As máquinas de
flippers chegaram a Fafe creio que pelos finais da década de 70 do século passado e assentaram arraiais na exígua sala de bilhares do velho café Peludo, onde
Serafim d'Eiteiro debitada pérolas filosóficas para jogadores momentaneamente ensandecidos. Fafe daquele tempo, sobretudo Fafe fora de horas, era uma terra de jogo, havia muito vício, muita batota. O bom povo de Fafe jogava ao quino, pelo Natal, no Peludo exactamente. Jogavam maus meninos bem, todo o ano, toda a noite, no Club Fafense, desperdiçando sorrateiras fortunas de berço. Jogavam os novos cavalheiros da indústria, desalinhados e ricos a estrear, toda a noite, todo o ano, no Fernando da Sede, de porta respeitosamente fechada. (Para entrar era preciso saber o santo-e-senha. Eu sabia, entrava, mas não jogava, nunca joguei.) Jogava-se aos pinhões em casa, jogava-se ao bilhar, ao dominó, à sueca, à lerpa, às copas, ao sete e meio, ao montinho e à malha em todo o lado, a dinheiro, a cerveja ou a vinho, e até se jogava ao pau, com ou sem ursos, e jogava-se à bola, e Fafe teve tantos e tão bons jogadores de futebol. Jogava-se numa simples
ateima, a aposta era uma espécie de
tradição na nossa terra. Em Fafe jogava-se forte e feio. A tudo. E até se jogava ao
pilas.
Os
flippers chegaram a Fafe e foi uma febre medonha, um caminho de desgraça. Eram sempre os mesmos, os do póquer, que eram os do bilhar, que eram os do dominó, que eram os das copas, agora apanhados pelo
pinball, e apostava-se ali à rica e sempre com o dinheiro na mão. Os recordes, sucessivamente batidos, valiam belas maquias. Eram autênticos agarrados os jogadores, constavam-se lares praticamente desfeitos. Era preciso marcar vez, havia quem pagasse por uma vaga, havia quem se esquecesse de ir trabalhar à tarde, só para não largar a máquina, deixando-a à mercê da concorrência. Não havia vida para além dos
flippers, morava-se ali, ao som daquelas campainhas mágicas, sem mulheres, sem filhos, azar delas e deles, e ao fim da noite talvez também sem um tostão no bolso. Depois as máquinas foram embora, foi a sorte, e os jogadores tornaram a casa, às mulheres e aos filhos, à vida real. Até que chegaram os
telemóveis...
P.S. - Hoje é Dia Internacional do Gamer.
Ah, os flipers. Eu adorava aquele barulho mecânico da bola a bater nos mecos e fazer a campainha tocar, os pontos a aumentar a caminho do record. E as palmadas laterais que, muitas vezes, ativavam o "tilt"?
ResponderEliminarEra muita emoção...
Mas em relação aos telemóveis, vivi uma curiosa experiência no campismo do Festival de Vilar de Mouros. É verdade que o aparecimento dos telefones espertos, em Portugal chamados de "smart phones", acabou por afastar as pessoas das habituais cavaqueiras nos cafés, por exemplo, mas em Vilar de Mouros tudo é diferente: tinha um espaço, que foi crescendo a cada dia devido à demanda, onde se carregavam os telemóveis e neste lugar as pessoas conheciam-se, conversavam, trocavam experiências e, acima de tudo, construiam amizades. Mesmo que durassem o tempo do festival, encontravam-se diariamente, quase sempre às mesmas horas e bebiam, fumavam, quase de tudo, e até comiam. Mas relacionavam-se como eu há muito tempo não via. Isso deu-me esperanças. Sim, ainda há esperanças.