Não sei se foi pelos 16 de Maio ou pela Senhora de Antime, talvez fosse pelo Natal ou então ocorreu num dia qualquer, anónimo, sem atributos que o destaque ou recomende. Mas aconteceu. Uma vez, um artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista veio dar um espectáculo ao nosso Cinema e eu, que era mocico e pobre, não entrei, não vi, porque era preciso pagar bilhete para entrar. E era uma bonita tarde de sol. Para chamar povo como no Poço da Morte dos 16 de Maio e da Senhora de Antime, o artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista fez cá fora, na Rua Monsenhor Vieira de Castro, o famoso número de conduzir um carro com os olhos vendados, naquele bocado de estrada entre a esquina do Santo Velho e o ateliê do Zé Manel Carriço, exactamente nesse sentido, que era permitido na altura, nem cem metros sempre em linha recta, assim também eu, foi o que então pensei, e no entanto ainda hoje não sei conduzir nem tenho carta de condução, com os olhos abertos ou fechados. O número terá sido feito cá fora de mais a mais porque lá dentro decerto não daria jeito, cheguei também a essa importante conclusão aqui atrasado, quando finalmente percebi que o bonito Teatro-Cinema de Fafe, apesar de realmente glorioso e frequentemente "icónico", é muito mais pequeno do que eu o supunha no meu tempo.
Esperei pelas horas à sombra, no passeio em frente, fazendo malha com o cotão dos bolsos, discretamente, encostado à histórica casa-mãe dos Summavielles, como já lhe chamei, e que era pouso habitual. No final da função, os ilustres que pagaram para entrar e ver disseram-me que aquilo lá dentro não prestou, que não valera o dinheiro. Felizmente para eles, a saída era de graça...
O artista talvez fosse o Professor Karma, esse extraordinário e irrefutável hipnotizador de galinhas, lembrei-me agora, mas de momento não estou em condições de o afiançar sem correr risco de levar com um par de desmentidos no focinho. Era, em todo o caso, "um" Professor Karma, ainda que vestisse outro nome mais ou menos estrambólico. O grande Zandinga, haveria eu de conhecê-lo pessoalmente, alguns anos mais tarde, numa noitada para lá de estranha, no Porto, e Alexandrino, o cromo do "firme e hirto como uma barra de ferro" a quem Herman José deu fama, é muito mais recente.
Em Fafe apareciam de vez em quando uns fenómenos assim, prontos a facturar sem serem convidados, e uma ocasião até nos quiserem impingir espectáculos de luta livre nos antigos Bombeiros, com cartazes sugestivos, os sensacionais Tarzan Taborda, José Luís, Carlos Rocha e tudo, vindos directamente do Coliseu dos Recreios, do Parque Mayer e do Pavilhão dos Desportos de Lisboa. Eu conto falar proximamente de mais algumas dessas extraordinarices fafenses, antigas, na linha do artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista armado em cego que nos veio enganar a preço eventualmente módico numa bonita tarde de sol. Os fafenses de hoje em dia não fazem ideia da sorte que têm com a programação que lhes colocam actualmente ao dispor, do melhor que pode ser visto e ouvido em Portugal, e digo isto apenas por inveja retroactiva e, por uma vez, sem ponta de cinismo.
P.S. - Publicado ontem, nesta versão de mãos largas, no meu blogue Tarrenego! Estamos no Natal, meus meninos!...
Sem comentários:
Enviar um comentário