O melão era um acontecimento. Celebrava-se uma vez por ano, por alturas da Lagoa, se não estou em erro, e o mestre-de-cerimónias era o meu avô da Bomba, um adivinhador de melões como decerto não haveria outro de semelhante calibre nas redondezas, e quando por acaso não acertava, o que acontecia com lamentável frequência, a culpa era evidentemente do melão. Os melões, é que o têm, só se sabe se são bons depois de abertos: o meu avô nunca se enganava, os melões às vezes é que não correspondiam...
Ia-se à Lagoa por tudo e mais alguma coisa. Ia-se para pôr a santa na cabeça, para fazer a barba e cortar o cabelo nos barbeiros abancados debaixo das árvores do largo em frente ao santuário, ia-se para ver o ambiente, para apanhar icónicas borracheiras, para fazer compras escusadas, para ouvir as bandas de música, para ver a procissão, para dar um pezinho de dança, para cantar ao desafio, ia-se para empernar e apalpar rabos e mamas, ia-se por ir ou simplesmente para andar à pancada, ia-se apenas para apartar um melão, numa fugida, e era esse, enfim, o caso do meu avô da Bomba.
Em casa, nos Bombeiros, eram chamados os maiores especialistas em melão de Fafe, isto é, os três ou quatro melhores amigos do meu avô, os do costume, os mesmos que também eram os maiores especialistas em canários e pintassilgos de Fafe. A minha avó punha a mesa como um altar, só para homens. O melão ao meio, resplandecente e prometedor, qual sacrário por revelar.
Fazia-se silêncio. Sentia-se uma certa comoção na sala. Como seria este ano? O meu avô tomava a faca num gesto largo, teatral, levantava-se, suspirava e abria o melão. Oh!... Havia uma primeira reacção, à cor, ao sumo, ao cheiro, eram peritos realmente, abanavam a cabeça, reviravam os olhos, trocavam monossílabos lá de entendidos, e seguiam para a prova propriamente dita, da boca para dentro, e que sim senhor, e que nem mais cedo nem mais tarde, maduro no ponto, apimentado, uma especialidade, um assombre, uma primeirinha, abençoadas mãos que o souberam escolher.
O meu avô ficava num sino, agradecia os encómios, explicava a técnica, desvendava o segredo, exultava de falsa modéstia e, sem mais nem menos, aproveitava para contar as suas duas anedotas. Era sagradinho. Desde que não soubesse descaradamente a botefa, o melão do meu avô da Bomba era sempre um sucesso, os elogios dos velhos expertos estavam garantidos e todos os anos o melão deste ano era ainda melhor do que o melão do ano passado.
O único problema era a despesa. O meu avô passava a merenda inteira a chorar os quinze merréis que dera pelo estupor do melão, a ver se alguém se chegava à frente com qualquer coisinha para a ajuda ou então para ter pé para cobrar aos amigos pelo menos a pinga de vinho que acabara de lhes oferecer...
P.S. - Publicado anteontem no meu blogue Tarrenego!, assinalando o Dia Internacional do Melão.
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