sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O fabuloso Zé Manel Carriço

O Zé Manel Carriço era um exagerado e provavelmente a pessoa mais extraordinária que conheci em toda a minha vida. O Zé Manel não comprava maços de tabaco, comprava volumes de tabaco, caixotes, camiões inteiros de tabaco, navios da proa à popa! Tradicionalista, conservador, teimoso, megalómano, reaccionariozinho, apesar de inventor patenteado, mas também inteligente, polímata, empreendedor, visionário, elegante, disponível, o Zé Manel até comprou um jornal falido que depois publicava uma vez por ano para manter o título, até comprou um cinema por pura vaidade, vejam lá! O Zé Manel comprava tudo, e a dinheiro, não acreditava no valor do plástico e desconfiava da honestidade dos cheques. Por isso ele andava sempre com a carteira grotescamente amarrecada por um enorme molho de notas de conto como se todos os dias tivesse de ir à feira do gado mercar uma junta de bois. Ou duas. Ou três. Ou mais. As notas chegavam e sobravam para começar de raiz uma manada completa. O Zé Manel fazia questão que fosse pública e notória a sua fartura. Ah!, e o Zé Manel Carriço era um homem amiúde generoso, mesmo muito generoso, mas essa parte ele preferia que não se soubesse.
Às vezes o José Manuel, que de baptismo era Rodrigues, levava-me a umas noitadas privadas e filosóficas (ele, o Pimenta e eu) no Peludo antigo, mesmo em frente ao seu excêntrico atelier, o que nos era de uma extrema comodidade. As noitadas entravam pela madrugada dentro, porque o Zé Manel tinha muito que contar e nós gostávamos muito de ouvir. As histórias do Zé Manel eram como as rodadas de cerveja, umas atrás das outras. O Sr. Avelino fechava para nós. Comia-se um marisquito, que àquelas altas horas estava já nas últimas, e sobretudo bebiam-se finos, com tremoços, para fazer boca. Mais do que uma vez esgotámos o stock de copos, enchendo de vasilhame babujado sete ou oito mesas à nossa volta, o café inteiro, porque o Sr. Avelino gostava muito de fazer a conta no fim. Partiam-se alguns copos, o Sr. Avelino afinava, tomava nota para acrescentar ao rol. Mas o pior era o desbaste dado nos tremoços, que pedíamos repetidamente por uma questão de princípio.
Uma noite o Sr. Avelino não aguentou e queixou-se: - Sr. Zé Manel, assim não pode ser, já comeram mais de dez pires de tremoços. É um prejuízo muito grande. Os tremoços custam-me dinheiro, valha-me Deus!...
O Zé Manel foi ao bolso do casaco, sacou da carteira marreca, tirou uma mão-cheia de notas e disse séria, calma e secamente: - Ó Avelino, traz-me cinco contos de tremoços! - e pousou o dinheiro como mão de póquer em cima da única mesa de vago, que por acaso era a nossa...

Ora bem. Hoje é Dia Internacional da Cerveja. O Dia Internacional da Cerveja é um Dia De tão palerma e desnecessário como a maioria dos outros Dias De e foi inventado por uns maduros americanos de Santa Cruz, na Califórnia, em 2007. A efeméride é assinalada em meia centena de países de todo o mundo, incluindo Portugal. O principal objectivo deste peculiar Dia De é, consta dos estatutos, estar com amigos para saborear a cerveja. Quer-se dizer, Dia Internacional da Cerveja é quando um homem quiser e os amigos tiverem vagar. Ou por outra, o Dia Internacional da Cerveja eram aquelas noites com o Zé Manel e com o Pimenta, mas ainda não tinha sido inventado e eu ainda não sabia.

2 comentários:

  1. Provavelmente o homem mais elegante que Fafe conheceu. Tudo o que fazia, o fazia com charme, fosse o conduzir, o falar, o fumar ou o simplesmente ficar na porta do edifício onde era o seu escritório. Devo-lhe imenso pelo que me ajudou e ao meu pai num momento super delicado de nossas vidas. Amigo? Era ele.

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