terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Para cima de sargento

A ver se nos entendemos, finalmente: os óculos graduados são todos para cima de sargento?

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Sargento.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Pipi das calças rotas

Foto Hernâni Von Doellinger
A escritora sueca Astrid Lindgren, autora de "Pipi das Meias Altas", morreu no dia 28 de Janeiro de 2002, aos 94 anos. Confesso que só conheci a Pipi pela televisão, à mesa clandestina do café, na minha infância fafense, e tenho portanto noção do que certamente perdi. Mas vi-a no outro dia ali em baixo, já crescidita e gingona, a fazer números de skate, e não resisti...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

E se fossem lamber sabão?

Foto Hernâni Von Doellinger
A rede de carros eléctricos da STCP resume-se a duas linhas e chama-se, hoje em dia, Porto Tram City Tour, está-se logo a ver porquê: é produto para camones. A STCP é a Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, E.I.M., S.A. Isso. A STCP informa que o PTCT "é um ex-líbris incontornável da cidade do Porto". Do Porto - como o célebre vinho. E decerto por isso é que o eléctrico da Linha 18, ou Linha da Restauração, exibe garbosamente as cores do irlandíssimo uísque Jameson.
Que fique registado - eu não tenho nada contra o uísque Jameson, antes pelo contrário. Aliás, se o uísque em geral não soubesse a sabão e se eu gostasse de uísque, era Jameson que beberia. E bebi durante algum tempo, por armanço puro e sem gelo.
Aqui há coisa de trinta anos estive lá, na Old Jameson Distillery, em Dublin, ou na The Jameson Experience Midleton, em Cork - isso é que já não sei precisar, porque os ares da Irlanda, pelo que percebi daquela vez, para além de fazerem muito mal ao fígado, também não são grande coisa para a memória. Mas quase que posso jurar que estive lá, e fiquei convencido. O Jameson foi o único uísque que alguma vez pedi pelo nome, mais que não fosse para ex-pli-car ao resto do balcão que eu... estive lá. Depois cheguei à idade de ganhar juízo, e ganhei. Aprendi o vinho.

(Já aqui contei: havia o sabão azul, o sabão rosa e o sabão amarelo. O sabão azul era o sabão macaco, para lavar roupa de barba rija, o sabão rosa já naquele tempo era para peças mais delicadas e o sabão amarelo era para lavar as escadas e os soalhos, que, em muitas casas, depois eram encerados. E havia também o sabão para lamber, que eu nunca soube de que cor era nem que sabor tinha, mas era o que a minha mãe me mandava fazer, - Vai lamber sabão!, quando eu andava à roda dela a arengar conversa sem assunto.)

Posto isto, permito-me continuar inclinado a afirmar, aguardando entretanto comprovação laboratorial, que é com sabão de lamber que se faz uísque. Anda portanto meio mundo a lamber sabão, e era também ao que deveriam dedicar-se as cabeças da STCP que têm a distinta lata de deixar colar publicidade a uísque num "ex-líbris incontornável da cidade do Porto". Do Porto - como o célebre vinho. Nem que fosse o Três Velhotes, que o meu avô da Bomba guardava ou escondia na mala de enxoval, no quarto, mesmo em frente à cama, aferrolhada a sete chaves e ali debaixo de olho, somando todos os anos mais duas ou três, dadas ou abafadas, nunca percebi a razão daquele desenfreado açambarque. E nunca molhei o bico.
Devia ser só o prazer de não dar. E deviam ser milhões de garrafas na mala quando o meu avô morreu. E o meu avô da Bomba deve ter morrido bastante satisfeito.

Eu sei. O vinhinho em questão, modesto mas honrado, chama-se apenas Velhotes, mas o povo, que percebe muito bem os desenhos, chama-lhe desde sempre Três Velhotes. Nunca percebi por que razão produtores e distribuidores não lhe mudam o nome, aproveitando a abébia da publicidade popular. Quanto a isso, porém, Cálem-te boca...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Tino de Rans e Maria Leal, os senhores de Antime

