tacão virado para cima e usado na cabeça. Depois tomei conhecimento do Pio IX, mas nunca percebi a relação, e acho um insulto chamar-lhe marco geodésico. Ao papa.
Assim com maiúscula, o Pionono era exactamente em São Jorge, é justo que se diga. Pionono era nome próprio, sítio, geografia. "Vou ao Pionono". Ia-se ao Pionono. Ia-se aos pinheiros pelo Natal, ia-se esgaçar umas pernadas de carvalho para o trono da cascata do Santo António, ia-se aos fentos ou ao mato para o eido ou às giestas secas para espertar a lareira do chão da cozinha, ia-se brincar aos cobóis, ia-se cagar ao monte e ia-se dar umas trancadas, e o que eu gostava da palavra trancadas, mesmo sem ainda conseguir alcançar o que ela quereria dizer.
(As giestas também davam umas vassouras de categoria e o Trancadas era um barbeiro mesmo ao lado do tasco do Neca do Hotel, proximidade que se revelava de uma comodidade extrema. Por falar nisso, lembro-me de descer um degrauzinho, mais cá para o centro da vila, ali entre a sombria loja da Rosindinha Catequista e a Cafelândia, mas esse era o Sr. António Grande, o segundo barbeiro do meu padrinho Américo. Eu ia lá com o meu padrinho mais o meu tio Zé da Bomba, aos sábados de manhã, que naquele tempo eram sempre de sol. Na espera lia-se "O Primeiro de Janeiro", mal eu sabia que ainda o haveria de fazer. O meu padrinho Américo e o meu tio Zé da Bomba eram irmãos do meu pai, o grande Lando Bomba, e depois foram meus pais, à falta do propriamente dito, por razão de força maior.)
Hoje os montes de São Jorge e de Castelhão são casas e é o progresso. Os montes foram capados, terraplenados, desarborizados, alcatroados, liquidados. Os montes morreram de morte matada e a culpa morreu solteira. Fafe já não tem piononos. Mas, dizem-me, tem ainda a "Garrafinha" e historiadores até dar com um pau. Um deles, quem dera que não chova, ainda há-de contar esta como deve ser.

Só para que conste: pio-nono será a forma "correcta" de escrever, se nos referirmos ao meco. Mas pionono pode ser também nome de doce muito popular em Espanha, na América Latina e nas Filipinas. Por outro lado, Pio IX, que se chamava Giovanni Maria Mastai-Ferretti, teve o segundo maior pontificado da história da Igreja, logo a seguir a São Pedro. E foi o primeiro papa a ser fotografado.

P.S. - Para quem se interesse por estas coisas, há mais para ler sobre os desaparecidos piononos de Fafe aqui e aqui.

A este respeito, o Pedro Dantas mandou a seguinte informação, que também nos interessa:

Fafe foi notícia esta semana no tablóide inglês The Sun, a propósito de uma não sei o quê feita por um tal de "Porto travel guide", onde Fafe aparece como a cidade mais barata de Portugal para se visitar. Ora, tirando umas aldrabices lá estampadas e uma foto do palacete que foi dos meus avós com a legenda "Igreja românica de Arões", até que ficou bonita... Aqui está.
https://www.thesun.co.uk/travel/24722483/fafe-portugal-cheapest-city-break/?utm_campaign=native_share&utm_source=sharebar_native&utm_medium=sharebar_native

Vamos a casa

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A bola, como uma mulher

Foto Hernâni Von Doellinger
Epifania
Ele viu a Luz.
Viu a Luz e disse:
- O Dragão é mais bonito.

