quarta-feira, 14 de junho de 2023

O paraíso é nos Açores, e eu já sabia

Foto Tarrenego!
As fajãs de São Jorge, nos Açores, são património da biosfera da UNESCO desde Março de 2016. Até àquela altura, ninguém sabia delas, isto é, ninguém queria saber delas, mas passaram a estar na moda. A televisão SIC dedicou-lhes uma Reportagem Especial, de que o semanário Expresso faz eco. Os outros jornais e televisões, atarantados pela novidade, também lhes deram todas as atenções. Adiantado no tempo sem saber, eu tive a sorte de palmilhar as fajãs há cerca de 30 anos e contei na revista Tempo Livre o que então senti e vi naqueles édenes ao deus-dará. A UNESCO não me leu, a televisão também não. Perdeu-se um quarto de século, mas mais vale tarde do que mal acompanhado. A SIC chamou à sua reportagem "Isto não é um segredo mas é sagrado", eu, como não descobri a pólvora, chamei à minha "Fajãs de São Jorge: as terras esquecidas", e começava assim, com o velho lead e tudo:

Aprender dos 92 anos da Tia Maricas que aqueles ares saram maleitas, apaladar a conversa com um gostoso café roubado ao quintal, torrado, moído e coado: tudo na hora, quase, e - insondáveis são os desígnios do Senhor - ao domingo ir à igreja rezar a missa pelo rádio. Milagres das fajãs de São Jorge, nos Açores, paraísos perdidos à beira da desertificação. Ali o tempo não parou. Voltou para trás.

São, ao todo, quarenta e seis. Bordam toda a costa da ilha, mas em maior número na costa norte, mais escarpada. São as fajãs de São Jorge, terras baixas e chãs, de um modo geral formadas por derrocadas de grandes massas ou pela acumulação de materiais de aluvião, ali onde o monte acaba e o mar começa.
Pobremente semeados de casas simples, pequenas adegas rústicas ou palheiros, estes nacos de terreno de excepcional qualidade são um luxo para a vista mas também para os primores da Natureza. Um microclima especial oferece-lhes culturas tão variadas como a da vinha (o singular e controverso vinho-de-cheiro), da batata, da batata-doce, do milho, da banana, entre outros frutos, do inhame, nas encostas, e até do café.
Dois ou três casebres, construídos em pedra solta, quintais em socalcos, aproveitando todas as ribanceiras e os retalhos do solo, uma igreja modesta ou singela ermida, pintam a fajã por sobre o verde luxuriante e imponente da serra e o azul temperamental do oceano. Ambos parecem querer, à uma, engolir aquela indefesa língua de terra.
Parecem retalhos de paraíso, de um paraíso perdido, alheio ainda ao turismo por grosso (para gozo do passante solitário), um espaço esquecido no tempo no meio do arquipélago dos Açores. E, no entanto, são cada vez menos os jorgenses que escolhem a fajã como sítio de vida. O êxodo multiplica-se, as adegas arruínam-se. Sobra um ar de abandono, de vinhas mal cultivadas, de terras deixadas.

P.S. - Amanhã continuamos.

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