Acabo do saber, não sem um baque no coração - e quem diz baque diz bitôbe -, acabo de saber, dizia, que Maria Leal e Tino de Rans vão ser os reis do Carnaval de Antime. Soube-o através do Expresso de Fafe, que frequento várias vezes ao dia, e devo dizer que fiquei num sino. Acho que mais pontaria era praticamente impossível, a União de Freguesias de Antime e Silvares S. Clemente acertou quase em cheio e está de parabéns. Para o tiro ser mesmo na muche falta evidentemente o Zé Cabra, mas às tantas o orçamento não dava, e também depende da disponibilidade do artista.
Julgam que eu estou no gozo, armado em intelectual de merda? Nada disso. Considero a dupla Maria-Tino, palavra de honra, uma escolha sensacional e que faz todo o sentido para o fim em questão - os reis momos do Carnaval. Evidentemente desde que a rapariga esteja contratualmente proibida de cantar.
Duvidam do que eu digo? Leiam ou releiam o que publiquei neste blogue há apenas dez dias, mal eu sabia, com fotografia e tudo, e espero que não tenha sido por isso:

Foto Tarrenego!
O Tino, o imprescindível Tino, estava de partida para a "Quinta das Celebridades" da TVI com a missão mais que esperada de fazer figura de urso, isto lá pelo ano de 2005, se não estou em erro. O meu jornal, que só tratava de assuntos assim importantes, mandou-me a Rans cobrir a festa de despedida do herói local, que meteu comes e bebes, família, vizinhos, amigos, os dois penetras do 24horas, muitos abraços e algumas lágrimas. Um exclusivo à moda antiga. O Tino, que é um cromo mas não é tolo, teve a gentileza de oferecer-me o seu livro "De Palanque em Palanque", inesperadamente prefaciado por D. Manuel Martins, e acrescentou-lhe uma profética dedicatória, sarrabiscada mesmo antes de entrar para o carro rumo à capital. Escreveu: "Hernâni, espero-te quando sair da Quinta em ombros. Rans sairá em ombros também." E assinou: "Tino de Rans".
Eu não sei se o Tino saiu em ombros, decerto não, mas sei que não fez figura de urso enquanto esteve na Quinta. Fez com que outros fizessem por ele, e já não foi pouco. Repito: o Tino não é lerdo, apenas se esforça por parecer. E goza o prato...
De resto, para mim, o Tino de Rans é praticamente presidente da república. Por isso guardo com tanta vaidade o livro e o autógrafo com que ele me agraciou.

Ambos os dois

A minha sogra fez ontem 91 anos e padece de um apetite voraz. Prato, sopa e sobremesa em quantidades que eu aqui não digo para evitar a abertura de um conflito diplomático com a Somália. Digamos apenas que a minha sogra é uma multidão a comer. Aqui atrasado perguntei-lhe, após o presigo:
- E agora, quer fruta ou bolo?
- Pode ser - respondeu-me a minha sogra.
- Pode ser o quê? - insisti, até porque a minha sogra é um bocadinho surda quando quer.
- Fruta e bolo - esclareceu a minha sogra, sem sequer olhar para mim. - E café...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Zé do Boné, mais português era impossível

O Zé do Boné andou mais de meio século pelas páginas de O Primeiro de Janeiro e hoje em dia seria um herói impossível. Porque politicamente incorrecto. Criado pelo cartunista britânico Reg Smithe, o malandro Andy Capp, assim se chamava de origem, foi visto pela primeira vez no dia 5 de Agosto de 1957 no jornal Daily Mirror. Internacionalizou-se em 1963, quando passou a ser editado nos Estados Unidos, e chegou a ser publicado em mais de mil jornais, cinquenta países e treze línguas.
Por cá, O Primeiro de Janeiro tomou conta de Andy Capp e rebaptizou-o, numa adaptação feliz, como Zé do Boné. E é como esse nome que o conhecemos até à actualidade. Zé, para ser "português" e porque sim. Do boné, como a própria imagem indica. Zé do Boné.
O Zé era o típico elemento da classe trabalhadora que na verdade nunca trabalhou. Cidadão imprestável, machista, engatatão sem sucesso, copofónico de gabarito, mentiroso, preguiçoso, implicativo, conflituoso e, numa só palavra, arruaceiro, passava a vida entre o sofá de casa e o balcão do bar da esquina, reservando algumas horas para andar à pancada nos jogos de futebol. Apostador inveterado, as suas modalidades desportivas favoritas eram, para além do pontapé na bola, a columbofilia, o bilhar e as corridas de cavalos. Para além disso, batia na mulher, Flo, trabalhadora esforçada que também gostava do seu copinho e que, quando não, lhe devolvia alguns sopapos.
Enfim, todo um compêndio de indecência e má figura. Ou por outra: acho que conheço este tipo de algum lado.