O futebol pode ser uma coisa muito bonita. Se o pequeno astro argentino Lionel Messi estiver em campo, então é de certeza. Lembro-me de uma vez, jogo da Liga dos Campeões, há uns anos, o craque estava ainda no Barcelona e brilhou como nunca: marcou cinco em sete, bateu recordes, mas não é a quantidade que aqui me interessa - é a qualidade. A qualidade de um jogador que descansa mais do que corre, e que não corre, desliza. Que não se esfarrapa, mas pensa. E que pensa e cria como respira. A sofreguidão é uma cena que não lhe assiste. Os seus golos são obras de arte, actos de amor.
Messi conhece como ninguém, a cada momento, o ponto G da jogada que ainda nem lhe chegou aos pés. Ele adivinha o sítio onde a bola o vai procurar. Recebe-a com um beijo, oferece-lhe flores, acaricia-a, leva-a a passear, e ela gosta, retribui os carinhos, abraça-se-lhe à chuteira num abraço só desfeito no exacto momento do remate. Digo mal. Mas qual remate? Messi não chuta, passa a bola à baliza e é golo. O pequeno Messi é um cavalheiro, um amante delicado e atencioso: trata a bola como ela merece. A bola, como uma mulher...

Lionel Messi estreou-se pelo Barcelona aos 16 anos, no dia 16 de Novembro de 2003. Foi em Portugal, no jogo da festa de inauguração do Estádio do Dragão, que o FC Porto ganhou por 2-0. O menino Messi entrou em campo a 14 minutos do fim. Exactamente: o Estádio do Dragão faz hoje 20 anos. E de repente pareceu-me uma óptima ideia falar das instalações do FC Porto por um bom motivo...

domingo, 12 de novembro de 2023

"Eu e a UNITA", já à venda


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", já está à venda. Sobre si próprio, diz o autor, lapidarmente: "Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA)". A obra conta com prefácio de William Tonet.

sábado, 11 de novembro de 2023

Fafe cheirava a sabão amarelo

Do que eu gostava mais em Fafe, do que eu realmente sinto falta? Do cheiro. Fafe tinha o seu próprio cheiro, distintivo, memorial. Fafe cheirava a esmero, cheirava a limpo, a lavado. Fafe cheirava a sabão amarelo. E era isto o ano inteiro, mais ainda na semana da Páscoa, quando as nossas mães asseavam a casa especialmente para receber o Senhor. Fafe, em boa verdade, era uma acolhedora mistura de cheiros bons, um bouquet requintado, mas o honesto odor do sabão amarelo pairava sobre tudo e sobre todos. Sobretudo.
Parecia penitência, castigo. As nossas mães, dobradas horas a fio com os desgraçados joelhos enfiados naquele caixote de madeira a que uns chamam tacoila e outros chamam cunco ou outro nome qualquer, conforme a região, em todo o caso instrumento de suplício, ou então com um simples farrapo servindo de rodilha ou joelheira, as nossas mães, dizia, lavando, lavando, esfregando, esfregando, água, sabão amarelo e palha de aço, e depois chupar e secar, e depois, e só depois, talvez no dia seguinte, outra vez o castigo, outra vez a penitência, a cera regrada, o lustro puxada e repuxada, até que o soalho brilhasse como um espelho, como o sol. E ficava o cheiro. Aleluia!
De resto, os domingos em Fafe cheiravam que era uma categoria. Os domingos em geral. Cheiravam a desodorizante, a perfume, a brilhantina, a laca, a graxa, a sebo e a naftalina - tudo misturado, na missa das onze, dava uma certa vontade de gomitar, não vou mentir -, mas o melhor era o que se passava entretanto nas ruas da vila antiga, logo desde as primeiras horas da manhã, aquele extraordinário aviso dos velhos fogões de lenha, tão de confiança, tão competentes, tão autónomos, assando vitela tenra e dourada com todos os vagares, com todos os matadores, o cheiro e o fumo magníficos escapulindo-se pela chaminé carbonizada ou pelo telhado mal aparelhado e alastrando de porta em porta, como maldição de filme de mortos-vivos de hoje em dia, mas em bendição, que outros eram os tempos, graças a Deus.
Fafe cheirava. Embora hoje possa não parecer, Fafe era uma povoação rural, íntima, pacata, território de lavradores teimosos e polivalentes - tirante o Largo, isto é, o por Cima e o por Baixo da Arcada, e para além da Fábrica do Ferro e do Bugio, que eram outras vidas. Só por exemplo, toda aquela zona envolvente da Torralta, onde agora estão o bairro tão bem tratado, as várias escolas, o Pavilhão Municipal, as vivendas, as estradas e avenidas, os semáforos, as rotundas, a Biblioteca, os Bombeiros, a Feira, a Central de Camionagem e por aí fora, aquilo era tudo campos, terrenos agrícolas particularmente fecundos, os campos do Santo, Granja e São Gemil, campos, caminhos, quelhas, noras e minas, levadas e poças, com muito milho, fruta e umas quantas pipas de vinho. Era zona de carros de bois, aquela, e actualmente abunda de automóveis e tem o chão pintado a furta-cores. Fafe realmente cheirava. E à semana metia a cotio o cheiro a eido, a estrume, a lavadura, a gado, a galinheiro, a couves cegadas, a erva acabada de cortar, a terra seca acabada de regar, a medas húmidas, a chuva era farta e cheirava muito bem em Fafe.
Fafe tinha o cheiro doce das glicínias, cheirava a alfádega, a cidreira, a amoras, a tílias, a uvas americanas, aos pinheiros de São Jorge e Castelhão, a castanhas assadas à beira do tasco do Zé Manco, ao azeite do Moniz e ao bacalhau frito da Dolorzinhas no tasco do Paredes. Cheirava a maçãs guardadas nos barrotes secretos dos tectos, cheirava a geleia e a marmelada, a vinho novo, a aletria quente, a canela. Fafe cheirava todo o ano a Natal. E cheirava a piche derretido ao sol das tardadas de Verão, e cheirava a cano de escape de motorizadas sem cano de escape na noite atolambada da passagem de ano. Fafe cheirava à aguardente e ao engaço do fantástico alambique do Cinema, copiosamente manobrado pelo Sr. Zé dos Alhos, parece que ainda o estou a ver e ouvir.
Fafe cheirava a roupa a corar. Cheirava ao avental sempre lavado da minha mãe, que cheirava tão bem a sabão, a segurança e a felicidade, e eu, criança, pequenito, abraçava-me a ele, a ela, com quanta força tinha, e fechava os olhos à espera que o tempo à minha volta não passasse. É. Fafe cheirava à minha mãe.

