Um dos títulos mais useiramente infelizes na nossa comunicação social são dois: "Fulano venceu o cancro" e "Sicrano derrotado pelo cancro". Os heróis e os falhados. Ultrapassa-se o cancro simplesmente porque se faz muita força, morre-se de cancro por indecente e má figura.
Ora, a realidade lá fora dos teclados e da tabela de vendas não é assim. Sobreviver ao cancro está muito pouco nas mãos de quem o padece. Depende de tantas e tantas variáveis exteriores ao doente e à "coragem" do doente, que só vou citar duas, dinheiro e médicos, e nada é garantido, e tudo se resume, no final, a tempo, sorte ou azar. Não há fortes e fracos, competentes e incompetentes, lutadores e cobardes. Não há vencedores nem vencidos nisto do cancro, assunto sério. É a vida.
Imagine-se o ridículo que seria levar o jargão jornalístico até às últimas consequências e, em casos de atropelamento, escrevermos, elogiando os sobreviventes, "Fulano venceu a motorizada", aos pontos obviamente, ou, injustiçando os mortos, "Sicrano derrotado pelo motociclo". Horrível, não é? Pois com o cancro também.
P.S. - Hoje é Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama. Escrevi e publiquei este textinho de protesto no dia 10 de Maio de 2014, no meu blogue Tarrenego! Não é a primeira nem posso garantir que seja a última vez que o republico. É a minha luta contra a estupidez. E outra coisa: eu não alinho nessa moda nova de que o cancro é uma revelação, uma epifania, uma experiência transcendental, "o melhor que me aconteceu na vida". Não, perdoem-me a curteza de vistas, mas eu continuo a achar que o cancro é uma merda.
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