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

O broche (propriamente dito)

Foto Hernâni Von Doellinger
Há quem diga que não há diferença nenhuma entre um broche e um colchete, que são uma e a mesma coisa. Dicionários razoavelmente informados, como, por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, sétima edição, que é a que tenho aqui sempre à mão, consideram-nos, ao broche e ao colchete, sinónimos. Eu, com o devido respeito, discordo. Para mim, tirando o che que ambos ostentam, não há comparação possível entre um broche e um colchete. Um broche é um broche e um colchete até pode ser um parêntese recto. Um é uma coisa e o outro é, às vezes, um empecilho. Só quem não passou por eles é que se confundirá. Sei do que falo. Também sei de salas de costura, não cuidem, mas, vamos lá, admitindo a paridade, se vosselências forem gramáticos como eu e quiserem tirar a questão a limpo, se tiver de ser um ou outro, se pretenderem escrutinar a minha preferência, perguntem-me então sem tibiezas: broche ou colchete? E eu digo logo e sempre: broche. Broche, evidentemente. Nem imagino que se possa dizer: olha, faz-me um colchete!...

Gramático era o que me chamava o Empregado do Arquivo quando, por azar, calhávamos os dois no mesmo autocarro às voltas pelo Porto, cada qual na sua vida. O Empregado do Arquivo, assim autodenominado, meu camarada em O Primeiro de Janeiro, morava, se não me engano, no Hospital Conde Ferreira, dava três voltas sobre si próprio antes de cruzar a porta do jornal, em Santa Catarina, e era filho do poeta Alberto de Serpa, que lhe batia em público. Isso, Alberto de Serpa, ilustre membro da geração de Orpheu, modernista, presencista, o poeta da poesia livre, do lirismo do quotidiano, enfiava uns generosos sopapos ao filho, sem medo de testemunhas e de acusações de violência por assim dizer doméstica. O rapaz conseguia ser realmente muito chato, irritante até ao quinto caralho, dava cabo da cabeça ao velho, que tentava acompanhar sem sobressaltos o fecho do suplemento literário "Das Artes Das Letras", mas, quer-se dizer, o rapaz, assim o tratava o pai, era tolinho encartado, estava internado e tudo, e, que diabo, já tinha para aí quarenta anos...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Nas mãos de Agustina

Agustina Bessa-Luís ocupou o cargo de directora de O Primeiro de Janeiro entre 1986 e 1987. Digo bem: ocupou o cargo. Fazendo o favor a Diogo Freitas do Amaral, a quem o jornal da portuense Rua de Santa Catarina tinha sido dado pela família Pinto de Azevedo. Agustina entrou e mandou logo mudar de sítio a secretária do gabinete da direcção, a sua secretária de trabalho, para poder apanhar solzinho nas perninhas. É a grande marca do seu consulado. De resto, era bonito de se ver aquela mulherzinha de carrapito e xaile ou lenço pelas costas, sentada quase invisível, debruçada sobre o mesão, com os pés balançando a meio caminho do soalho, manuscrevendo laboriosamente numa letrinha mínima, encarreirada e esdrúxula que era preciso desvendar.
Agustina escrevia para o jornal uns "editoriais" extraordinários, que eram tudo menos editoriais. Eram pérolas literárias, histórias, contos, ensaios, que viam a luz do dia no cantinho superior esquerdo, ou talvez direito, da primeira página.
A directora não sabia nada do jornal e o jornal também não queria saber dela. Um dia o chefe de redacção entrou-lhe no gabinete perguntando-lhe o que fazer com uma notícia eventualmente mais melindrosa e que agitava na mão. É, antigamente as notícias viajavam em folhas de papel. "Eu não sei nada disso", enxotou a directora, "vá falar com o chefe de redacção". E o chefe de redacção disse "Com certeza, senhora directora", e foi falar consigo mesmo, modalidade, aliás, em que ele era e ainda é campeão.
Agustina deixou O Primeiro de Janeiro depois dos pascácios da administração lhe terem feito a sacanagem de publicar, sem lhe dar cavaco, uma edição apócrifa do jornal, a pedido das bolachas Triunfo. A escritora exigiu a demissão dos administradores, que se mantiveram nos seus lugares, agarrados ao tacho como lapas. Saiu ela.
Sei disto tudo e outro tanto porque conheço muito bem o tipo que revia os "editoriais" de Agustina no velho Janeiro e que, vítima do efeito dominó provocado pela honrada renúncia da directora, acabaria por ter de tomar conta da redacção. Conheço-o tão bem que é como se me visse ao espelho.