Mansos, sim, mas não abusem!...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Jardins era uma coisa que existia antigamente

Foto Hernâni Von Doellinger
Ora vamos lá recapitular. Os jardins era uma coisa que existia antigamente. Como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides e assim. Era uma coisa muito antiga, do tempo dos romanos, basta ver que Deus, quando criou o mundo, o mundo era um jardim, mais ou menos como a Madeira, mas chamava-se Éden, como o velho cinema de Lisboa, ou Jardim do Éden ou Jardim das Delícias ou Paraíso Terreal ou simplesmente Paraíso, como o novo cinema de Palazzo Adriano. O plural de Éden é édenes, convém não esquecer.
E corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E foram. Adão e Eva cometeram o pecado original e deu na merda que deu. Até hoje.
Eu sou desse tempo. Do tempo em que ainda havia jardins. Não se sabe bem se foi por causa dos traques dos dinossauros ou derivado ao impacto de um asteróide gigante, eventualmente do tamanho de uma cidade, a verdade é que coisas antigas como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides, os jardins e assim foram regra geral varridas da face da Terra, restando hoje em dia apenas algumas amostras por assim dizer raras e razoavelmente arqueológicas.
Para que a Humanidade tenha pelo menos uma vaga ideia de como era o mundo em Portugal antes do apocalipse é que foi inventado, por exemplo, o Dia Nacional dos Jardins. E o Dia Nacional dos Jardins por acaso não é hoje, paz às suas almas. Hoje é Dia Mundial do Urbanismo.
Exactamente. Os jardins antigos, os jardins entretanto desaparecidos, foram substituídos por urbanismo, é assim que se chama a nova coisa. E como é que isso se fez? Como é que isso se faz?

