terça-feira, 4 de outubro de 2022

O meu avô gostava muito de animais. No prato.

O meu avô da Bomba era muito amigo dos animais. Gostava deles por perto, se fosse no prato melhor. Tinha andorinhas. Sim, o meu avô da Bomba tinha as paredes exteriores da casa de quarteleiro enfeitadas com andorinhas de porcelana e um crocodilo também de louça que tomava conta da entrada pelas escadas interiores. O crocodilo apresentava a mandíbula inferior presa por arames, deve ter sido luta valente, história antiga feita segredo de família, porque eu nunca conheci o bicho doutra maneira e até hoje ninguém me contou o sucedido.
O meu avô tinha uma tremenda paixão por pintassilgos e canários. Apanhava-os à falsa fé nuns alçapões que ele próprio fazia e depois alimentava-os e educava-os com paciência de chinês e desvelo de pai babado, espiando-lhes diariamente a definição da plumagem e ensinando-os ti-trrriii a dobrar o canto. Quando os considerava prontos, de solfejo na ponta da língua, o meu avô apresentava-os então à sociedade local, chamava os especialistas para uma primeira audição pública. A ocasião era solene. Era o momento da verdade. "Este não o vendo nem por dois contos", costumava dizer a mangar, se a exibição corria bem, mortinho que lhe aparecesse logo ali um comprador por muito menos. O meu avô era assim, sabia-a toda.
Na Bomba havia cão, geralmente Roni, havia coelhos e galinhas. As galinhas eram fundamentais naquele lar de entusiásticos consumidores de medicamentos e canjas. Havia cabrito na engorda pela Senhora de Antime, como manda a boa tradição fafense, e houve porco, pelo menos uma vez. O meu avô mandou capar o porco, lembro-me muito bem do serviço encomendado ao Senhor Beta, capador encartado e satisfatório saxofonista na Banda de Revelhe. Mas lembro-me sobretudo dos guinchos do pobre animal, ferido à traição na sua virilidade, e aquilo afligiu-se-me até aos ossos. Eu estava de partida para o seminário, diziam-me que também ia ser capado, estão a ver portanto a impressão que de repente se me fez entre pernas.

O meu avô da Bomba, que construía alçapões para caçar canários e pintassilgos, mantinha uma banca do seu tempo de moço sapateiro, velho e honrado ofício de que nunca se apartou. E fazia para casa sandálias e sapatos, daqueles que duram duas ou três vidas. Fez os sapatos que o meu padrinho e tio Américo levou no dia do seu casamento com a querida tia Laura, e que catitas que eles eram: os sapatos e os noivos. O Avô da Bomba era uma artesão habilidoso e perfeito. Mãos de ouro. Uma figura. Fazia também fisgas, que dava de prenda aos netos. Depois mandava-nos matar pardais.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Animal.

3 comentários:

  1. Uma das minhas (muuiiitaaasss) mais deliciosas memórias da Bomba era o saco. Sabíamos ao terraço no último andar e desciamos pelo saco até chegar ao final, onde uns bombeiros nos seguravam. Acredito que era um treinamento para salvar pessoas de um incêndio em algum prédio mais alto. Se bem que ainda não exista o Royal Center (assim, em inglês americano) e a Bomba era omais alto edifício da vila.

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    1. Pois: a manga, a instrução, a parada. Só os nomes já metem respeito. A manga era realmente de uma enorme utilidade num tempo e numa terra de rés-do-chão e primeiro andar, quando muito, mas fazia parte. E tu, que andavas sempre por ali, eras uma da "vítimas", um dos salvados. A instrução, não sei se te lembras, era dada pelo Sr. Armindo Quintos, do bairro da Fábrica do Ferro, e pelo Sr. Zé Sacristão, nosso vizinho, e os passos dos instruendos eram comandados a apito...

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  2. Exato! E era o máximo ver os voluntários a treinar com aquelas escadas de gancho, subindo andar após andar.

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