Hoje é Dia da Escrita à Mão. No Janeiro, onde entrei como revisor, após concurso, lidei também com os extraordinários gatafunhos do filósofo Sant'Anna Dionísio (1902-1991), um velhinho minúsculo, já algo distraído e inesperadamente simpático que nos visitava amiúde, com os bolsos do casaco quase pelos pés atafulhados de folhas de papel manuscritas, riscadas, emendadas e acrescentadas numa letra desengonçada e a bem dizer indecifrável que me calhava sempre a mim, por ordens expressas do chefe da revisão, o sábio Professor Horácio. Sant'Anna Dionísio escrevia uma infindável série de artigos sobre o também filósofo Leonardo Coimbra (1883-1936), que tinha sido seu mestre e era o seu ídolo, por assim dizer. José Augusto Santana Dionísio era talvez o mais notável colaborador do prestigiado suplemente literário do PJ, "Das Artes Das Letras", no meu tempo coordenado pelo poeta Alberto de Serpa (1906-1992), outro incorrigível praticante da escrita manual e evidente filho da mãe, mas desta derradeira idiossincrasia conto dar parte se calhar amanhã.

Viva a liberdade! Abaixo as cuecas!

Christina Aguilera informou que não usa cuecas. Foi aqui há uns anos, lembram-se? Veio nos jornais. A cantora norte-americana fez saber que gosta de se sentir livre e as cuecas não deixam. E eu ponho-me a pensar: às tantas, quando os nossos governantes nos mandam baixar as calças só estão a pensar no nosso bem...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Liberdade.

À la Tornatore

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 22 de janeiro de 2023

Bacon, Bacon, Bacon & Bacon

Antes de ser toucinho fumado ou gordura subcutânea do porco, Bacon tinha um primeiro nome: Francis. Foi político, estadista, filósofo empirista, cientista e ensaísta inglês durante os séculos XVI e XVII, sendo considerado um dos fundadores da ciência moderna. Este Bacon era filho de outro Bacon - Nicholas Bacon -, político durante o reinado da rainha Isabel I, notável como lorde guardião do Grande Selo. Ainda Bacon mas agora Nathaniel, converteu-se a colono da Virgínia, EUA, e ficou famoso por liderar uma rebelião nem de propósito chamada Rebelião de Bacon. Isto em 1676. Largos anos mais tarde, nos finais do século XVIII, fez-se John e escultor, e já no século XX, outra vez Francis, dedicou-se à pintura figurativa...

P.S. - Francis Bacon, o cientista, visconde de Alban e barão de Verulam, aliás também referido como Bacon de Verulâmio, nasceu no dia 22 de Janeiro de 1561.

O Evaristo e o Evereste

Diz o chinês: - Além disso, temos o Evereste, que é o maior monte do mundo!
E diz o português: - E nós temos o Evaristo, que, não desfazendo, também é uma jóia de pessoa...

P.S. - Hoje é dia do Ano Novo Chinês. O ano de 2023 é o Ano do Coelho.

What's up, doc?

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 21 de janeiro de 2023

A sagrada comunhão

Era uma vez. A minha sogra estava a ver na televisão a missa do 13 de Outubro no Santuário de Fátima. A santinha, isto é, a minha sogra, que graças a Deus não padece de fastio, antes pelo contrário, costuma almoçar cerca das 11h30, nunca mais tarde, mas a missinha tomara realmente conta dela, ensimesmada numa tremenda devoção, sem sequer deitar os olhos ao aparelho. Resolvi ainda assim espreitar à porta da sala e perguntar-lhe a medo, num sussurro, se quereria comer à horinha ou se esperávamos pelo fim das cerimónias. - No fim da santa missa!, respondeu-me com rispidez, como sempre e como se por um segundo eu lhe tivesse interrompido o Céu. Pronto: a mesa podia esperar.
Os ponteiros do relógio andaram um quarto de hora, mas a televisão não: a missa continuava no mesmo sítio. Era a comunhão e a fila de comungantes não havia maneira de chegar ao fim. A minha sogra agitava-se, os impasses incomodam-na sobremaneira, especialmente se lhe atrasarem o tacho. Levantou-se então do trono, com aqueles ruídos que fazem parte, e ordenou a todos os seus súbditos, que sou apenas eu, miseravelmente eu: - Vamos mas é comer, que isto é povo sem jeito para a sagrada comunhão!...

