quinta-feira, 22 de junho de 2023

Quando Deus bate à porta

Bateram à porta e Dona Amélia abriu. Pensava que era o carteiro com o envelope da reforma. Não era. Eram duas senhoras muito simpáticas com uma revista nas mãos. A revista chamava-se A Sentinela e as duas senhoras muito simpáticas queriam falar, mas Dona Amélia não as queria ouvir. Que não tinha vagar para revistas nem para jornais, que fizessem o favor de ir andando, que ela tinha mais que fazer. As pessoas com 84 anos e sós são mesmo assim, estão sempre deveras ocupadas. As duas senhoras muito simpáticas e pacientes insistiam de pé enfiado na porta e revista em riste, falavam do fim do mundo, da Bíblia, de profecias, do Reino de Deus, de Jesus Cristo, de religião, e aqui, alto e pára o baile, Dona Amélia arrebitou as orelhas e perguntou: - Ai vocês são da religião?...
- Somos Testemunhas de Jeová - responderam as duas senhoras muito simpáticas, pacientes e esperançadas.
- Olha, ainda por cima jeovás! Rua, andor daqui para fora! - mandou Dona Amélia, sacando do toco de vassoura, mais rápida que a própria sombra. - Eu não acredito nessas lérias. Eu não acredito na religião católica, que é a verdadeira, quanto mais... Xô, xô, xô, já disse!

P.S. - Hoje é Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso.

1 comentário:

  1. A minha querida avozinha por parte de mãe, dona de uma sapiência e de uma paciência avassaladoras, tinha por hábito receber essas senhoras e, após ouvir com atenção, disfarçada, digo eu, debitava uma retórica tão, mas tão magníloqua, eloquente, que as senhoras, normalmente, saiam do palacete praticamente beatas...

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