sábado, 27 de agosto de 2022

Quem vê caras não vê orações

Um daqueles famosos restaurantes de peixe aqui ao lado, na Rua Heróis de França, Matosinhos, estão a ver? Pouco passa das oito da manhã, uma velhinha varre cerimoniosamente a esplanada. Asseada como se fosse domingo, como se fosse a minha avó da Bomba de repente, corpo franzino, cabelos brancos de neve, ajeitados, uma carinha doce, redonda como um minúsculo sol resplandecendo bondade, olhos apontados ao chão, espertos, criteriosos, a velhinha varre, varre, vagarosa e competente. Se os anjos varressem e fossem velhinhas, e competentes, os anjos eram ela certamente. A rua naquele sítio àquela hora éramos a velhinha e eu. Eu, que venho de mercar sardinhas, estremeço de comoção.
Varre, varre a velhinha doce e cerimoniosa, olhos espertos e belos. Olhos que não enganam. Bondosos. Cara de sol, de anjo. E diz, como se fosse um mantra ou, vá lá, a recitação do terço: - Filhos da puta! Era mas é fodê-los! Mandá-los a todos prò caralho! À puta que os pariu!...
É. Ninguém diga que está bem.

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