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terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Todos à sacristia!

Do alto do campanário, os altifalantes falaram como se fossem Deus. Estavam zangados e só lhes faltava a sarça ardente: "Atenção, muita atenção! No final da procissão há reunião da comissão deste ano para ver se se arranja comissão para o ano. Todos à sacristia! Se não se arranjar comissão, para o ano não há procissão". E mais nada.
Eu ainda não tinha sido apresentado à palavra pragmatismo. Quando, bastante mais tarde, tomei conhecimento, percebi logo que pragmatismo era aquilo da comissão e da procissão.

P.S. - Publicado no dia 25 de Agosto de 2022. A patente do altifalante electrodinâmico foi registada pelo engenheiro alemão Werner von Siemens no dia 10 de Dezembro de 1877.

Atenção, muita atenção!

- Atenção, muita atenção! Pede-se a comparação dos pegantes ao andor da Senhora do Alípio junto ao clipe onde estão os antifalantes.
Aos anos que isto vai, ali para os lados de Amares, ainda as romarias não eram abrilhantadas com Fernando Rocha e rulotes de fast-food, mas por lá andaria a Banda de Revelhe. E que saudades que eu tenho desse tempo visionário e vanguardeiro em que o acordo ortofónico não havia sido inventado mas já era galhardamente roufenhado por altifalantes elevados às mais eucaliptais cruchas, para que a coisa cá em baixo não passasse despercebida lá em cima a Deus Nosso Senhor, que é praticamente tão brasileiro como português.
Decerto que a procissão saiu e o andor da Senhora do Alívio também. Já não sei como é que correu a "comparação". Nem me lembro em que estado terá chegado ao "clipe" o grupo de "pegantes" retardatários. Mas devia ser líquido, o estado, né?...

P.S. - Publicado no dia 25 de Agosto de 2022. A patente do altifalante electrodinâmico foi registada pelo engenheiro alemão Werner von Siemens no dia 10 de Dezembro de 1877.

O rapaz dos altifalantes

Era a sua primeira vez. Agarrou pois no microfone, coçou-lhe a cabecinha com a unhaca da cera, soprou-lhe o pó num imenso e sonoro perdigoto e, sem mais delongas, disse:
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.

A frase era: "E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Mas só funcionava, a célebre frase, se fosse metida no meio de uma marcha do John Philip Sousa, que para mim era um músico português de Castelo de Paiva que tinha ido para a América em pequenino. Eu sabia que no Pejão havia por aquela altura uma grande banda de música, quase tão boa como a nossa, a de Revelhe, e era por isso. Quanto à marcha propriamente dita, de preferência Stars And Stripes Forever. Isso, sim, era serviço completo, coisa profissional.
Eu adorava os altifalantes. Longe ou perto, os altifalantes chamavam por mim e eu ia. Eram sinal de futebol no Campo da Granja, eram Festa da Bomba, eram o Santo António na minha rua, eram a Senhora de Antime que vinha à vila numa tremenda e comovente procissão. E eu adorava aquela frase. O meu sonho era dizê-la quando fosse grande.
E disse. Vezes sem conta, anos mais tarde, já os altifalantes tinham sido promovidos a "instalações sonoras" e a bola rolava no Estádio de campo pelado. Sim, o microfone agora era meu, eu era o rapaz da "constituição das equipas" e daqueles reclames muito jeitosos que terminavam todos em "... nesta simpática lo-ca-li-da-deee". E os anúncios pelos 16 de Maio e pelas Festas da Vila, nos altifalantezinhos pendurados nas árvores em Cima da Arcada, sim, também era eu. Mas estavam gravados e a frase era-me impedida. E nem imaginam o que eu sofria quando andava com o Pimenta pelas aldeias de Fafe a apregoar os filmes do cinema ao ar livre, as cornetas atadas às três pancadas no tejadilho da velha catrel e eu, aos solavancos contra o tecto, sem poder dizer a frase. Mas não encaixava de maneira nenhuma a puta da frase. Que seca! E os filmes também.
"E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Era a frase da minha infância e andou sempre comigo. Até na profissão. Quando passei pela Informação da Rádio Comercial, no tempo em que a Comercial fazia parte do universo RDP, muitas vezes a disse, como teste, na gravação de uma notícia ou apenas por brincadeira, de microfone fechado, antes de ir para o ar com o noticiário. "E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde".
Nunca chegou cá fora, e foi o que os senhores ouvintes perderam - como certamente estão agora a perceber. Em contrapartida, uma vez, no final de um bloco noticioso particularmente bem conseguido, saiu-nos - ao colega de cabina e a mim - um "Até os comemos!", de microfone involuntariamente aberto e destinatários certos, que ainda hoje é o nosso orgulho.
E realmente "Até os comemos!" também é uma bela frase e resulta muito bem em rádio, sobretudo se for numa rádio sustentada pelos contribuintes. Mas, verdade seja dita, não tem comparação com a outra, a gloriosa, a dos altifalantes, pois não?

P.S. - Publicado no dia 22 de Agosto de 2022. A patente do altifalante electrodinâmico foi registada pelo engenheiro alemão Werner von Siemens no dia 10 de Dezembro de 1877.