Assim. Pegue-se num bom pedaço de terreno relvado, com árvores, com sombras e talvez com charcos, e arrase-se tudo. O terreno, a relva, as árvores, as sombras e os charcos também. Encha-se o espaço de alcatrão, cimento, placas de granito e mármore, pedregulhos aparelhados fazendo de conta de bancos e estacas de alumínio a imitarem árvores ou, quem sabe, a imitarem esculturas muito inteligentes, de preferência com esguichos mas sem água derivado à seca e à poupança. Isto é urbanismo! Pegue-se no jardim da cidade, arranquem-se as flores e os arbustos, envenene-se o verde, construam-se desertos em forma de praça e mandem-se as pessoas para casa. Isto é urbanismo! Pegue-se num monte, sítio de memórias, de brincadeiras da infância, santuário de locais secretos e míticos, reserva de saúde e natureza, e corte-se-lhe a crista, cape-se, desarborize-se, desfaune-se, terraplene-se, enxote-se a bicharada, cale-se o incómodo do chilreio dos pássaros, ergam-se moradias de preferência com feitio de caixote, altas, pegadas e muitas, fechadas, e muros e portões e estradas e carros e escapes e buzinas e estampanços e atropelamentos e antenas parabólicas e fios e postes de alta ou remediada tensão. Isto é urbanismo! 

Resumindo e concluindo: roubam-nos os jardins e dão-nos esplanadas desamparadas e escaldantes, arrancam-nos as árvores e impingem-nos guarda-sóis publicitários. Os senhores doutores engenheiros da Câmara chamam-lhe urbanismo. Progresso. Eu digo que é estupidez. Natural.

Death metal, realmente

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 4 de novembro de 2023

Simplesmente Simplício

Foto Tarrenego!
Sou Bomba, Dezassete e Perna-de-Pau, por parte do meu pai, e sou Neques, por parte da minha mãe, com muito gosto. Já me chamaram Américo, Mérico, Pobre, Padreca, Sacerdote, Profeta, Bítala, Cabeludo, Guedelhudo, Hippie, Careca, 05613478, Amélia, Fafe, Fafense, Filósofo, Palerma, Palhaço, Drogado, Comunista, Socialista, Anarquista, Violoncelista (é a brincar - nunca ninguém teve a coragem de me chamar Violoncelista na cara!), Caixa-de-Óculos, Ó Tio Ó Tio, Ó Jovem, Gramático, Chefe, Doutor, Professor, Andrade, Pau de Virar Tripas, Gordo, Ex-Gordo, Hernano, Hermano, Herlânder, Hermo, Irrenane, Renane, Ranano, Renamo, Ernesto, Nenuco, Aquele Senhor, O Senhor das Barbas, O Senhor dos Calções, O Senhor do Rodovalho, O Senhor é Parvo?, Você, Doente da Cama 2, Utente, Paciente, Beneficiário, Cliente, Contribuinte, Eleitor, Utilizador, Passageiro, Ouvinte, Telespectador, Participante, Visitante, Sexagenário, Indivíduo, Velho, Próximo!, Nanes, Se'Nane, Belingue, Berlingue, Bilingue, Berlindes, Boelingue, Bolingue, Galinhas, Dillinger, Dilingue, Volkswagen.
Eu, sinceramente, prefiro que me chamem Simplício. Ou então, vá lá, Agá Ramos.

P.S. - "Todos os Nomes", romance de José Saramago, foi apresentado no dia 4 de Novembro de 1997.

E a Super Bock secou na ilha do Sal

Ouço Tiago Nacarato no rádio. Canta "A Dança". Diz: "Mesmo que se acabe o stock / Da tão bem-vinda Super Bock / A vida é boa / A vida é tão boa / A vida é mesmo boa de se levar."
E lembro-me do Verão de 1990, na ilha do Sal, Cabo Verde. Agosto passava para Setembro, e a Super Bock esgotou literalmente em toda a ilha. Fui eu.

P.S. - A TAP realizou o seu primeiro voo regular entre Lisboa e a ilha do Sal no dia 4 de Novembro de 1964. Lembro-me praticamente, mas não fui nesse...

Descia a noite, e a cerveja também

Foto Hernâni Von Doellinger

Tocavam sempre duas vezes

Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A sit...