O que Deus uniu...

Eram dois amigos antigos, amigos do peito, leais, assíduos, generosos, cúmplices, irredutíveis, amigos com agá grande. Ainda por cima tinham Deus em comum: um acreditava, o outro não.

Ao menos os bombeiros...

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Um bobsleigh em segunda mão

Foto Hernâni Von Doellinger
No tempo dos sonhos eu tive um: comprar um bobsleigh em segunda mão, pegar na mulher e no futuro que nos resta e mudarmo-nos os três para Santiago de Compostela, que era o estrangeiro que me estava mais à mão e nós gostávamos razoavelmente derivado às ruinhas, às tapas e às cañas e por a bem dizer nem sequer ser estrangeiro. Melhor dito, gostamos muito. Mas hoje em dia: a Galiza anda tão à rasca como a gente, o tempo parece meio tolo e saraiva por mais que saraive, ainda que seja saraiva galega - isto é, sarabia, graínzo, pedra, pedrazo, salpedrés, saragana ou saraiba -, não é neve nem dá lanço. Ia fazer o quê com o bobsleigh na Praça do Obradoiro? Do Obradoiro, que nome extraordinário e sugestivo... Ainda por cima, os gandulos do governo do lado de cá cortaram-me as vazas, entesaram-me até ao cutão. Desisti portanto do bobsleigh e tirei o passe do metro para a Senhora da Hora. Segundo julgo saber, na Senhora da Hora não neva há variados anos por uma questão de princípio. Que se segue: de bolsos vazios e sonhos roubados, fico olimpicamente em casa à espera do Verão de que não gosto. Sem bobsleigh, sem ruinhas, sem tapas e sem cañas. Uma seca que só visto.
Sou dado a invernos. Melhor que chova em Santiago. E que neve e que gele. Ou então nada disso, que ao ponto a que chegámos também não interessa, mas Santiago, sempre Santiago, mesmo sem bobsleigh e ainda que faça sol. Um dia destes lá iremos, eu e a mulher, dar uma vista de olhos ao futuro que estava para ser. É viver a vida pelo lado de fora, mas antes isso que nada...

No tempo dos sonhos nevava em Fafe. Não era preciso ir mais longe. Em Fafe, mesmo no centro da vila. Não era preciso alongar vistas para os cumes da Lameira ou da Lagoa e sonhar modestas aventuras impossíveis. O nosso Santo Velho pintava-se de branco, contavam-se os centímetros de altura do "nevão", faziam-se bonecos, pelo menos boneco, com nariz de cenoura e tudo, declaravam-se guerras de bolas de neve, ensaiavam-se trambolhões de criar bicho, chorar era proibido. 
Os campos nas traseiras da nossa casa, onde hoje está o Pavilhão Municipal, enchiam-se de moçarada brincalhona e apressada, porque a neve era efémera e sabia-se lá quantos anos depois estaríamos outra vez à espera. Lembro-me de uma ocasião, um acontecimento: o Foto Victor com os filhos a fazerem uma festa tremenda, e o Foto Victor a tirar retratos atrás de retratos, fotografias sorrateiramente alpinas que depois expôs, algumas, nas montras da loja em frente aos Correios.
Fafe também tinha disto, nomes assim, esdrúxulos. O Sr. Victor era fotógrafo com porta aberta e o estabelecimento chamava-se Foto Victor. Portanto o Sr. Victor passou a chamar-se Foto Victor. Aliás, como o Foto Jóia, mas este no Largo, à beira do Talho. Foto Jóia era simultaneamente o nome do "estúdio" e do seu proprietário. "Vem aí o Foto Jóia!", dizia-se, e era a coisa mais natural do mundo.

Entretanto comprei um carrinho de mão praticamente novo e temos dado as nossas voltas por aí, a mulher e eu. Compostela pode esperar. Às tantas vamos a Fafe ver a neve. Ou pelo menos os sonhos...

