Foto Hernâni Von Doellinger |
Naquele tempo a RTP "filmava" a Volta com telemóveis e com um helicóptero com um telemóvel - este ano não sei. A qualidade das imagens da corrida era uma merda e as informações gráficas eram borrões. Era a crise, a eterna crise, e contra isso nada. Além disso, há o futebol. Mas o importante era Fafe e lá estávamos nós, eu e a minha mulher, de mãos dadas e corações alvoroçados à espera de nos revermos naquelas ruas, naqueles sítios que tão bem conhecemos e a que gostamos de chamar nossos. Havia a promessa de um circuito à chegada, duas passagens pela meta. Um pitéu! Apesar do desfoque, o País inteiro ia ver como é bela a minha terra, como é única, e essa ideia não me saía da cabeça, entusiasmava-nos a ambos e às bandeirinhas.
Faltavam 17 quilómetros para o fim da etapa e a televisão informava que os corredores já estavam no circuito de Fafe. Eu expliquei à minha mulher que não podia ser, era engano, andei naquelas vidas, sei como estes desculpáveis lapsos acontecem, aquela via-rápida parecia-me mais a entrada em Sobral de Monte Agraço, quem vem de cima. "Vila Verde. Vila Verde, quem vem de baixo", contrariou-me ela, que me contraria sempre por uma questão de princípio. E, sim, de facto aquela estrada sem nada que a recomendasse nem bilhete de identidade podia muito bem ser nas bordas de Vila Verde. Ou de Sobral de Monte Agraço. Ou de Moimenta da Beira.
Os corredores umas vezes desciam não sei de onde e outras vezes subiam não sei para onde. Fafe na televisão era alcatrão e rails de protecção. Da minha terra, nada. No sofá discutíamos ipês e circulares e já íamos em Mértola, eu, e em Bragança, a minha mulher. A estrada impessoal e tão pau para toda a colher estava quase a acabar com o meu casamento quando finalmente dei fé da que já foi a Ponte de Golães. "Agora é que é", sobressaltei-me de alegria, "é mesmo Fafe, não é a Volta à Polónia". E os ciclistas pedalaram Santo Ovídio acima, deixaram a Cisterna para trás, passaram a Rua de Baixo e nós os dois a vermos aquilo na televisão todos vaidosos e a beliscarmo-nos, e nisto, às portas da Sacor, o programa da RTP avariou porque deu a chegada a uma meta em Vila Verde. Ou em Sobral de Monte Agraço. Ou em Moimenta da Beira. Ou em Mértola. Ou em Bragança, não sei bem. Sem o Largo, sem a Arcada e sem o Jardim do Calvário ao fundo, podia ser numa terra qualquer. Mas a televisão insistia que era Fafe.
E se calhar era. Porque apareceu o presidente da Câmara, que foi ao palco ser cumprimentado pelo vencedor da tirada. (Porque para isso é que estas coisas são feitas.) E era um palco de luxo: o presidente da Câmara, o João Baião e o Paulo Futre, que afinal já na altura era artista de variedades. Dinheiro bem gasto.
E agora vou-me lá que são que horas, para a televisão e de bandeirinha. Anda, mulher, os ciclistas estão quase a chegar e até pode ser que este ano dêem com a meta. Era porreiro.
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