domingo, 4 de agosto de 2024

Em Agosto, Fafe mudava-se para a Póvoa

Foto Hernâni Von Doellinger
A Póvoa de Varzim, que era Fafe no Verão, enormou-se sem rei nem roque. Cresceu a torto e a direito - e digo bem, literalmente a torto e a direito. Cuido que a culpa não é só dos fafenses apartamenteiros, que, na verdade, são mais que as mães. Outros culpados haverá, por exemplo derivados de Famalicão ou de Felgueiras, gente igualmente de mostrar e com fábricas e ferraris que entretanto faliram. As fábricas. E os operários. Os ferraris estão bem, graças a Deus, na garagem disfarçada de lavandaria atrás do lago do menino que mija e da piscina de plástico. Os da Póvoa de todo o ano só agora deram fé que foram encabados. Arruinaram-lhes os quartinhos de aluguer e as vistas. São prisioneiros, vedados por um colossal muro de betão que lhes rouba a praia, o ar e a vida. A cidade dos empreiteiros aluga-se. Os autarcas também. Mas tornemos a Fafe. Quem fez ao Largo o que fez, quem fez ao Assento o que fez, quem fez ao Santo Velho o que fez, quem fez à Feira Velha o que fez, quem fez ao monte de São Jorge e a Castelhão o que fez, só pode ter construído também a Póvoa de Varzim moderna e encaixotada, é de justiça e entregue-se-lhes a medalha. E depois é mandá-los à merda pelo que fizeram à minha terra.

Fafe mudava-se no Verão para a Póvoa, e eu agora também. Não cuidem que estou a ser cínico. À falta de posses para outros algarves, eu próprio passei a fazer férias na Póvoa de Varzim, todos os anos, desde os tempos da troika.
As minhas férias deste ano foram temporãs, gozei-as no passado dia 8 de Fevereiro, uma quinta-feira à tarde, depois de irmos ao Correio levantar a reforma. Peguei na mulher e ala para a Póvoa, com transbordo na Senhora da Hora. Saímos depois de almoço, mas para mim o almoço já conta como férias. Comemos em casa dois bijus, um para cada, levantámos a mesa, varremos a sala, lavámos a louça, regámos os vasos, desligámos a água, a luz e o gás, fechámos a porta com três chaves e uma tranca, pedimos à vizinha que deitasse os olhos às janelas e lá fomos apanhar o metro. A viagem correu muito bem.
A Póvoa estava um bocado ao deus-dará, praticamente de vago, decerto derivado à chuva que caía desalmadamente, uma falta de respeito para veraneantes que, como nós, não gostam de confusões e tomam horas para o Verão. Mas há cada vez mais andares e apartamentos para vender e quartos por alugar, de acordo com os letreiros que se acotovelam. A língua oficial da Póvoa de Varzim, entre os meses de Junho e Agosto, é o francês com caralhos no meio. No resto do ano também. Eu e a minha mulher foi como se estivéssemos no estrangeiro, embora com caralhos no meio e bastante molhados, e ainda há um bocadinho tínhamos saído de Matosinhos com um rico dia de sol. Por falar nisso, liguei à vizinha para saber se estava tudo bem. E estava.
Aproveitámos as férias em cheio. Olhámos para o casino e para o Cego do Maio, fomos espreitar as montras com bolas de berlim, a praia, os banhos e as banhas. Não havia. Fomos às piscinas, ao museu, à biblioteca, à praça de toiros demolida e ao estádio que qualquer dia também, mas fomos sempre pelo lado de fora, para não incomodar. Não percebo quem diz que não tem dinheiro para ir de férias. Eu e a minha mulher fomos e às 17h45 já estávamos outra vez em casa, encharcados como pitos mas felizes da vida. Mais: resolvi fazer um prolongamento extraordinário das férias, no domicílio, e demo-nos ao luxo de jantar. Dois bijus, um para cada, e uma colher de xarope para a tosse bebida a meias.
As minhas férias ficaram-me por 10,65 euros. Ora portanto, 24 cêntimos dos dois pães do almoço, dez euros de dois andantes Z5 (cartões incluídos) para as viagens Matosinhos-Póvoa de Varzim e Póvoa de Varzim-Matosinhos, mais os 24 cêntimos dos papos-secos do jantar, uma extravagância, e 17 cêntimos da chamada para a vizinha. Total: 10,65 euros, com todas as taxas incluídas, o xarope para a tosse tinha-me sido dado para amostra. Quase onze euros, um bocado puxado, é verdade, e não dá para descontar no IRS, mas é uma questão de nos organizarmos durante o resto do ano.
A minha mulher ainda quis ir a uma agência de viagens, para ver se a coisa nos saía mais em conta - como se nós fôssemos uns necessitados! Mandei-a dar uma volta e ela passou as férias todas sem me falar.

A propósito de férias: as únicas pessoas que eu e a minha mulher conhecemos que nunca foram ao Brasil somos nós os dois. Mas já está resolvido: para o ano, se Deus quiser, vamos outra vez à Póvoa.

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