terça-feira, 23 de abril de 2024

Feridas de guerra 7

Foto Tarrenego!
"Já não sou um homem".
Manuel Teixeira tinha 42 anos quando resolveu terminar com a vida, "partindo para um caminho feliz". Fora uma criança normal, se bem que "um pouco aérea", fez a quarta classe e sonhou ser futebolista - conta a irmã, Edite. A juventude encontrou-o porém agricultor, cuidando capazmente dos terrenos dos pais, na zona ribeirinha do Freixo, resto do velho Porto rural.
Inspecções chegadas, tudo tentou a família para livrá-lo da tropa, mas nada resultou. O mancebo acabou incorporado, Espinho e Santa Margarida foram breves passagens para vinte e oito meses de Moçambique. E, mal lá chegou, o prenúncio de fatalidade: camaradas de armas conseguiram resgatá-lo, nos segundos derradeiros, ao aperto de um cinto que o pendurava ao tecto da caserna...
A irmã não consegue precisar no tempo esta primeira tentativa de suicídio conhecida, se antes ou depois de um acontecimento que viria a determinar o desenlace da história: uma "brincadeira" infeliz entre militares, que acabou com Manuel agredido a pontapé nos testículos.
A gravidade da lesão obrigou a uma intervenção cirúrgica, em Moçambique, e tudo parecia ter voltado à normalidade. Manuel cumpriu até ao último dia marcado a comissão ultramarina e só depois voltou para a sua margem do Douro. Mas já nada era como dantes. O homem que "tinha ido inteiro para a guerra" não regressara, conta-me um tio do ex-combatente. A impotência sexual, provavelmente provocada pela agressão imbecil, vinha marcar irremediavelmente a existência deste jovem.
"Já não sou um homem", costumava lastimar-se Manuel, que - recorda a irmã - "perdeu o gosto de viver" e tornou-se agressivo, violento, "um bichinho autêntico".

(Continua)

P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Os nomes dos ex-combatentes são, aqui, fictícios. Segundo dados que considero credíveis, 40 militares fafenses morreram na Guerra do Ultramar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Tocavam sempre duas vezes

Os carteiros de Fafe eram homens poderosos. Traziam dinheiro, levavam notícias e, sobretudo, sabiam tudo de toda a gente. A vida toda. A sit...