Será do tempo?

É Janeiro e faz um frio de rachar. Parece impossível...

Sobretudo

- Sobretudo ou principalmente?
- Com este frio, sobretudo...

Este frio, que não há meio...

Estou como diz o povo e com razão: mais vale sol do que mal agasalhado.

Céu geralmente

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Rio-me por tudo e por nada

Gosto das escorregadelas em casca de banana. É humor de casca-grossa. Mas prefiro os trambolhões em pele de cereja - piada fina. A vida é uma comédia e há quem não saiba...

O melhor remédio

- O riso é o melhor remédio?
- Há quem diga...
- E é comparticipado?

Cuidado com o riso!

Tomem-se todas as precauções. O riso é altamente contagioso.

Brincar em serviço

Ele nunca brincava em serviço. O que, para um palhaço de circo, era talvez contraproducente.

Bem-disposto e bem-mandado

Mandavam-no: - Vai-te rir prò caralho! E ele ia.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O autógrafo do Tino

Foto Tarrenego!
O Tino, o imprescindível Tino, estava de partida para a "Quinta das Celebridades" da TVI com a missão mais que esperada de fazer figura de urso, isto lá pelo ano de 2005, se não estou em erro. O meu jornal, que só tratava de assuntos assim importantes, mandou-me a Rans cobrir a festa de despedida do herói local, que meteu comes e bebes, família, vizinhos, amigos, os dois penetras do 24horas, muitos abraços e algumas lágrimas. Um exclusivo à moda antiga. O Tino, que é um cromo mas não é tolo, teve a gentileza de oferecer-me o seu livro "De Palanque em Palanque", inesperadamente prefaciado por D. Manuel Martins, e acrescentou-lhe uma profética dedicatória, sarrabiscada mesmo antes de entrar para o carro rumo à capital. Escreveu: "Hernâni, espero-te quando sair da Quinta em ombros. Rans sairá em ombros também." E assinou: "Tino de Rans".
Eu não sei se o Tino saiu em ombros, decerto não, mas sei que não fez figura de urso enquanto esteve na Quinta. Fez com que outros fizessem por ele, e já não foi pouco. Repito: o Tino não é lerdo, apenas se esforça por parecer. E goza o prato...
De resto, para mim, o Tino de Rans é praticamente presidente da república. Por isso guardo com tanta vaidade o livro e o autógrafo com que ele me agraciou.

sábado, 14 de janeiro de 2023

A tensão, muita a tensão!

- Temos tomado a nossa medicação? - pergunta-me ela.
- Temos, temos, senhora doutora - respondo eu, que sou uma pessoa educada e um exemplar tomador de medicações.
- Temos feito o nosso exerciciozinho diário?
- Todos os dias, senhora doutora.
- Temos moderado a nossa alimentação?
- Que remédio, senhora doutora. O dinheiro já só dá para cascas de batatas.
- Ora ainda bem. Vamos lá ver como que é temos a nossa tensão - diz-me ela.
- Vamos a isso, senhora doutora, nem é tarde nem é cedo - digo eu, tirando o casaco e arregaçando a manga da camisa.
Vimos a tensão.
- Temo-la um bocadinho alta - informa-me ela, sem esconder a preocupação.
- Um bocadinho pouco ou um bocadinho muito, senhora doutora? - pergunto eu, também já um bocadinho muito à rasca.
- Bastante, bastante. Vamos meter este comprimidozinho debaixo da língua e vamos deitar um bocadinho ali - diz-me ela.
- Vamos lá então, senhora doutora. A senhora doutora primeiro, que eu gosto de ficar por cima - digo eu, que, repito, sou uma pessoa educada e exemplar tomador de medicações.

P.S. - Hoje é Dia do Enfermo. No Brasil.

Fazendo pela vida

O médico deu-lhe dois anos. Ele pediu seis. O médico contrapôs três e que não podia dar mais. Ele exigiu cinco senão nada feito. O médico disse quatro e não se fala mais nisso. Ele, negócio fechado.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A culpa foi do mordomo

Vinham chegando aos poucos e discretos. August Dupin, Dick Tracy, Miss Marple, Clouseou, Maigret, Mike Hammer, Poirot, Sam Spade, Nero Wolfe, Philip Marlowe, Perry Mason, Ironside, Kojak, Columbo e Pepe Carvalho. Sherlock Holmes apareceu enfim, atrasadíssimo e ofegante e com um restinho de farinha amparo na ponta do nariz. Disse que a culpa foi do mordomo.

