Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao meu avô da Bomba. Sapateiro. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros ou faltadores à verdade, como se sugere na política -, nos dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito arrependido, que me desculpem os sapateiros propriamente ditos e os atamancadores em geral.
Se escrevesse hoje, e é o que faço agora, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do artesanato, um artífice do calfe, uma sumidade da sovela, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e fazia-lhe um museu, se mo pagassem; diria que o meu avô era uma start-up em pessoa e metia-o na Bolsa de Nova Iorque, se me deixassem; diria que o meu avô era um criador de sapatos e enchia-o de massa do PRR, se ma dessem; diria que o meu avô era um caso exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha no 10 de Junho, se mandasse; diria que o meu avô era um estilista, um designer de calçado, e acompanhava-o à Feira de Milão, assim a agenda mo permitisse. É isso. Se escrevesse hoje, eu diria que, para todos os efeitos, o meu avô era um designer, um estilista, um artista - sobretudo um artista. Ai era, era...
P.S. - Hoje é Dia de São Simeão Estilista. Simeão Estilista, o Antigo, para se distinguir de Simeão Estilista, o Moço, nasceu em Alepo, norte da Síria, por volta de 389, faleceu em Telnessin, em 459, e terá sido o primeiro santo estilista. "Estilista" diz que advém da palavra grega stylos, que significa coluna. Era no topo de uma coluna que Simeão vivia, pregando e jejuando, preso por uma corrente. Quer-se dizer, hoje em dia trabalharia numa discoteca da moda. E o outro também.
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