sábado, 20 de abril de 2024

Feridas de guerra 4

Foto Tarrenego!
"Já nem a família me conseguia aturar". José Rodrigues, "primeiro e ultimo nome", 45 anos, fez já dois grupos, na ADFA. Prepara-se para um terceiro, no Hospital Júlio de Matos. Ao fim de longos anos consegue finalmente falar sobre os seus males, mas logo ali avisa que o fará "sempre de costas para a parede"...
Ex-sargento pára-quedista, fez guerra em Moçambique (1968/69) e na Guiné (de 1970 a 1972), sempre "no barulho". Veio da última comissão "com o sistema nervoso alterado". Fez a via-sacra dos consultórios e hospitais.
Casado, pai de duas filhas, desabafa: "Cheguei ao ponto em que até a minha mulher teve de fazer parte da terapia de grupo. Já nem a família me conseguia aturar". Recordando esses tempos de agressividade, de choques constantes "sem motivos aparentes", reconhece que aos poucos foi contaminando toda a família, destruindo o carinho das filhas e tornando-as também "doentes". Justifica-se: "Ninguém compreendia o meu problema, não tinham passado pelas situações, não passaram pela guerra"...
Na rua era ainda pior: cansou-se de passar por charlatão quando falava da guerra. As pessoas pensavam que ele "estava a exagerar, a ir além daquilo que realmente é a realidade, quando muitas vezes nem chegava a metade da própria realidade".
"O sistema nervoso arriou". Fechou-se. Desligou da família e dos amigos, "pessoas que não tinham capacidade de entender". Para si guardou os "pensamentos e pesadelos" trazidos de África e que o "martirizavam".

(Continua)

P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Os nomes dos ex-combatentes são, aqui, fictícios. Segundo dados que considero credíveis, 40 militares fafenses morreram na Guerra do Ultramar.

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