Agatha Christie, criadora de Hercule Poirot e de Miss Marple, morreu no dia 12 de Janeiro de 1976. Durante muitos anos eu confundi Agatha Christie com Miss Marple. Quero dizer, a cara de Agatha Christie era, para mim, a cara da veterana actriz inglesa Margaret Rutherford, e só já em adulto é que desfiz o equívoco, perante o verdadeiro retrato da famosa autora de romances policiais, porventura descoberto na badana de um livro. Mais curioso ainda é que, em Fafe, eu mantinha sob apertada vigilância meia dúzia de velhas senhoras que eram Miss Marple de certeza absoluta, por mais que tentassem disfarçar. Senhoras antigas, amiúde intrometidas, vestindo com quase cinquenta anos de atraso, senhoras assim como a minha Milinha Vaqueiro ou as manas Grilas em dias de maior asseio. Fafe era mesmo assim, havia de tudo. Fafe era o mundo inteiro, e essa foi a minha sorte.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Um país sem tintins

Tintim faz hoje 94 anos. E bem fodido estaria se fosse português. Provavelmente com uma reforma de miséria e esmolada ao cêntimo, encaixotado num lar de idosos clandestino, proibido de ir estorvar para a hemodiálise ou de sequer bater à porta das urgências. Teria certamente fome e vergonha por ver o seu país entregue ao desgoverno de corruptos, trafulhas, videirinhos, carreiristas, amiguistas, enganadores e omissos. Choraria com o triste espectáculo dado pelos mal-amanhados títeres que fazem de conta que são oposição em Lisboa e nem sequer uma ideia conseguem parir. Pediria a morte medicamente assistida, se pudesse pagar, mas não pode. E Marcelo não deixa.
A sorte de Tintim é que ele é belga. Em Portugal não há tintins.

P.S. - No dia 10 de Janeiro de 1929, Tintim e o cão Milou, de Hergé, apareceram pela primeira vez num semanário católico de Bruxelas.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Foguetes, foguetinhos e foguetões

Não sei se se lembram: Eurico da Fonseca (1921-2000) foi o principal especialista português em astronáutica. Praticamente autodidacta, nomeado investigador por decreto-lei e oficialmente equiparado a professor catedrático, colaborou com a NASA e conheceu os principais responsáveis pelo Programa Apollo. Notabilizou-se entre nós como divulgador de assuntos científicos. Na rádio, acompanhou em directo, na então Emissora Nacional, a chegada do homem à Lua, há cinquenta e três anos, e comentou os voos espaciais norte-americanos e soviéticos. Mas era na RTP que eu gostava de o ouver. Ouver, escrevi bem.
Pois foi com Eurico da Fonseca na televisão - na televisão evidentemente a preto e branco do café Peludo - que eu aprendi que, quando se fala de um lançador espacial, deve dizer-se foguete e não foguetão. Foguete. Tal como na meia de vidro com fio puxado. Foguete. Tal como no Santo António da minha rua em Fafe, com girândolas, diabos-encaixados, bombinhas, estalinhos e bichas-de-rabear, ou rabichas, como por lá se chamavam. Foguete. Eurico da Fonseca explicava, apenas insinuando, que foguetão é outra coisa: por exemplo coisa gasosa, eventualmente sonora e por norma fedorenta. Quer-se dizer: um peido, com vossa licença, e isso já seria matéria da alçada do nosso Moisés...

P.S. - Hoje é Dia do Astronauta.

Água ia

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Como um camelo

Dizer-se que ele bebia como um camelo era um abuso. Ele bebia realmente muito, mas todos os dias.

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

No tempo em que os animais falavam

Foto Gaspar de Jesus
Houve um tempo em que os presidentes dos maiores clubes de futebol falavam com os jornalistas e até convidavam os directores dos jornais para jantar. Todos eram tratados por igual e quem tivesse unhas que tocasse viola. Mas isso foi muito, muito antigamente, no tempo em que os animais falavam e não havia telemóveis. Depois, conta-se que os presidentes dos maiores clubes resolveram dividir os jornalistas em dois grandes grupos: os que levavam recados e os que levavam pancada - e deixaram de falar aos restantes. Mais tarde, os presidentes dos maiores clubes criaram as suas próprias televisões e passaram a ser "entrevistados" pelos seus próprios assalariados. E agora, quando se dignam descer até ao ecrã das televisões ditas generalistas, exigem tratamento de primeiro-ministro. São outros tempos! E entretanto já não sobramos todos daquela mesa...

