domingo, 28 de agosto de 2022

Moisés, como uma corrente de ar

Hoje é Dia de São Moisés, o Etíope, ou o Negro, ou o Grande, ou o Ladrão, ou o Abissínio, ou o Forte, também conhecido como Aba Moisés, e eu lembrei-me de Moisés, o fafense, ou o gasoso. Naturalmente. E falar de Moisés, o nosso, peço licença a quem me lê, é falar de peidos. Sobretudo.
Mas aviso já. Não admito escândalos burgessos, falsas virgindades ofendidas ou moralismos de trazer por casa! O peido, está provado, é uma insofismável verdade da vida, tal como a morte e dois mais dois serem quatro, e quem disser o contrário é néscio. Ou mentiroso. Ou néscio e mentiroso. Ou mentiroso e néscio. E acima de tudo infeliz.
Infelizes realmente os que nunca ouviram o Moisés a peidar-se pelo soleno da noite, ali para os lados da Feira das Galinhas, que hoje parece-me que é um parque de estacionamento e chama-se Praceta Egas Moniz. Aquilo é que era um artista, um verdadeiro predestinado, o exímio executante em pessoa. O Moisés. Os peidos do Moisés, impõe-se que aqui se diga, eram acutilantes, poderosos como pragas, abriam mares, incendiavam sarças, esculpiam lei na pedra, abanavam os alicerces da Igreja Nova, levantada mesmo em frente, Deus nos perdoe, não sei como é que o Moisés nunca se aleijou. O Moisés peidava a capella. Os peidos do Moisés seriam hoje considerados e explorados e exportados como energia alternativa. Mas também eram mansos, melodiosos, trinados, sin-co-pa-dos, contidos, meditabundos, quase confidenciais. O Moisés solfista trabalhava, com efeito, em vários registos, um dos quais, de interpretação particularmente exigente, mezzo piano, chamava-se "rasgar chita" e costumava encerrar o concerto, com mais dois ou três encores. Os peidos do Moisés, que aceitava pedidos como crooner que se preze, eram um tremendo êxito. Para uma carreira internacional que se adivinhava, faltou-lhe talvez entrar em estúdio e gravar um disco, provavelmente de janelas abertas, e não sei se isso seria tecnicamente possível. Em todo o caso, ficou a perder a posteridade, que realmente hoje em dia não sabe o que era bom.
Para rematar, é preciso que se note que o sintetizador, instrumento musical electrónico tal como actualmente o conhecemos, ainda não tinha sido inventado. Moisés era o seu próprio instrumento. No seu tempo, e no panorama artístico nacional, Moisés foi profético, vanguardista, pioneiro, radical, fracturante. Uma autêntica pedrada no charco. Uma indesmentível lufada de ar fresco, por assim dizer...

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