segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O Menino Jesus era português

As coisas em que a gente acredita quando é miúdo! Eu, por exemplo, no tempo em que frequentava as sacristias da Igreja Matriz e da Igreja Nova, então zonas livres de abusos, graças a Deus, eu, por exemplo, acreditava piamente que o Menino Jesus era português - morra já aqui se estou a mentir. Eu ia à missa, ajudava à missa, ouvia com gosto aqueles bocadinhos de Bíblia e fazia a conexão que se impunha: se a Samaritana é de Coimbra, se os apóstolos são todos portugueses, é só ver os nomes - João e Tiago, filhos de Zebedeu, Pedro, André, Mateus, Tomé, Bartolomeu, e por aí fora -, se o Jordão é em Guimarães e o Calvário é em Fafe, se Roma é uma avenida em Lisboa, se Nazaré e Belém são nossos, então o Menino Jesus também é. Deus é nosso. Se Deus quiser até joga na Selecção e marca os golos que Lhe apetecer e dá-nos os Mundiais que lhe aprouver. Já grande, e após alguns anos de desengano e reeducação religiosa nos trabalhos forçados do seminário, passei a olhar com um certo carinho e determinada melancolia para esta minha crença infantil e patriótica, que guardei numa chamazinha acesa no coração. Depois veio Cavaco Silva, em 2006, e eu deixei finalmente de acreditar que o Menino Jesus pudesse algum dia ter sido português, nosso. Dediquei-me então à exegese, à hermenêutica, à toponímia, à topogígia, à geografia e à natação sincronizada sob chuveiro, sem ofensa para os presentes e apenas às primeiras quartas-feiras de cada mês, de três em três meses, dez minutos antes de me deitar.

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