domingo, 6 de outubro de 2024

O algodão não engana

Foto retirada do blogue Restos de Colecção
Ultimamente dá-me para sonhar com pessoas que já morreram. Pessoas de quem gosto - familiares e amigos, sobretudo amigos, povo do meu antigamente, gente de Fafe. Sou um simples, acho que são saudades. Mas dizem-me que não, que o assunto é muito mais complicado, especialistas em correntes de ar, astrologia e afins garantem-me que os sonhos querem dizer coisas, significam, e que não enganam. Os sonhos são como o algodão, hidrófilos. Como o algodão do Sonasol. Nos sonhos está lá tudo, e tudo acaba por bater certo. Limpinho.
Sonhar com pessoas amigas que já morreram, falar com elas no sonho, explicam-me que é o melhor que me podia acontecer. É o pré-aviso de que está aí a rebentar-me nas mãos uma fartura de boas notícias, um mar de felicidade e saúde como o aço para mim e para os meus. O que é preciso é estar atento aos recados que os defuntos da corda me querem segredar. Isto é a regra geral, científica, embora possa parecer o horóscopo.
Não sei se esta tão conveniente interpretação dos sonhos com mortos também vale para Portugal e para vivos chamados Hernâni Von Doellinger naturais de Fafe e residentes em Matosinhos-sur-Mer. Pela miséria que me tem saído na rifa nos últimos tempos, suspeito que não, mas cá fico à espera de melhores dias.
Tenho alguma pressa, confesso, porque se uma coisa sei de certeza é que os sonhos padecem de prazo de validade. Um gajo deita-se uma noite moço e convencido de que os sonhos molhados até são um acontecimento, vá lá, engraçaaaaado..., e acorda de manhã ancião e alagado em mijo derivado à incontinência urinária. A vida é tão breve, não foi?
Entretanto, gostaria de aproveitar a oportunidade para comunicar aos meus sonhos que, uma vez que desdenho a Raspadinha, o que me convinha mesmo era o Euromilhões. O jackpot do jackpot, se fazem favor. Agora vou dormir e passo à escuta.

Por falar nisso: sonhar com algodão dizem que é muito bom para a saúde e que traz uma vida cheia de dinheiro e de felicidade. Bem empregue. É preciso ser-se mesmo muito desgraçado para sonhar com algodão. Se ainda fosse com merda... e depois pisá-la. Pisar merda, isso é que é certo, diz que dá sorte, dinheiro.

A memória é tramada. Amanhã é Dia Mundial do Algodão. E também é Dia Mundial do Trabalho Digno. O algodão, esse símbolo branco da escravatura negra, passava quase todos os dias por mim, em fardos, em camiões, a caminho da Fábrica do Ferro, Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe, onde depois havia milhares de operários a trabalhar, entre os quais o meu pai e a minha irmã, e variados chefes a roubar, deu no que deu. Ia daqui de Matosinhos, o algodão, do Porto de Leixões, agora mesmo à beirinha de onde moro com vista para o mar se me puser de lado. Quer-se dizer: por mais voltas que a vida dê, estamos sempre no mesmo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Tocavam sempre duas vezes

Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A sit...