segunda-feira, 8 de julho de 2024

Os dias da Senhora de Antime

Pintura de FERNANDA AGUIAR / foto CÂMARA DE FAFE
Fafe vive por estes dias os seus dias mais extraordinários. É tempo de Senhora de Antime. São as Festas de Fafe, que já foram da Vila, do Concelho e da Cidade. Os senhores da Câmara podem chamar-lhe o que quiserem, e até lhe chamam "certame" os tolos, mas toda a gente sabe que é a Senhora de Antime. Toda a gente, quero eu dizer, os fafenses do rés-do-chão. O programa promete. Pedro Abrunhosa, Richie Campbell, Calema, Plutonio, Dj Dadda, Mastiksoul, anunciados como cabeças de cartaz. E há despique entre as nossas duas bandas de música, e mostra de folclore, e fado de Coimbra, nunca percebi porquê, e espero que muitos bombos, cabeçudos e gigantones, não sei se pilas, mas matrecos certamente, e até encerra com um desfile alegórico, que também a mim me parece uma boa ideia.
A Senhora de Antime, no entanto, é a procissão. E isto é tão básico, valha-me Deus! Há anos que o digo, a procissão é que é cabeça de cartaz das nossas festas, mas não adianta. Domingo, o próximo domingo é a Senhora de Antime, a Senhora de Antime é domingo, o nosso domingo mais fafense, o domingo mais esperado do ano. O dia único de ir "ver a Senhora". O domingo da procissão que me leva às lágrimas. Não tem nada a ver com fé ou religião, é sentimento, fafismo tão-somente, fafismo puro, e fafismo não se explica, vive-se, e nem é preciso ter nascido em Fafe.
A procissão e a explosão do encontro das duas senhoras, das Dores e da Misericórdia, no Lombo. A sirene que toca à paragem dos pesados andores no cruzamento do Santo Velho, junto ao Palacete, o nosso sítio combinado, como se os Bombeiros antigos ainda ali estivessem ao pé. E a sirene não toca, é um pranto. As pombas atordoadas e os salamaleques e foguetes escusados à porta da Câmara. A procissão da Senhora de Antime, costumo ensinar a quem não sabe, é provavelmente a melhor procissão do mundo e certamente uma das maiores do mundo. Alguns chamam-lhe "Majestosa Procissão", mas ela é tudo menos majestosa. É popular, é simples e incomensurável, a olhos de fora, impreparados, poderá até parecer desorganizada, mas não. É o povo que desce inteiro com as duas senhoras até à vila a que agora chamam cidade, não vejo com que vantagem. O povo de pé-descalço e bico calado. Milhares de pagadores de promessas furando em marcha lenta pelo meio de milhares e milhares de devotos de bancada, apreciadores, preguiçosos, retardatários, curiosos ou simples mirones, famílias inteiras, reunidas, carteiristas, apalpadores e empernadores que se atravancam nas beiras da estrada e nos passeios das ruas. É uma procissão tremenda e comovente, multitudinária e única, uma procissão a sério - A Procissão -, como tenho a mania de explicar aqui aos meus vizinhos que ficam banzados com a meia dúzia de almas penadas e a dúzia e meia de cabeçudos autárquicos e outras autoridades civis, militares e religiosas, assim catalogadas, que todos os anos acompanham a imagem do Senhor de Matosinhos pelas ruas desta cidade que me acolhe, num deserto que só visto.
Dias extraordinários, dizia, e domingo da nossa procissão, o próximo. E depois na segunda-feira, de hoje a oito dias, se não for antes, lá estarão nos sítios do costume as fotografias e os vídeos dos senhores da Câmara mailos que são sempre os mesmos, como se a Senhora de Antime fosse só deles e Fafe também.

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