Só para ver os inhames do Rio, vale a pena descer à fajã. Mas o que ali nos levara fora a fama das colchas de tear ou colchas de ponto alto, uma das manifestações mais características do artesanato açoriano.
O inhame é um tubérculo, rico em amido e com um gosto ligeiramente adocicado, muito utilizado e apreciado na cozinha regional. E os inhames dos Vimes são considerados os melhores de São Jorge, talvez do arquipélago inteiro. As plantas, de folhas enormes, verdíssimas, ocupam uma considerável porção de terreno encharcadiço - o Rio - situada a meio da fajã, na parte inclinada, regadas pelas águas esparramadas de uma nascente que brota no equador da encosta. Em tempos estas águas iam morrer a pitorescos moinhos, hoje parcialmente destruídos.
Mas fôramos pelas colchas. Feitas em pura lã, "lã da terra", de um colorido intenso, laboriosamente confeccionadas em toscos teares de madeira, utilizando técnicas ancestrais. Haveria que visitar as três tecedeiras da fajã, ou ali se arranjaria ciumeira desgraçada, entornar-se-ia todo aquele sossego, aquela paz de retiro. Cumprimos.
Dona Rosa passou já os 85 anos, que não lhe roubaram a beleza do rosto. Com impecável lucidez, conta que terá sido das primeiras, se não a primeira, a fazer as colchas da Fajã dos Vimes. Estabeleceu-se "há mais de 60 anos, era ainda solteira". Mas começou a tecer com 15. "Com isto", e desvenda, orgulhosa, a sua primeira peça, uma riquíssima colcha religiosamente guardada e a que o tempo parece ter concedido ainda mais encanto. E vai exibindo colchas e toalhas e tapetes e saias de padrões berrantes ou discretos, de ractângulos e quadrados, cornucópias ou flores. "Fiz muitos desenhos, cheguei a ter sete pupilas e três teares a trabalhar". Teares que ela própria alargou, para poder executar obras de maior dimensão.
Lamenta-se é que a saúde que lhe falta a obrigue agora à inactividade. Mas também se queixa da fuga dos da sua fajã. "Até a escola, onde a minha filha é professora, vai fechar: já nem crianças há".
A prosperar está Dona Alzira Nunes. Tem três teares, trabalhados por três adultos mais uma miúda, e, garante, "a procura tem aumentado". Tudo o que faz é venda garantida e quase que não resta tempo para cumprir encomendas. Ideia que, de resto, a última das tecedeiras, Dona Maria Alexandrina, avaliza. "Haja quem teça, que quem compre há sempre", diz. Tece há pouco tempo e, numa sucessão pouco natural, continua a obra da sua filha, Jacinta, essa considerada como artista e por isso a trabalhar e a expor em Ponta Delgada, São Miguel.
Embora existam desenhos com mais de cem anos, que continuam a ser requisitados, cada tecedeira executa, as mais das vezes, as suas próprias criações. Maria Alexandrina folheia alguns dos seus feitios: "rosas e quadrados", "toda branca", "cinzento e branco", "novo", "da Calheta"... E também ela alterou os seus teares, "inventando" o pente alargado, para trabalhos de 2,5 por 3 metros.
Optimismo mora ali. A arte não vai morrer. Alexandrina tem três pessoas nos seus teares, mas "há-de vir mais gente para aprender, que a carreira já cá chega". Pelo que lhe toca, dá o exemplo: "Tenho uma amarração a estas coisas, que não as deixo". Como à fajã - que nem o facto de ter luz eléctrica (por gerador comunitário e de graça) somente duas a três horas por dia, e mais alguma por noite, a desconsola. "Olhe, já estive na América, mas ainda não vi sítio melhor que este".
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