terça-feira, 11 de outubro de 2022

E se o fim do mundo for isto?

Matosinhos à tarde. Sol que era um consolo. Puxado pela trela do pequeno cocker, o casal descia a rua, a minha, em direcção ao mar ali à beira. Eis senão quando, porventura desarranjado pelo strogonoff de vitela de primeira ou pelo leite-creme que lhe serviram ao almoço, o aflito canídeo arriou as calças e cagou ali mesmo em pleno passeio, com evidente alívio pessoal e grande satisfação dos babados papás. Acabada a obra, a madama, higiene e civismo acima de tudo, foi à carteira e retirou um lenço de papel de um branco imaculado, abriu-o, ao lenço casto, provavelmente perfumado, e voltou a dobrá-lo, liturgicamente, agora apenas em dois, baixou-se, quase que me pareceu que se benzia, e limpou o cu ao cão. Isso, limpou o cu do cão. Depois amarrotou o papel e lançou-o para junto do saralhoto. E ali ficou o serviço. No meio do passeio. Do meu. E lá seguiram os três para o mar e para o sol, dois deles puxados pela trela.
A autarquia agradece. Faz colecção. No brasão de Lisboa figuram corvos, no de Matosinhos deveriam desenhar saralhotos. A cidade de Matosinhos, para além das muitas outras coisas muito boas, é isto: não há passeios que cheguem para tanta merda de cão. E não é só Matosinhos, embora Matosinhos abuse. E a culpa não é do cão.

Volto ao enternecedor quadro urbano que pincelei o melhor que pude e soube no longínquo Outubro de 2011, então no meu blogue Tarrenego! e sob o acutilante título "Matosinhos, sol e saralhotos". E volto, uma década depois e por esta mesma altura do ano, porque a coisa piorou drasticamente, está que não se pode. Eu não sei qual é actualmente a situação em Fafe a este respeito, mas aqui em Matosinhos é merda por todos os lados, se me dão licença, e há quem se convença que são ornamentações de Natal. Não são! São mesmo saralhotos de cão, cada vez mais e cada vez maiores, saralhotos nojentos que tomaram conta dos passeios e das ruas, já não se pode pôr pé fora de casa. A coisa alcançou proporções dramáticas. Pandémicas. Dantescas. Apocalípticas. É caso de calamidade pública, já vem tarde o alerta vermelho de colapso iminente. É o fim do mundo, pelo menos em Matosinhos, e eu nunca na minha vida pensei que o fim do mundo fosse este monte de merda.
Muitos temem que Matosinhos desapareça do mapa, num futuro mais ou menos próximo, derivado ao aquecimento global, ao degelo e à subida do nível das águas do mar. Néscios! O fim, o afogamento de Matosinhos é agora, está a ser, submersa a cidade num irreprimível turbilhão de saralhotos de cão. E - insisto - a culpa não é do cão.

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