O Baptista de Antime é que inventou as sinergias

Foto Hernâni Von Doellinger
No princípio era a SIF. Depois é que apareceram os altifalantes do Costa e Castro de Travassós. É assim que eu me lembro. A SIF do meu vizinho Zé - o Zé da SIF -, do senhor Vilhena e até do filho do senhor Vilhena. Escrevo de memória, mas creio que estou a dizer bem. Quando não tinha o meu pai, eu entrava no futebol com o Zé da SIF, fazendo de conta que carregava uma corneta que era do meu tamanho, e por isso é que sou um especialista em Campo da Granja e em "amplificações sonoras", com formação em feiras, festas e romarias, missas cantadas e procissões. Desde pequenino.
"Amplificações sonoras" - atentem bem. Façam como eu: digam "amplificações sonoras" em voz alta. Mais alto. Agora repitam com voz de "continue connosco" e arrastando as sílabas. Não são palavras mágicas? São. Mas não é isso que aqui interessa.
Onde eu quero chegar é ao Baptista de Antime. Às "Amplificações sonoras de João Baptista Gonçalves, de Antime, Fafe, deslocam-se a qualquer localidade, haja ou não haja corrente eléctrica", e que, quando apareceram no mercado, rebentaram logo com a concorrência.
E eu acho que consigo perceber porquê. O Baptista de Antime era um tipo porreiro. Até tinha um tasco - e isso, salvo duvidosas excepções, é o melhor que se pode dizer seja de quem for. Apesar de disputar a rua com o Lando da Rampa, que era realmente vinho de outra pipa, o bom do senhor Baptista manteve o tasco e lançou-se nos altifalantes com um sucesso que só ouvido. Parece que o estou a ver agora, hiperactivo, falador, a ligar fios atrás de fios, cigarro na boca, a barba por fazer e a mão a mandar para trás a melena rebelde do cabelo brilhantinado, sempre magro, sempre de fato, sempre disponível e sorridente. Tenho ideia de que os altifalantes para a Festa da Bomba eram de graça, mas se calhar aqui estou a exagerar.
De tão bom, de tão dado às pessoas e vice-versa, o Baptista de Antime até cometeu a proeza de ganhar a Junta de Freguesia para o Partido Comunista. Antime fica no concelho de Fafe, é preciso que se note. E Fafe, para quem não sabe, fica no Minho, pertence ao distrito de Braga. Estão a ver a façanha?
Um dia, o Baptista de Antime, que já tinha um tasco e alugava "amplificações sonoras" e electricidade em pó aos fins-de-semana, resolveu alargar a sua carteira de negócios ao ramo da funerária. E em boa hora o fez, numa esperta lógica de complementaridade que continuaria a ser dinheiro em caixa. E em caixão. Romarias e funerais, o casamento perfeito, na alegria e na tristeza, venha mais um copo. O homem estava em todas. E a treta das sinergias foi ele que inventou.

Os funerais do Baptista eram muito gabados. O Zé Maria Sapateiro dizia que eram "uma categoria".
O Zé Maria Sapateiro, que sabia muito de funerais, era também de Antime e pai da minha querida tia Laura. Era, portanto, sogro do meu tio e padrinho Américo. Era avô do Zé e da Zulmira - para que os de agora se situem. Em cima de tudo isto, o senhor Zé Maria era uma figura, malandro e esforçado piadista, com o porém do benfiquismo.
Eu gostava muito de ouvir o senhor Zé Maria. E o senhor Zé Maria gostava de terminar as suas dissertações, à mesa da cozinha da casa do Lombo, com um "Viva o Benfica e mais nada!" que me incomodava um bocadinho. Ainda por cima, conhecendo a cor do meu coração, que era e é só uma - azul e branco -, insistia em reclamar os meus améns, "Não é, Hernâni?", porque, dizia ele, "O Hernâni é que sabe". E eu não sabia.
Uma vez o senhor Zé Maria morreu e eu fui a Fafe ao funeral. Foi um funeral de categoria. Deve ter sido o Baptista. Só pode ter sido o Baptista.

Conheci gente extraordinária em Fafe. E às vezes arrependo-me de ter crescido. Tenho saudades do tempo em que a vida da vila andava ao toque do sino da Igreja Nova e do apito da Fábrica do Ferro. É. A minha terra infelizmente já não existe.

P.S. - Publicado no dia 22 de Agosto de 2022. A patente do altifalante electrodinâmico foi registada pelo engenheiro alemão Werner von Siemens no dia 10 de Dezembro de 1877.

sábado, 29 de junho de 2024

Trazei-me cá o martelo, caralho!

Pardelhas, Fafe. Festa de São Pedro. A Internet ainda estava no cu dos americanos, parece impossível mas não havia Facebook nem Twitter e muito menos X, o telemóvel chamava-se telefone, trabalhava a manivela e só se deslocava da mesinha de cabeceira para a cama, se o fio deixasse, e o e-mail chamava-se telegrama. A comunicação era boca a boca, como a respiração, as conversas seguiam de bicicleta e as mais prementes voavam de motorizada, as redes sociais iam num pé e vinham noutro. Mandavam-se recados, levavam-se "repostas" - assim se dizia na minha terra, e eu gostava. Era ainda a idade das trevas, pelo menos até ao nascer do sol, geralmente por volta das seis da manhã naquele altinho fafense e naquela parte do ano.
Mas havia altifalantes, e urgências são urgências. A meio do "Carrapito da Dona Aurora", que estava a correr tão bem, alguém corta o pio aos do Conjunto António Mafra, sopra asmaticamente no velho microfone Philips, "um, dois, um, dois, experiência", e, desassossegando a aldeia inteira, grita na maior das aflições:
- Atenção, muita atenção! Ó Silva, trazei-me cá o martelo, caralho!...

Bruxedos e outros medos

Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao por...