Os Antigos sabiam tudo. No tempo deles é que era. Havia respeito, havia educação, bondade, sabedoria, paz, saúde e sobretudo velhice. Os Antigos merecem a letra grande, Antigos, como se fossem uma civilização, porque deveras são.
Os Antigos sabiam de laranjas - de manhã ouro, à tarde prata e à noite mata. Sabiam do tempo - em Abril, águas mil. Sabiam de horas e alturas - deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Sabiam de curas e maleitas - o vinagre e o limão meio cirurgião são. Sabiam de tubérculos e famulagem - não comas caldo de nabos nem o dês aos teus criados. Sabiam de presigos e segurança pública - sardinha sem pão é comer de ladrão. Sabiam de magustos e viagras - a castanha excita o coito e alimenta muito. Sabiam de proporções - bom comer: três vezes beber. Sabiam de criação e divindades - ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo. Sabiam de prestidigitação e utopias - mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Sabiam saltar a cerca - a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha. E sabiam guardar um segredo - o corno é o último a saber.
Os Antigos morriam muito, mas morriam muito velhinhos, isto é, por volta dos cinquenta, sessenta anos.
Os Antigos não andavam por aí aos tiros. Andavam às pauladas, às facadas, às sacholadas - e aos tiros.
Os Antigos não matavam por dá cá aquele palha. Matavam por causa da água - e geralmente por causa do vinho. E às vezes por dá cá aquela palha, só para não darem parte de fraco.
Os Antigos não emprenhavam raparigas solteiras a torto e a direito. Os filhos de pai incógnito eram realmente mais que as mães, mas eram milagres, isso está provado.
Os Antigos não toleravam e até perseguiam os maricas, isto é, os paneleiros, porém consideravam razoável que o senhor padre fosse ao pito às moças da paróquia e brincasse com as pilinhas dos meninos da catequese.
Os Antigos sabiam muito de política e achavam que melhor que um Salazar só dois Salazares. Melhor ainda, um Salazar em cada esquina e o país de bico calado. Entre Salazar e Fátima, era a única dúvida que tinham os Antigos, e por isso resolveram apegar-se aos dois.
Os Antigos sabiam como fazer homens. Pegavam nos rapazes e mandavam-nos para a tropa, se possível para a guerra. Bater nos filhos fazia parte, e nas mulheres também.
Os Antigos sabiam o lugar da mulher. Em casa. Na cozinha. A fazer croché. E se saíam à rua, era marido à frente e mulher um passo atrás, como Deus ensinou e está na Bíblia. Ser marido era um posto.
Os Antigos respeitavam muito as esposas. Por isso iam às putas.
Os Antigos andam por aí. E estamos no tempo deles.
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