E que culpa é que ela tem?...

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Marqueses de sades

Dizem-me que as claques têm um lado bom. Eu nunca o vi.
Dizem-me que as claques fazem falta ao futebol. Que tolos! O futebol é que faz falta às claques, mas não por causa do futebol. São outros negócios...
Dizem-me que as sades têm um lado bom. Eu nunca o vi.
Dizem-me que as sades fazem falta, são essenciais ao futebol. Que tolos! O futebol é que é essencial às sades, aos senhores das sades, mas não por causa do futebol. São outros negócios...
Lembro-me. Ia-se à bola. O futebol era onze contra onze e uma bola que é redonda, luta brava, em campo. Os clubes de futebol eram clubes de futebol, associações, colectividades, agremiações. Os presidentes e os directores dos clubes de futebol punham dinheiro do próprio bolso e, como o Fernando da Sede ou o Chester, no meu Fafe, alombavam com botijas de gás até aos balneários para que nada faltasse aos seus "meninos". Dirigentes pagavam bifes a jogadores à rasca da vida. Havia espectadores, massa associativa, adeptos, apaniguados, grupos excursionistas, comissões de auxílio, grupos de apoio espontâneos, bombos e até gigantones e cabeçudos, que não eram poucos. Agora. O futebol é um negócio, dizem-me. Indústria. De moagem e charcutaria. Sades e claques, organizações amiúde criminosas, são farinha do mesmo saco, chafurdam no mesmo charco, cagam na mesma latrina, comem da mesma gamela. Andam ao mesmo. Os marqueses das sades e os cabecilhas das claques, altamente profissionalizados, não sobrevivem uns sem os outros, entredependem-se, entrecobrem-se, entredefendem-se, entrepenetram-se até aos mais respectivos e obscuros entrefolhos. São indivíduos de pouco respeito e vastos recursos, frequentadores habituais e diletantes de esquadras, tribunais e cadeias. Mestres do crime e aprendizes de feiticeiro, vigaristas encartados e trafulhas simpatizantes, vidas de nababos com atestado de pobreza passado pela junta de freguesia, matadores e enterradores do futebol. Castigadores e gozadores de quem gosta. É este o negócio. A indústria.

Dizem-me que não é geral. Que nem todos são assim. Que no futebol há gente série e honrada, à moda antiga.
Pedi ao Diógenes que fosse à procura. Um Diógenes dos tempos modernos, com fato Hugo Boss e um projector LED de longo alcance com quase mil watts de potência e gerador autónomo a gasóleo. Foi há mais de dez anos. Ainda não voltou...

P.S. - O regime jurídico das sociedades desportivas foi estabelecido no dia 2 de Janeiro de 1997.

domingo, 1 de janeiro de 2023

E eu estava lá...

Foto Tarrenego!
É o que dá mexer em papéis velhos, nas tradicionais limpezas de mudança de ano. Um talvez desinteressante jogo de hóquei em patins entre FC Porto e Alenquer, suponho que lá pela primeira metade da década de 1980, nas Antas, Pavilhão Américo de Sá de tantas e indesmentíveis alegrias. O jogador portista que desliza para o golo é, se não me engano, o grande Cristiano Pereira, estrela maior de uma constelação onde brilhavam também, entre outros, Vítor Hugo, Vítor Bruno, Alves ou Domingos Guimarães - isto é, uma superequipa, multicampeões e artistas de circo que dava gosto, a base da selecção nacional.
E eu estava lá, como de costume. Estávamos lá, na bancada vazia tirante nós: eu, o Miguel pequeno e o Miguel grande. Os papéis velhos devem ser remexidos amiúde, mas com cuidado por causa do pó - estou aqui com os olhos um bocadinho irritados, e quem me veja assim ainda vai dizer que eu estou a chorar...

Tenho pressa, vou de barco 10

Foto Hernâni Von Doellinger

Tocavam sempre duas vezes

Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A sit...