"Isto agora é só sexo! Que vergonha! Que nojo!", resmungou a velha senhora, sem mais nem menos, ou como quem dá os bons-dias. Era realmente uma senhora vetusta, recatadamente vestida e calçada, mas com aprumo, assim a modos de irmã da caridade à paisana. O cabelo curto, antigo, pretíssimo como só ao alcance do Restaurador Olex, as mãos cansadas e a voz decidida. "Isto agora é só sexo! Que vergonha! Que nojo!", foi o que ela disse e redisse, num veemente protesto saído do nada, acrescentando em tom menor, enquanto tentava abrir o porta-moedas: - Quanto é?...
Estávamos na padaria, com efeito. Ao balcão. Para além do desabafo, bem ensaiado, a velha senhora também queria pagar os dois bijus que já guardara na saca de pano. Atrás, na fila para a máquina registadora, uma senhora um bocado menos idosa e aparentemente mais arejada deu ideia de não ter gostado muito daquilo do "Isto agora" e retrucou, numa censura mansa:
- É por isso que no tempo da senhora as raparigas solteiras não apareciam grávidas sem se saber de quem...
- Mas eu nunca! Sabe quantos anos tenho? No-ven-ta! Noventa anos, e eu nunca!... - explodiu teatralmente a velha senhora, que encontrara enfim o que de facto viera buscar: uma discussão. Para isso saíra de casa.
- A senhora não, mas outras sim... - devolveu-lhe a senhora um bocado menos idosa.
- Não se compara! - atirou a velha senhora. - Agora não querem outra coisa, ainda ontem, ali na paragem do autocarro, um rapaz e uma rapariga naquilo, sempre naquilo, a fazerem sexo, pareciam cães, e a televisão é só sexo, sexo, sexo, de manhã à noite e pela noite dentro, sexo, sexo, sexo, que eu bem vejo... - e de repente ia-lhe faltando o ar, coitadinha, ou então o chilique também fazia parte.
Acudiu-lhe a senhora um bocado menos idosa:
- Olhe, minha senhora, faça como eu, não veja televisão. Na verdade, algumas notícias metem mesmo nojo. E com isto da pedofilia, dos abusos dos padres, dos bispos que esconderam tudo, até já nem sei se meta a minha netinha na catequese...
- Meta, meta! - mandou a velha senhora, voz da vida e da experiência. - Isso não faz mal nenhum... - explicou. - Isso dos padres é uma coisa muito antiga. Veja bem que era eu pequena, ao tempo que isso vai, e o nosso padre já andava metido com a minha catequista. Com ela e com outras...
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Eu conheci essa senhora e esse padre. Ou semelhantes.
ResponderEliminarConheci várias e vários. Mas esta história passou-se mesmo, tal e qual, há meia dúzia de dias, aqui na minha segunda padaria, em Matosinhos.
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