Foto Facebook Joe Biafra |
Uma noite, altas horas, saíamos da casa de má fama ali para os lados da Estação e resolvemos passear descalços pelas ruas desertas e geladas da cidade. Não sei de quem foi a peregrina ideia, mas, de tão tola, decerto foi minha. Confesso que não me lembro do que pretendíamos exactamente provar, mas gosto de pensar naquele momento insólito como um ritual de fraternidade, a celebração de uma amizade antiga e inoxidável que nos ligava desde miúdos, apesar da evidente diferença de "estatuto social" entre as nossas duas famílias. Frequentara-lhe a casa - de rico, por assim dizer, e dizia-se assim naquele tempo. Dava-me o lanche, apresentou-me ao pão com manteiga e ao café com leite. Guiou-me pelos caminhos do rock. Ensinou-me os Queen, apesar das reservas. Emprestou-me "A Night at the Opera". Eu e a minha mãe deliciávamo-nos a ouvir "Bohemian Rhapsody" uma e outra vez, mais de vinte ou trinta vezes ao dia, no pequeno gira-discos francês que nos sobrara do meu pai. E ficou Queen até hoje, posto que non troppo.
Ali íamos, portanto. O Bertinho e eu. E, sim, era realmente liturgia, era festa. Glorificávamos a camaradagem desinteresseira e fiel. Éramos irmãos. Irmãos para toda a vida e depois. Ali íamos afinal iguais, ambos de pés descalços, com as botas e as meias pela mão, trocando memórias e partilhando o riso. Passávamos em frente à Câmara e parámos - éramos, penso-o agora, uma procissão, os dois. Se naquele precioso instante soltassem revoadas de pombas brancas por sobre as nossas cabeças e lançassem estrondosas girândolas de foguetes, creio que não nos espantaríamos. Nós éramos a Senhora de Antime, a festa inteira, em pessoa...
Escandalosamente generoso e bom, leal e presente, o Bertinho chamava-me "meu rico menino", e eu gostava. Eu gostava, meu rico menino!
(Já agora: Bob Dylan, aprendi-o com o Best noite dentro, em sua casa, no Lombo. Iniciei-me com "Hurricane" e sandes de fiambre, e talvez também cerveja.)
Atenção, muita atenção! Este texto, publiquei-o no dia 1 de Novembro de 2022. Hoje é Dia Internacional do Blog e celebro-o com o meu amigo. Os blogues são uma coisa muito antiga, praticamente do tempo dos romanos. Este meu blogue, Fafismos, é sobre Fafe, sobre as minhas memórias de Fafe, sobre os melhores de Fafe que eu conheci. Como o Bertinho. Escrevo outro blogue de vocação mais generalista, o Tarrenego!, são ambos blogues pessoais e intransmissíveis, mas assim do género facebook não tenho nada para oferecer. Sei que só perco, sou lido por meia dúzia de pessoas em Fafe e uma no Reino Unido, ninguém sabe quem eu sou nem como sou, e a esses todos eu esclareço: sou assim.
Obrigado pela lembrança, Hernâni.
ResponderEliminarGrande abraço, Pedro.
EliminarMeu caríssimo amigo, ficarias surpreso com a enorme quantidade de pessoas que lêem os teus escritos, espalhados pelo mundo. Eu sei porque falo com alguns. Em Fafe então, são mais que muitos, como se dizia.
ResponderEliminarRealmente ficaria surpreso. Grande abraço, Pedro, e muito obrigado pela militância!
EliminarEntão meu amigo, não fiques porque é uma realidade. E, como dizem os brasileiros, só faz crescer.
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