Tudo começa pelo cedo, no "mato", horas antes da tourada propriamente dita. Sob o olhar interessado e crítico de muitos aficionados, os pastores (espécie de campinos apeados) apartam e conduzem para o redondel do ganadeiro contratado um lote de animais de onde sairão, após vistoria veterinária, os quatro para a lide.
Não se trata, em boa verdade, de uma escolha. De facto, os toiros são conhecidos e requisitados consoante a fama que os precede. Depois de corrido na praça, o toiro é tratado para regressar à pastagem. É, apesar de tudo, um "puro", e estará então pronto para a sua "primeira corda". Daí para a frente, dos três aos nove anos, será o seu valor (que "a corrida é boa quando o toiro é ruim") a determinar o número de funções e de temporadas em que se manterá em cartaz. E mesmo depois, com dez ou doze anos, já passado e em idade de aposentação, ainda colaborará em corridas de segunda ou de oferta benificente do ganadeiro. Reclamam, solenes, os fundamentalistas, que não estão virados para vacadas com recurso a decadentes velhas glórias...
O nome próprio do toiro da corda é um número. Os bons desempenhos e o sucesso poderão conferir-lhe, por distinção, o privilégio da alcunha. O "Descornado" ou "Galho e Meio", no activo pelos anos 50 e 60 do século passado, é dos mais famosos: tudo o que é bom - garentem alguns entendidos - descendeu dali. Mas era o "Mulato" ("o velhaco", "o traiçoeiro", "o sabido") que por aquela altura convocava as multidões. Toda a gente o queria ver, se bem que ao longe. Dele se afirma, quase por unanimidade, ter sido "o melhor de todos". Ao "Mulato" podem juntar-se, na selecta tribuna dos notáveis, o 90 e o 14. Nos últimos tempos, o 309 e o 314 são do melhor que por ali se corre - diz quem sabe.
A questão tem mesmo muito que se lhe diga. Na verdade, é singularmente à volta do toiro, e de mais nenhum dos intervenientes na corrida, que as opiniões dos entendidos se extremam, se incendeiam. Espontâneas tertúlias maliciosamente picadas por infiltrados amigos da onças, marralham, discutem, barafustam quase em vias de facto pela imposição dos melhores, dos seus melhores. Exactamente: na corrida à corda, os aficionados são pelo toiro...
P.S. - Este é a terceira parte de uma reportagem que escrevi originalmente para a Revista do Expresso de 6 de Julho de 1996. Situemo-nos, por isso, no tempo. Convocadora de multidões, curtidora de épicas bebedeiras e alcoviteira de muito casamento, a corrida à corda da Terceira era o "verdadeiro futebol" da ilha. E amanhã há mais.
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