domingo, 17 de novembro de 2024

Estamos no fim do ano, meus meninos!

O Natal começa cedo cá em casa. Este ano começou no dia 9 de Novembro, sábado passado, aproveitando que estivemos o fim-de-semana de plantão, portanto sem direito ao costumado laréu. A minha mulher tirou o dia, desencaixotou o Natal e espalhou-o pela casa inteira. O pinheiro, os presépios, a aldeia de Natal, bonequinhos de neve, arranjos de mesa, canecas de Natal, Pais Natais de todos os materiais, tamanhos e feitios, laços, lacinhos, azevinhos, estrelas-de-natal naturais e artificiais, soldadinhos de madeira a fazerem de soldadinhos de chumbo, peluches alusivos e musicais, Ferrero Rocher, Mon Chéri, calendários do Advento, bengalinhas, comboiinhos, renas e grinaldas e estrelinhas e anjinhos, velas, bolas e embrulhinhos por todo o lado, em todos os cantos e corredores, em todas as portas, em todas as divisões, incluindo casas de banho, despensa e quarto de arrumos. A iluminação foi inaugurada anteontem, quinta-feira, quando o Kiko e a Sara vieram jantar. A minha mulher gosta muito do Natal, o meu filho gosta muito do Natal. Eu gosto muito da minha mulher e do meu filho.

No ano passado metemos o galo no presépio. Todos os anos experimentamos um melhoramento natalício, há muito que andávamos com o galo debaixo de olho, e foi no ano passado. Agora lá está ele outra vez, pelo segundo ano consecutivo, já afeito aos seu novos quefazeres, altaneiro e bico calado, mas imaginamo-lo todo kikirikiki como o Jerónimo do reclame da Compal, a anunciar o nascimento do Menino Jesus exactamente às 7h30, conforme muito bem podia constar da Bíblia.
O nosso galo do presépio é um galo de Barcelos, mas, atenção, não é o Galo de Barcelos. Nada de parolices, valha-nos Deus! É um galo de capoeira, obra de mestre barcelense, isso sim, 6x4 centímetros, a obra, um euro e meio, o preço. É arte.
Só presépios temos oito, para além de mais meia dúzia de Meninos Jesus avulsos, e nem a varanda e o escritório escapam ao nosso Natal. Pusemos o galo novo no presépio principal, evidentemente. O nosso é um presépio inclusivo, ao contrário do presépio do falecido papa Bento XVI, que em 2012 resolveu expulsar a vaca e o burro, porque, sentenciou, no local do nascimento de Jesus "não havia animais". Portanto, concluí eu, também não havia ovelhinhas, o que quer dizer que também não houve pastorinhos do deserto. Sobravam, inequivocamente, os três reis magos. Gente fina, vinho de outra pipa. Reis. E magos (porque o champanhe ainda não tinha sido inventado). Esses, é certo, estiverem lá, em representação de toda a humanidade - segundo Ratzinger. Estiveram os reis magos e os anjos cantadores. Os anjos também estiveram.
Que se segue? Eu por acaso até era mais dado a acreditar no burro e na vaca do que na mirabolante história de Gaspar, Melchior e Baltasar, uma boa linha média para quem jogue em 4-3-3, mas que se há-de fazer? Na verdade, eu por acaso até sou capaz de acreditar mais no burro e na vaca do que nos anjos e no presépio completo, a começar pelo dogma da virgindade de Maria tal como está estabelecido. Mas quê? Mais de dois mil anos a aquecerem o Menino com os respectivos bafos, e foi este o pagamento que o burrinho e a vaquinha receberam.
Cá em casa não expulsamos ninguém, pelo contrário. No nosso presépio entram todos. Todos são bem-vindos, sem excepção. Pastores, trolhas, cabrinhas, escafandristas, empregados de mesa, com e sem-abrigo, prostitutas, levandiscas, lambe-botas, grilos, reis magos e outros artistas de circo, polícias municipais, cães e gatos, sapos e ciganos, evidentemente o burro e a vaca, que se lixe o Vaticano!, e desde ano passado o galo, este ano a minha mulher ainda não se decidiu pela novidade, se calhar para o ano um porco e depois uma avestruz, o Ben-Hur, se também quiser, o He-Man, o Super-Homem, o homem-estátua, a Justiça de Fafe, a Barbie, o Nenuco, a Popota, a Irmã Lúcia, os Power Rangers, o Padre Cruz, os Transformers e as Tartarugas Ninja, o Zé Povinho e o Fradinho das Caldas, o Tutankhamon, o Yoda, Marcelo Rebelo de Sousa e até Bento XVI se entretanto sair em boneco.
Deus é grande, e o nosso presépio será cada vez maior.

É. Chegamos ao Verão e a minha mulher começa logo a programar o Natal, a fazer compras de Natal, a falar do Natal, e realmente num lampo estamos lá, num lampo estamos cá. Agora, nesta idade, os dias fogem-nos com uma bolina que já não conseguimos controlar. "Estamos aqui, estamos no Natal!" E de repente estamos, mal acabamos de dizer. Como se estivéssemos sempre no Natal. Como se o Natal fosse um presente contínuo. E, olhem, do mal o menos.
Faz-me lembrar o padre Fraga, mestre e amigo na minha infância sacrista. Há muitos anos, no seminário, em Braga, o querido padre Fraga passava a vida a tentar chamar-nos à razão, a apelar ao redobrar do esforço no estudo, à recuperação de notas, ao brio escolar. O bom padre Fraga, Albano Teixeira Fraga, que é fafense de Travassós e que se desfazia em riso de cada vez que queria falar de mau, perorava com os braços cruzados no peito, gesticulando com uma mão de cada vez, "por um lado isto, por outro lado aquilo", coisa bonita de se ver. Ele tinha uma teoria, um argumento poderoso. Estávamos ainda em Janeiro, no início do 2.º período, e o padre Fraga agitava as juvenis (in)consciências, alertando, apocalíptico: "Porque, meus meninos, estamos no fim do ano!..."
Isso. A urgência da vida. Com o padre Fraga, desde o princípio do ano que estávamos no fim do ano, não havia tempo a perder. Cá em casa, a Mi é com o Natal. Os nossos Natais, verdade seja dita, são como os cigarros das férias grandes, fumados às escondidas atrás do Jardim do Calvário - acendem-se uns nos outros.

(Publicado ontem, sábado, no meu blogue Tarrenego!)

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