quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Já não há mulheres com bigode

Foto Hernâni Von Doellinger
Sempre gostei de ir a Ponte de Lima por causa do arroz de sarrabulho e dos bigodes das mulheres. Mulheres feias é ali. Feias e bigodudas. Basta um raio de sol espreitar por entre as nuvens e elas saltam todas não se sabe donde para as bordas do rio a arejar as carantonhas e respectivas piaçabas. Palavra de honra, é um espectáculo digno de ser visto. Comprar um cartucho de jornal cheio de castanhas assadas e comê-las, ainda quentes, enquanto observamos o mulherio, picadeiro acima, picadeiro abaixo, como num desfile de moda mas para bigodes fêmeos, nove pontos para aquela, treze para a das suíças, há lá melhor maneira de passar um pedaço de tarde! Não sei o que a bela vila alto-minhota tem, mas é assim que as coisas são.
Cuidado. Antes de me soltarem os cães, façam o favor de perceber que eu não disse que as mulheres limianas são bigodadas e feias. Não. O que eu digo é que, sobretudo aos fins-de-semana e feriados, elas, as bigodadas e feias, concentram-se todas ali, à beira-Lima, como se fosse um congresso de camafeus ou um concurso de feieza. Numa dessas ocasiões, eu próprio fui confundido com a cantadeira de um rancho folclórico derivado às minhas barbas. De resto, não sei de onde elas vêm, as mulheres abigodadas, nunca perguntei.

Vou a Ponte de Lima desde pequenino, desde o tempo das excursões ao Alto Minho organizadas pelo meu avô da Bomba, sobrevivente dos sete ofícios. Aqui atrasado tornei lá todo contente e tive um desgosto muito grande. A vila mais antiga de Portugal, Ponte de Lima monumental e histórica, bela, tradicional, está mais pobre. As mulheres continuam particularmente feias, honra lhes seja, mas deitaram abaixo os bigodes. Sentei-me no banco do costume, junto à vendedeira de castanhas, queimei os dedos a comê-las, mas bigodes de mulheres, que era ao que eu ia, nem um para amostra. É lamentável. Os cremes depilatórios estão a dar cabo do nosso património.
Não sei se volto a Ponte de Lima. Ainda por cima, o arroz de sarrabulho também não estava grande coisa. Mas as castanhas eram bem boas.

P.S. - Este texto, publicado originalmente no dia 2 de Setembro, assinalando o Dia Mundial da Barba, foi o quinto mais lido no Fafismos durante o ano de 2023.

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