Fui ver o 1.º de Maio ao Porto. Porque, para quem não tem mais nada que fazer, como eu, mora aqui ao lado em Matosinhos, como eu, e é teso, como eu, o Porto é um sítio deveras porreiro para se ver 1.º de Maio e nem é preciso comprar bilhete. E era dessa tesura que eu falava. No Porto há milhões de camones de passagem, aos encontrões, milhares de portugueses desempregados coçando colhões e esquinas, trezentos e cinquenta e três portuenses residentes e arrependidos e uma praça e uma avenida destinadas a obras, ao 1.º de Maio, às greves gerais, ao 25 de Abril, aos carteiristas e aos vadios em geral, as quais, praça e avenida, são emprestadas à política de altifalantes pelo Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa quando o FC Porto se esquece de ser campeão - o que em democracia é raro e altamente suspeito, e se calhar este ano também.
O 1.º de Maio correu muito bem. Quer-se dizer, correu assim-assim, já nem é preciso deitar abaixo o governo, o governo cai sozinho, de podre, de gatuno, de mentiroso, de incompetente, de estúpido, de ausente porventura. Isto é, primeirodemaiou-se ali com grande pertinácia e depois acabou. Acabou, mas eu, que sou de lágrima fácil, estava com uma vontade de mijar que já não era só vontade, era um estado de emergência, e desatei a correr como um tolinho para o WC sob as escadinhas da Rua 31 de Janeiro com a Estação de São Bento e com a polícia de choque atrás de mim como se eu levasse um engenho explosivo na braguilha ou um computador do Ministério das Infraestruturas enfiado no olho do cu. Não levava. Estava apenas à rasca. À rasquíssima. E a retrete estava de portas fechadas. Por causa do feriado. Valha-me Deus: não se trabalhar no Dia do Trabalhador, mas quem caralho teve a peregrina ideia?...
Que se segue: eu bem não queria, mas tive de ir, com uma mão à frente e outra atrás, às casas de banho da estação propriamente dita. Às tais, às míticas, às suspeitíssimas. O que se passou lá dentro não interessa, apenas faço questão de garantir que saí daqueles apertos com a honra invicta. A polícia, entretanto, desinteressou-me de mim e passou a perseguir um casal de lavradores de Queimadela que tinha vindo a uma consulta de otorrinolaringologia na Praça D. João I, ela com a infelizmência de um xaile vermelho às costas e ele com um saco de plástico na mão, o falar da nossa terra e "cara de marroquino", como veio a apurar-se. Nas varandas (ou sacadas, como se diz em Fafe) cantava-se "Grândola, vila morena" com uma afinação de oficina de automóveis. O relógio exterior de São Bento batia as quinze em ponto. A polícia também. Após a sova da ordem, as autoridades verteram nos autos que o perigoso saco continha um cartucho com 250 gramas de sementes de pepino arménio compradas sem guia de remessa na reaberta Casa Hortícola do Mercado do Bolhão, um toquinho de chouriço de colorau, caseiro, um quarto de broa por acaso fresca, um taparuere com uma cebola da monda rachada em quatro e metida em sal grosso e vinagre tinto e dois olhos de azeite, uma garrafa de cerveja quase vazia de vinho, duas pastilhas avulsas para o enjoo no expresso da Arriva e um canivete aparentemente suíço com seis centímetros de lâmina, oficialmente indocumentado porém admissível em sede de Espaço Schengen. Os dois indivíduos, um do sexo masculino e o outro não, entre os sessenta e os setenta anos, foram detidos por posse de arma branca. Os peritos em minas e armadilhas fizeram explodir o resto.
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